quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A realidade das ruas despoliciadas

Venho ponderando neste blog sobre o risco da concentração de efetivos em ações permanentes ou tendentes à permanência em tempo e lugar. Tal modelo se contrapõe ao cotidiano exercitado pela PM na prevenção aos delitos (missão precípua), que se caracteriza pela intensificação da frequência do patrulhamento ostensivo nas ruas e logradouros: a pé, motorizado, a cavalo, em motocicleta, bicicleta, lancha, helicóptero etc. O princípio da frequência máxima é simples: efetivo fracionado no terreno para ser visto e gerar sensação de segurança (no cidadão) e sensação de insegurança (no marginal), porém em condições de rápida reunião das frações em caso de delitos a demandar repressão aparatosa e imediata. Daí a estrutura ser apoiada por um sistema de comunicações aliado ao rígido controle e à fácil mobilização dos meios materiais e humanos distribuídos nas ruas e estacionados em quartéis (força reserva).
A regra, no modelo estrutural da PM, é a da prevenção pela presença, ou seja, um serviço de proteção. Qualquer que seja a motivação (justa ou injusta), a concentração de efetivos geralmente sacrifica a tropa e prejudica o Policiamento Ostensivo Geral (POG). Daí essa concentração ser considerada Policiamento Complementar (PC). Exemplos numa situação de normalidade: eventos carnavalescos e esportivos. Já na anormalidade (calamidades, distúrbios civis etc.) os efetivos podem ser eventualmente reunidos em locais onde se façam necessários.
Afora os casos que podem ser planejados e executados com efetivos selecionados para fins específicos, o segredo da eficiente e eficaz ação policial é o da máxima frequência do patrulhamento; pelo menos em tese, porque aqui não se discute o fato de as duas polícias estaduais serem carentes de gentes e conflitantes entre si, não por questões pessoais, mas por trabalharem dentro de um modelo estrutural e conjuntural que assim se impõe contra a vontade dos policiais em geral. Na verdade, é sonho das duas polícias (civil e militar) a prática do ciclo completo de polícia (polícias administrativa e judiciária), de modo a não haver interrupção de uma ação que geralmente começa numa polícia e termina noutra – um absurdo. É fácil compreender o conflito: o interesse de uma polícia a respeito de algum fato delituoso pode não ser o interesse da outra, que prefere atender prioritariamente a ocorrências distintas, dentro de suas próprias prioridades. Ambas têm razão...
A PM, na medida em que menos se fragmenta e mais se concentra, esvazia sobremodo o ambiente social. Como os meios materiais e humanos não são elásticos nem possuem o poder da onipresença, qualquer ação concentradora de efetivos produz uma espécie de “efeito borboleta” ao contrário, ou seja, o POG tende a diminuir. Eis o “cobertor curto” aludido na matéria em destaque, publicada no jornal O Globo de hoje, dia 03 de fevereiro de 2010. Mais complicado ainda é perceber a Polícia Civil buscando ostensividade e massificação de seus efetivos como se fora tropa, em vez de segmentar e qualificar seus meios para a investigação criminal, tarefa que lhe pertence exclusivamente.
Enfim, vemo-nos ante duas borboletas batendo suas asinhas de modo errado e produzindo o mesmo efeito funesto à sociedade: o aumento da criminalidade. Porque de uma coisa se tem certeza: nenhuma polícia sabe qual é a verdade do crime no ambiente social do RJ, em especial porque muitos delitos não são conhecidos pela polícia nem relatados pelas vítimas. Passam, ao largo das estatísticas policiais e servem como luva ao engodo dos “índices de criminalidade”, algo que funciona como disfarce de uma realidade que é seguramente outra.
O fato de a mídia badalar determinados desvios de finalidade do efetivo (concentração), para privilegiar vontades políticas imediatas, como é o caso das UPPs, contribui para o mascaramento da verdade operacional da PM, que rotineiramente se traduz pela fragmentação (fracionamento) do efetivo e pela máxima mobilidade (frequência). Trabalhar fora desse modelo é substituir a regra pela exceção, esta que se torna regra e vai batendo asas rumo a consequências imprevisíveis, espécie de “efeito borboleta” que parte do universo em expansão ao big bang...
Diriam os defensores da massificação do efetivo que ataco o modelo para acertar seus defensores. Não! Não sou contra o modelo operacional denominado UPPs. Apenas afirmo que ele jamais atenderá a todas as comunidades carentes dominadas pelo tráfico. Pois não há efetivo para concomitantemente policiar o asfalto e mais de mil favelas em todo o RJ, número discreto em relação ao todo que desconheço miudamente.
Serve aqui o milhar; não está fora da realidade. A questão, portanto, é a que alega acertadamente o comandante operacional do 31º BPM, batalhão que, aliás, talvez represente o menor cobertor da PMERJ a abrigar uma região muito além do seu diminuto tamanho. Também acerta a jornalista Carla Rocha, trazendo à realidade a antevisão do jornalista Zuenir Ventura, mestre que se lhe antecipou ao denunciar em artigo a possibilidade de migração do crime da favela para o asfalto, claro que preferencialmente onde não haja policiamento frequente. É fácil saber. É só observar determinado ambiente social por três dias. Se não houver patrulha circulando como ponteiro de relógio de parede, o campo estará livre para o jogo dos criminosos: nem POG fragmentado nem Policiamento Complementar massificado. Afinal, ali não é Maracanã em dia de clássico nem favela da Zona Sul...

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