sexta-feira, 14 de maio de 2010

Sobre a ação da Polícia Civil no Pavão-Pavãozinho e no Cantagalo



Sobre a ação da Polícia Civil no Pavão-Pavãozinho e no Cantagalo (Copacabana-Ipanema), e antes que alguém ponha no episódio alguma ponta de malícia, não há nada demais em assim ter ocorrido. O papel das duas corporações policiais se encaixa com perfeição no bem-sucedido episódio patrocinado pela coirmã PCERJ. A PMERJ conquistou o espaço físico e o ocupou com UPPs. Não significa, como venho reiteradamente afirmando, o fim do tráfico, mas apenas o fim da ostentação de armas pelos traficantes.
Claro que implantar UPPs sem abrir espaço ao trabalho investigativo e à ação da PCERJ significa vantagem para os traficantes, que ingressam na “forma cística” e não mais necessitam ostentar seu poderio bélico a intimidar bandos rivais. Demais disso, eles acabam intimidando os moradores e instituindo a falsa impressão de que as armas são para “combater policiais”. Na verdade, o foco primeiro deles é o ataque de facções inimigas com vistas ao domínio do lucrativo território. Mas, em avançando a polícia (civil ou militar), os traficantes tentam conter a invasão para, em expressão de Carlos Amorim no seu clássico “Comando Vermelho – a história secreta do crime organizado”, “desarmar a quitanda”. Sem dúvida, perder drogas em apreensões policiais é drástico para o tráfico, o que explica a necessidade deles de sustentar tiroteios com a polícia para ganhar tempo e ocultá-las. Nem tanto as armas.
Em todos os sentidos conceituais e operacionais, a ação da PMERJ diferencia-se da ação da PCERJ em razão da própria competência de ambas. À PMERJ compete, como polícia administrativa de manutenção da ordem pública, coibir o crime visível, o que ela de fato conseguiu e sempre consegue em incursões e/ou nas ocupações. No primeiro caso (incursões), as ações ostensivas fardadas são restritamente repressivas; no segundo caso (ocupação), o objetivo precípuo é a prevenção pela presença ostensiva e a repressão aos delitos visíveis, o que vem ocorrendo em praticamente todas as comunidades ocupadas por UPPs, fato amplamente noticiado pela mídia. Já a PCERJ deve fazer exatamente o que fez, ou seja, investigar o crime invisível, singularizar os criminosos, coligir provas e agir, aí sim, e como bem o fez, com aparato em modelo militar de ação policial, o que ocorre com as coirmãs do Brasil (Polícia Federal e demais Polícias Civis estaduais) e até em muitas organizações policiais civis mudo afora. Portanto, é fácil entender o aparato utilizado pela PCERJ. Trata-se de demonstração de força indispensável, para evitar confrontos desnecessários.
A ação da PCERJ foi perfeita; seguiu seus padrões normais e deve ser sistematicamente repetida em outras localidades ocupadas por UPPs. Este é o caminho certo para combater o que a ela (PCERJ) legalmente compete: reprimir, como polícia judiciária, o crime invisível por meio da investigação criminal, singularizando os criminosos e tornando-os visíveis no processo com vistas a condenações futuras nas barras dos tribunais. Claro que isto não impede a PMERJ de usar a inteligência policial e até repassar suas informações para a PCERJ, o que é útil ao entrosamento das coirmãs.
Venho criticando alguns aspectos das UPPs, em especial o seu indevido uso político-eleitoral e o excesso de ufanismo das autoridades em vista de um projeto que está longe de ser garantido como “permanente”. No meu artigo anterior, e pensando no tal decreto governamental visando a tornar as UPPs “permanentes”, divaguei em torno desta palavra e de outras que movem o mundo natural e social, tais como a imprecisão, a impermanência, a incerteza etc. Creio ser de fundamental importância não encarar as UPPs como diamantes já lapidados e prontos para venda pelo maior preço. Aliás, mesmo o diamante lapidado depende de adornos para destacá-lo devidamente. Significa dizer que nada é isolado no mundo; tudo é interligado, tudo é relativo, nada é absoluto, conceito que inclui as UPPs.
Vejo as UPPs com preocupação porque foi e está sendo instituída como espécie de policiamento privilegiado. Mesmo que cada UPP seja um diamante lapidado, não há adornos suficientes nem diamantes a serem equitativamente distribuídos para todos os que têm direito ao valioso presente. E não cabe mais ocultar a verdade dos fatos: as UPPs até agora instaladas atendem a interesses específicos e claramente vinculados a dois lucrativos eventos futuros (Copa do Mundo e Olimpíadas). Nada demais seria se desde o início o programa fosse assim apresentado à opinião pública e até hoje não entendo por que deram asas à especulações várias, e eu sou um dos especuladores de plantão...
Outra prova do que afirmo em idêntica especulação é a transferência do BOPE para o ambiente turbulento da Maré, que inclui a necessária garantia de segurança nas vias de acesso ao Aeroporto Tom Jobim. Eu, particularmente, preferiria que a PMERJ criasse mais um Batalhão de Operações Especiais, outro BOPE, e até mais de um, de modo que todo o RJ contasse com o concurso dessa tropa de elite. Formar efetivos para tal desiderato não é impossível. Só depende de vontade, e minha preocupação se prende também ao mito da “unidade”, a mesma defendida pelas religiões do “Deus Único” e pela mecânica quântica da “Teoria do Tudo” (“Teoria das Supercordas” ou “Teoria M”). Ora, é um perigo a mitificação do BOPE a ponto de não poder existir outros “BOPES”. Sabemos mui bem sobre os perigos do mito.
De resto, e pela primeira vez, sou abrigado a concordar com a matéria de O Globo, inspiradora deste comentário. O jornal foi elegante e isento. Enalteceu a ação da PCERJ sem desmerecer a da PMERJ. Por amor à verdade, digo que a ação da PCERJ, desta feita, seguiu um curso mais natural do que aquelas que costumam anteceder à implantação de UPPs (incursão e ocupação permanente pela PMERJ). Nestas, anteriores, geralmente a contenção por parte dos marginais resulta em ferimentos e mortes de parte a parte. Claro que as aparatosas operações das duas polícias são trabalhosas, mas é o caminho certo, pelo menos no meu particular entendimento. Aliás, não posso ser contrário ao que igualmente fiz. Digo assim com propriedade porque assim agi enquanto comandante do Nono Batalhão, pelos idos de 1989-1990.
Declarei minha preferência por ações aparatosas em livro no qual relato como elas se deram durante o meu comando (Cavalos Corredores – a verdadeira história). Acrescento, todavia, que quase todas as operações do batalhão contavam com o concurso direto da Polícia Civil (DRE), o que geralmente resultava em prisões importantes. Essa interação de caráter permanente facilitava deveras o labor policial, e não havia nenhuma disputa para se saber que tinha “as pernas mais bonitas”. Não cuidávamos de nenhum concurso de “miss”, mas de trabalho integrado e fraternal de verdadeiras coirmãs.
Deste modo, e mantendo-me fiel às minhas críticas, ressalto a minha torcida para que a PCERJ aproveite o ambiente favelado policiado por UPPs (animando os cidadãos ordeiros a denunciar os covis dos marginais) para passar seu indispensável “pente fino” e produzir resultados benéficos à sociedade como um todo, como foi o caso presente. A ação foi na favela, sim, mas os seus reflexos vão além, pois demonstra a eficiência de um trabalho que deve ser visto como “globalizado” (o todo maior que a soma das partes) da Secretaria de Segurança Pública. Mas com a ressalva: manter as atuais UPPs e ampliá-las em meia dúzia mais de favelas situadas na Capital, e depois estender o privilégio a todo o universo estadual (mais de mil favelas dominadas pelo tráfico ou por milícia) significa confirmar cientificamente a “Teoria do Tudo” e desvelar todos os segredos do Universo (com maiúscula para diferençar do outro). E isto, dadas as inúmeras circunstâncias (políticas, financeiras etc.) é impossível!

