sábado, 1 de maio de 2010

Sobre a ironia do coronel Príncipe

Nova abordagem encerrando o assunto

Os atentos bajuladores midiáticos do governante entenderam o “escoteiro” do Cel Príncipe como “ironia”. Ora, a meu ver nenhuma houve na declaração dele, mas apenas uma bem-humorada impressão e não sarcasmo em relação ao desmoralizado banditismo. Por outro lado, esta desmoralização pode ser mera tática de recuo, talvez em virtude do custo-benefício da UPP em relação ao tráfico, específica equação de resultado ainda desconhecido, não se questionando aqui o ganho da população favelada em tranquilidade. Vejo assim porque creio que a razão principal da tática de contenção dos traficantes é rechaçar seus inimigos invasores igualmente traficantes. Sim, em princípio os bandidos não estão armados para guerrear contra a polícia; fazem-no porque já se encontram na defensiva e reagem quando não conseguem fugir da investida policial. Quanto mais veloz for a incursão policial, maior a possibilidade de a contenção revidar, espécie de reação, como o jornalista Carlos Amorim sublinhou, para “desarmar a quitanda” (“Comando Vermelho – a história secreta do crime organizado”).
Com efeito, há de se garantir tempo de os traficantes “desarmarem a quitanda” (pontos de venda da droga e paióis de endolação), daí conterem a entrada da polícia como se estivessem recebendo ataque de bandos rivais. Não estão ali por causa da polícia, mas para enfrentar os inimigos que intentam conquistar seus lucrativos territórios. Para tanto, é óbvio, necessitam de efetivo e poderio bélico proporcionais à população e à topografia das favelas por eles dominadas. Essa demonstração de força dos traficantes muitas vezes se torna visível pelo uso de balas a tracejar os céus ou por rajadas sistemáticas a provar que munição não lhes falta. A polícia entra como novidade nesta roda-viva e tiroteios ocorrem na medida certa da necessidade de ocultação da droga, razão, aliás, de todas as escaramuças. Não houvesse drogas a comercializar, não haveria exércitos protegendo-as de outros grupos facinorosos. Para variar, a polícia vai também atrás da droga e efetua apreensões cujos prejuízos não interessam aos bandidos. Eles reagem, alguns matam policiais ou morrem, mas a droga muitas vezes não é encontrada, os esconderijos são mui protegidos, eis como se perpetuou a briga entre polícia e bandidos, sendo certo que entre os bandidos o objetivo é sempre a conquista do território da facção rival para aumentar os lucros. E aqui entram as UPPs...
É sabido que as UPPs não eliminam totalmente o tráfico nem recolhem armas do grosso da bandidagem, é tudo com aviso prévio... Em compensação, à surda da polícia ou com o consentimento tácito (remunerado) de policiais empenhados nas ocupações (o canto da sereia é uma realidade inesgotável e admitida pela máxima autoridade da segurança pública), o tráfico vai seguindo o seu curso rumo ao infinito. Claro que aos intransigentes defensores das UPPs não interessa desmerecê-las em nenhuma hipótese. Para eles as UPPs são “miraculosas”. Daí não haver muita divulgação dos erros em contrapartida à exagerada disseminação dos acertos pela mídia interessada nos lucros da Copa do Mundo e das Olimpíadas, ou seja, toda a mídia carioca liderada pela poderosíssima Infoglobo. Isso é tão descarado que chega a doer...
Até se entende o interesse econômico-financeiro da mídia e de seus patrocinadores, mas essa avidez não consegue se ocultar nas sombras das UPPs. Menos ainda é oculta a disposição de políticos ansiando aproveitar no seu máximo o marketing gratuito a favor da brilhante ideia das UPPs. Seja lá de quem tenha sido a ideia, trata-se de um sistema de privilégios no qual se insere o traficante, este, que não mais precisa se expor para defender seu território enquanto comercializa drogas. A polícia (UPP) está direta ou indiretamente servindo-o no melhor estilo de “defensora da comunidade”...
Não discordo de que esteja bem melhor a vida nas comunidades atendidas por UPPs. Mas a questão é que o problema do tráfico, longe de ser erradicado, é apenas parcialmente afastado para outras localidades, permanecendo nestas últimas (sem UPPs) a mesmíssima cultura dos confrontos de bandidos versus bandidos versus polícia... Tal situação discriminatória torna as UPPs um deslavado privilégio de minorias. Não que essas minorias não mereçam maior tranquilidade. Mas as outras comunidades carentes (maioria absoluta) não verão suas UPPs a não ser por jornais rasgando-lhes elogios. E esta maioria continuará a sofrer riscos de morte naqueles inevitáveis confrontos de bandidos versus bandidos versus polícia... Porque a polícia, no fim de contas, precisa mostrar serviço, e mais ainda agora que a mídia só dá espaço positivo para as UPPs.
Ah, o que faz o dinheiro... Ora, ora!... Sabemos o que faz o dinheiro desde Shakespeare (“Embora a autoridade seja um urso teimoso, muitas vezes, à vista de ouro, deixa-se conduzir pelo nariz”) ou de Cecília Meireles (“Vede os pequenos tiranos/ que mandam mais do que o Rei/ Onde a fonte de ouro corre/ apodrece a flor da lei!”)... Nesse aspecto, talvez a fala do coronel PM Fernando Príncipe tenha funcionado como um pontapé na canela de quem não quer ouvir nada diferente do discurso do poder político. Menoscabar os bandidos, como ele intentou, acabou soando como “ironia”, espécie de peido fino em elevador, que todo mundo sente o cheiro e ninguém lhe sabe a origem, a não ser que o autor o assuma e seja execrado ou até apanhe pancadas. Fedeu a fala do coronel porque desmereceu a cascata midiática adrede montada. Não houvesse ele jantado onde não devia e ninguém notaria a fala dele ou então a elogiaria sem pudor...
Bem, com estas impressões despeço-me das UPPs. Creio ter registrado para o futuro uma linha completa de pensamento. Não digo que eu esteja absolutamente certo nem me arrisco a assegurar que estou errado. O assunto por si só é polêmico, está no seu início e não terá fim tão rapidamente. Daí a necessidade do descanso... Agora pretendo me enfiar em mim para produzir alguma arte literária, modesta, é verdade, mas é minha e daqueles que me prestigiam gastando o seu (deles) tempo em leitura do que produzo. A não ser que... Ora bem, é muito difícil ficar alheio aos acontecimentos do nosso cotidiano. Mostrar o lado podre das coisas é também ofício do escritor. É o que tenho feito, esperando assim construir algo novo e melhor para a sociedade, posição assumida no meu romance O Espião:

“A esse respeito lembro Nicolai Vassílievitch Gógol, – um dos imortais da literatura universal, – quando ele diz em Almas Mortas: “Feliz o escritor que, passando ao largo das personagens enfadonhas, repugnantes, que nos expelem com o seu triste realismo, aproxima-se das personagens que mostram a elevada dignidade humana (...). Todos o aplaudem e seguem em cortejo o seu carro de triunfo (...). Ninguém o iguala em seu poder – ele é um Deus! Mas diversa é a sorte, outro é o destino do escritor que se atreveu a descortinar tudo aquilo que está diuturnamente diante dos olhos, e o que não enxergam os olhos indiferentes – todo o terrível, espantoso limo de mesquinharia que enlameia a nossa vida, toda a profunda e assustadora frieza dos caracteres fragmentados e vulgares que pululam no nosso tantas vezes amargo e tedioso caminho terrestre (...). Não são para ele os aplausos populares, não lhe será dado ver as lágrimas de reconhecimento e o entusiasmo unânime das almas por ele comovidas (...); reservar-lhe-ão um recanto desprezível no rol dos escritores culpados de ofender a humanidade, atribuir-lhe-ão os vícios dos heróis por ele pintados (...).”

Teria sido intenção irônica do Cel Príncipe mostrar o lado podre das ocupações?... Prefiro crer que não, e em tendo sido ironia a esculachar os bandidos, foi deveras oportuna... Ah, devo também acrescentar que a área policiada pelo 9º BPM é a mais violenta do Rio, principalmente em crimes de sangue, segundo muitas pesquisas universitárias. Portanto, malgrado os motivos “alimentícios e festivos” da mudança, temos o profissional certo no lugar certo...

4 comentários:

Celso Luiz Drummond disse...

Grande Emir, tudo bem?

Dá só uma olhada nessa entrevista do Beltrame.
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4410350-EI8139,00-RJ+Alemao+e+Penha+terao+mil+homens+nas+UPPs+diz+Beltrame.html

E olha como já dizia o meu avô que o peixe morre pela boca.

Isso significa contratações. Haverá novos concursos para a PM?

Já está planejado. Vamos aumentar o efetivo de 37 mil para 55 mil. Isso, inclusive, é exigência do Comitê Olímpico para 2016. Isso vai nos exigir fazer concursos anuais para 5 mil policiais. Levamos dois anos para planejar tudo, porque precisamos fazer um diagnóstico para colocar em prática. Agora, a partir do ano que vem, o efetivo que entrar para esses concursos vai ser dividido também para os batalhões.

Paulo Xavier disse...

Hiprocrisia pura, teatro para o palhaço (povo) bater palmas. Infelizmente a maioria não tem acesso a certas informações e vai vivendo de mentiras e cheio de esperanças, achando que um dia vai melhorar.
O povão, do qual faço parte, tem culpa nesse processo, infelizmente.
Tancredo Neves já dizia: Esse grande povo brasileiro não merece essa elite que tem.
Caberia citar também Franz Kafka: "A literatura é uma expedição à verdade".
Parabéns Cel Larangeira.

Anônimo disse...

Prezado amigo Coronel Larangeira:
Eu particularmente, além de amigo, sou um fã do Coronel Príncipe. É um dos RARÍSSIMOS OFICIAIS (Ativos e Inativos) com caráter e dignidade. Policial de verdade, operacional, CAVEIRA e NUNCA foi de ficar "escondido" em gabinete.

Torço para que ele um dia, seja nosso Comandante Geral, pois assim teremos, UM COMANDANTE DE VERDADE A FRENTE DA NOSSA BRIOSA CORPORAÇÃO.

André Luiz Tavares

Anônimo disse...

Outro dia, ouvindo uma pregação evangélica do Pastor Mike Murdock, ele disse o seguinte: Os amigos nos fazem bem, os inimigos nos promovem. Não sei porque lembrei-me do Cel Príncipe e até gostaria que ele soubesse disso...