domingo, 18 de julho de 2010

Sobre o "erro" da PM e a morte do menino Wesley



O governante pediu desculpas aos pais do menino Wesley, resumindo sua conclusão com autoridade inquestionável: “A PM errou!” Questionou o horário da operação e o fato de as crianças estarem em aula, segundo ele “momento” impróprio para a ação policial, que se deu “à luz do dia”. Bem, então a PM não mais poderá agir “à luz do dia”. De agora em diante as ações operacionais devem considerar a oportunidade de agir olhando para a lua e jamais para o sol. Mas, se não agir ante o crime visível ou não cumprir disque-denúncia, prevarica...
Também a PM não deve agir quando crianças faveladas estão em trânsito para a escola, risco certa vez posto na mesa por um deputado estadual, e por isso tachado de “conivente com o tráfico”, embora a ponderação dele se baseasse numa lógica irrepreensível e oficialmente admitida pelo alto escalão da PM.
Ora bem, quando as crianças não estão em trânsito para a escola, ou se trancam em seus barracos e casarios incapazes de escorar bala de fuzil ou vão brincar nos apertados espaços disponíveis nas favelas. Se for morro, nem pensar em futebol. Portanto, as crianças faveladas, em trânsito para as escolas, brincando nas ruas, dentro de salas de aula ou trancafiadas em suas moradias, à luz do dia ou à sombra da noite, não estão livres de balas perdidas: as paredes toscas das moradias podem ser rompidas pelas balas assassinas e sem endereço certo. Daí se indaga: que “outro momento” seria propício à ação policial contra os traficantes armados de fuzil que infestam as favelas do Rio?
Se estivéssemos nos tempos medievos, seria possível “marcar hora” para começar a batalha. Mas, em se tratando de bandidos, não há como a polícia combinar antes o “outro momento” para o confronto, e muito menos um lugar mais seguro, de sorte que tiroteios não atinjam inocentes, mormente crianças. Impossível!...
O certo, então, seria não agir, mas isto é crime. Demais disso, há as cobranças de apreensões de armas e drogas como paradigmas de bons ou maus comandos. Se armas e drogas não são apreendidas em favelas, o comandante do batalhão e sua tropa são tornados suspeitos de arreglo (“ajuste, combinação, acordo” com o tráfico) ou arrego (“rendição, submissão, desistência, reconhecimento de derrota” ante o tráfico). Por conseguinte, nem pensar em recuo no combate ao narcotráfico... O jeito único, sem embargo, é correr o risco de combater, e os melhores “momentos” e locais ficam por conta da livre movimentação dos bandidos. Complicado, não?...
Ora bem, se a PM decide não enfrentar os bandidos onde eles se homiziam e de lá raramente saem (a droga e os viciados circulam nas favelas em variados “momentos”), em vista da impunidade a tendência é a da prosperidade do crime. Isto significa mais viciados, drogas, dinheiro, armas e bandidos a garantirem o maravilhoso negócio capitalista da procura infinitamente superior à oferta.
Acresce ainda a mão de obra flutuante nos “paióis de endolação” montados para atender à demanda crescente do tráfico, espaços e “momentos” ocupados exatamente por crianças sem escola de tempo integral e por adultos sem nada pra fazer e se entendem “trabalhando”. Afinal, se não podem evitar a baderna de cheiradores cambaleando pela favela como “respeitáveis clientes”, se não podem evitar que esses viciados molestem suas esposas, mães, irmãs e filhas, pelo menos se acham no direito de ajudar a matá-los embalando o veneno com gosto de vingança; e ainda recebem salário do traficante, outra forma de “vingança” contra o desemprego e a fome: eis o crime com gosto de “trabalho”.
Ora, ora, se a PM não for à favela conter o ímpeto do crime organizado do tráfico, que já se tornou “narcoguerrilha urbana”, a sociedade do asfalto e sua mídia controladora do político começam a derrubar comandos gerais, intermediários e operacionais. Se a PM recua, o tráfico cresce e se torna alvo da ambição de outros narcoguerrilheiros e a escaramuça entre eles produz o mesmo efeito: morte de inocentes. Neste caso, porém, os atingidos sepultam seus mortos no silêncio da ausência midiática e o episódio desastroso nem parece ter existido no mundo.
Ah, a polícia não pode falhar em nenhuma ação, isto é privilégio somente de bandidos... Ou melhor, a PM só pode falhar se o prejuízo lhe pertencer: o ferimento ou a morte de alguns dentre os seus incompreendidos integrantes. Eis, portanto, e em resumo, as circunstâncias em que a PM deve decidir (subjetivamente) o que fazer e em que “outro momento” (subjetivo) fazer, posto não lhe ser dado (objetivamente) o direito de não fazer.
Portanto, diante do ambíguo “outro momento” sugerido pelo governante na sua desculpa esfarrapada aos pais de Wesley, cabe somente lembrar o atualíssimo aforismo de Trasímaco: ”A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante.”

Sem mais, que se cumpra!

Um comentário:

Paulo xavier disse...

Não fosse o triste desfecho do episódio narrado, onde o estudante Wesley foi vítima de uma bala perdida, essa incursão da PM seria mais uma entre tantas que acontecem diariamente no nosso Estado.
A missão é árdua, a criminalidade avança e o cidadão de bem clama por mais segurança, mas ela tem seu preço e as vezes é muito alto, o de vidas de pequenos inocentes.
Percebe-se que o autor evitou fazer acusação e defesa; sabiamente omitiu nomes, mas o cidadão esclarecido, que acompanha os fatos sabe muito bem a causa do afastamento do Cel Principe; é que as eleições se aproximam e a sociedade precisa de uma resposta, ainda que seja através de uma injustiça.
Talvez seja preciso aumentar o quadro de Oficiais Superiotres na PM, principalmente Ten Cel e Cel, por que mais comandantes de batalhão irão para a varanda, nessa nefasta guerrilha urbana, onde fatalmente ocorrerá o confronto. A próxima vítima, quem poderá ser? Só Deus sabe!