3 comentários:

Celso Luiz disse...

Olá Emir,tudo bem?
Ontem estava participando do fórum de comentários da matéria no site do jornal o globo e um dos leitores comentou que a empregada dele que reside no complexo cantagalo-pavao-pavaozinho disse que o comércio de drogas continua rolando solto mesmo com a UPP no morro. O que sumiram foi a ostentação de fuzis, mesmo assim os traficantes estão munidos de pistolas.

Emir Larangeira disse...

Caro Celso Luiz

Para mim isto não é novidade. Fiz, como você sabe, diversas abordagens incluindo essa ideia. De qualquer modo, a ação complementar da Polícia Civil é importante, assim como o serviço de inteligência da PMERJ pode, aos poucos, identificando os "tumores" e lancetando-os. O que não se aceita é o romantismo das UPPs nem o glamour governamental sobre elas como se foram "milagres". Ora!... E também insisto que, mesmo com falhas, as UPPs são boas para a comunidade ordeira. O problema é estender o serviço para dar tratamento igualitário à população destinatária dos serviços de segurança pública. É neste ponto que a evidência do cobertor curtíssimo a cobrir somente a pontinha do pé é inegável. Para atender igualitariamente todas as favelas dominadas por tráfico e milícias e o asfalto, a PMERJ teria de dispor de mais de cem mil homens. É o mesmo que querer visitar outras galáxias, ou seja, objetivo impossível. E, em assim sendo, as UPPs estão na superfície visível do problema,cujo iceberg é a Zona Sul. Afinal, nenhum membro de comissões da Copa e das Olimpíadas visitará Madureira ou São Gonçalo...
Obrigado pela oportuna intervenção!

Paulo Xavier disse...

Cel Larangeira.
Perdoe-me a franqueza; falo como cidadão comum que sou, que vê e espera nas forças policiais do Estado, a garantia e a segurança para o seu direito de ir e vir.
A primeira pergunta que vem à cabeça do leitor, leigo, quando depara com a notícia "Policiais Civis prendem traficantes e apreendem drogas em área ocupada por UPP" é: O que esse monte de PM está fazendo naquela comunidade? Duzentos policiais não são suficientes para deter o tráfico de drogas numa comunidade de dez mil moradores?
Lembro-me que no primeiro governo de Leonel Brizola, saiam várias kombis espalhando PMs pela cidade, eram as chamadas "Operação Presença" que o povo logo apelidou de "Me engana que eu gosto".
Na minha humilde opinião, ou as UPPs se impõem como força policial atuante ou logo cairão em descrédito perante a população.