domingo, 20 de dezembro de 2009

Sobre o panoptismo de Benthan


Desde que Jeremy Benthan concebeu o sistema panóptico* para vigiar condenados, parece que despertou nos governos de todos os naipes a ânsia de vigiar para punir cidadãos transgressores de regras inventadas segundo o princípio da desconfiança generalizada. E o que deveria ser exceção tornou-se regra. Pior ainda, transformou-se em instrumento de extorsão do Estado contra o particular, este que perdeu o direito à distração mínima ou à intimidade fora do lar e quiçá até dentro dele, como apontam as câmeras instaladas nos condomínios horizontais e verticais. Hoje o ambiente social mais parece a cela das prisões concebidas por Jeremy Benthan.
Sem dúvida, a invenção de Jeremy Benthan venceu os tempos. Complementando a nota de rodapé, o panóptico incluía a ideia da luz atravessando a cela e projetando a sombra do condenado, para ser também indiretamente vigiado pelo observador da torre central, este que, por sua vez, era fiscalizado pelos cidadãos. Deste modo, e em meio às interações sociais cada vez mais complexas, o Estado emergiu como inimigo número um da privacidade individual, tudo, claro, em prol de um discutível benefício coletivo.
Como tudo que é ruim tende a piorar, hoje não há mais privacidade em lugar algum. Sob o pretexto de vigiar o delinquente (exceção), as câmeras se espalharam por todos os lugares, instaladas por particulares contra si próprios e pelo Estado contra todos. Claro que a suposta utilidade do método justifica os excessos, do mesmo modo que a distorcida noção da ordem pública funciona como uma borduna de bugre sempre em posição de descer sobre o cocuruto de alguém que individualmente se distraia. Num semáforo desnecessário, por exemplo...


O sistema panóptico tornou-se caça-níquel estatal. Ninguém está livre de perder suas moedas além dos elevados tributos que, curiosamente, servem para comprar mais e mais caça-níqueis dissimulados em “fiscalização eletrônica”: os famigerados “pardais” (o apodo decerto tem relação com a excessiva quantidade desse pássaro urbano a incomodar o transeunte por meio de suas sujeiras em toda a cidade). O “pardal”, na verdade, é modalidade insidiosa de tocaia com o fim último e primeiro de o Estado bater a carteira do contribuinte.




*O panóptico de Jeremy Bentham é uma composição arquitetônica de cunho coercitivo e disciplinatório: possui o formato de um anel onde fica a construção à periferia, dividida em celas tendo ao centro uma torre com duas vastas janelas que se abrem ao seu interior e outra única para o exterior permitindo que a luz atravesse a cela de lado...” (Michel Foucault – Microfísica do Poder)

Nenhum comentário: