quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Iniciando 2010: sobre as ocupações de favelas na Zona Sul do Rio de Janeiro...

“Tá tudo dominado!” (brado do traficante Fernandinho Beira-Mar depois de assassinar desafetos e incinerar seus corpos dentro do Presídio de Segurança Máxima Bangu I):

“ Revista Época – 12/09/2002

Beira-Mar comemora: ‘Tá dominado’
“Tá dominado, está tudo dominado”. Com um refrão do funk, sucesso do grupo do Bonde do Tigrão, o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, comemorou ontem a morte de seus arquiinimigos do tráfico durante a rebelião, comandada por ele, no presídio de segurança máxima Bangu I. A comemoração foi revelada em uma ligação de Beira-Mar para um comparsa não identificado, interceptada pelo Ministério Público, por meio de escuta telefônica autorizada pela Justiça.
Na ligação, o homem não identificado pergunta a Beira-Mar se eles (referindo-se também ao traficante Chapolim) estão bem. É possível ouvir a voz de Chapolim, braço direito do bandido e também preso em Bangu I, ao fundo. Beira-Mar repete:
– Aqui tá tudo bem – disse, soltando uma gargalhada em seguida, acompanhado de Chapolim.
O interlocutor também ri e Beira-Mar repete:
– Aqui tá tudo bem. Tá dominado, está tudo dominado – disse, encerrando a ligação às gargalhadas.”


Ocupações... Unidades de Polícia Pacificadora... Tudo bem, o assunto não pode ser outro, é o epicentro da segurança pública no RJ, locomotiva enfeitada e barulhenta a puxar muitos vagões silenciosos e invisíveis!... É compreensível o clamor positivo da mídia com as ocupações (Unidades de Polícia Pacificadora – UPP) de favelas da Zona Sul pela PMERJ. No fim de contas, é lá ou na emergente Barra da Tijuca que residem os ricaços e os formadores de opinião, não apenas do Rio de Janeiro, mas de todo o país. É bom que assim se afirme para que no futuro ninguém tente tangenciar quando o povo favelado da periferia reclamar para si igual privilégio, se isto for possível, porque os traficantes, como não podem ocupar dois lugares ao mesmo tempo e se retiraram da região ocupada, para algum novo homizio eles se dirigiram. Em Niterói e São Gonçalo já se observa a presença deles, nem é preciso serviço de inteligência para confirmar. Nos bairros que frequento as pessoas falam à surda sobre esses indesejados visitantes.
Por enquanto os traficantes que bateram em retirada têm onde se acomodar, suas facções lhes garantem acolhida provisória. Mas chegará o momento da cisão entre eles e as guerras eclodirão em muitos pontos do Grande Rio. Não é necessário ser profeta para antever o perigo que se potencializa nesse jogo de empurra. A modesta experiência que temos e a observação diária da mídia garantem-nos a razoável certeza de que o caldeirão tenderá a ferver em outros pontos e a tampa explodirá. Porque não há como encher um copo com apenas uma gota d’água. O alegórico copo representa as mais de seiscentas favelas somente na Capital; a gota d’água é a PMERJ. E ainda não inventaram nenhuma engenhoca para esticar a gota d’água...
Não posso evitar esta minha visão realista (ou pessimista). Primeiramente porque não engulo a isca da prioridade de escolha. Fosse por “índices de criminalidade”, bastaria atentar para algumas pesquisas acadêmicas (vide as promovidas ou incentivadas por Alba Zaluar) para se concluir que a Zona Norte é bem mais turbulenta que a Zona Sul em todas as modalidades de crime, sublinhando-se os crimes de tráfico e sangue, dentre outros. Portanto, resta a constatação de que a escolha da Zona Sul se deu por circunstâncias político-econômico-financeiras. Tudo bem. A causa pode ser justa, mas eu particularmente duvido dessas alardeadas boas intenções políticas. Para mim, trata-se de esperteza pura dos atuais mandatários com vistas ao atendimento de interesses tão convergentes como inconfessos: os moradores da Zona Sul são donos da mídia e serão economicamente beneficiados em seus negócios diretos ou indiretos. Tudo, com efeito, converge para o sucesso financeiro. Daí a badalação descarada das ocupações, a ponto de um grande jornal arremedar em empolgação o traficante Fernandinho Beira-Mar.
Na verdade, a única coisa que me convence, e não é de hoje, é o fato de que a PMERJ tem competência para vencer o tráfico e ocupar quaisquer favelas. No fim de contas, até as milícias provaram tal capacidade! Seria vergonhoso se um grupo aleatório conseguisse ocupar e se manter indefinidamente numa favela, expulsando os traficantes, e a PMERJ não lograsse idêntico êxito. A ação policial-militar de ocupação é nota DEZ! A questão a que me prendo, porém, é a do limite espacial do copo e da única gota d’água a tentar enchê-lo, e aí a coisa se complica porque não há de haver água (efetivo) suficiente para encher e manter cheio o copo (as favelas do RJ). Em dando certo, e há todo um contexto favorável ao êxito das ações pacificadoras num número mínimo de comunidades faveladas, as demais comunidades dominadas pelo tráfico terão o direito de exigir o mesmo. Só que não o farão: a lei do silêncio determinada pelo tráfico não lhes permitirá tão tamanhona audácia. Deste modo, haverá o conformismo, pondo-se os traficantes a serviço dos mandatários políticos, paradoxalmente lhes garantindo a resignação dos favelados esquecidos pelo programa pacificador até agora somente destinado (Claro! Claríssimo!) à elite capitalista.
O governo irá, sim, determinar a ocupação de algumas favelas periféricas. O estardalhaço midiático, de um lado, garantirá a retumbante generalização do isolado benefício, como, aliás, ocorre com aqueles prêmios televisivos e demais jogos de azar... Do outro lado estarão os traficantes silenciando os moradores de locais não ocupados. Enfim, plano perfeito, golpe de mestre, puro engodo com vistas às próximas eleições e aos bilionários eventos mundiais que estão por vir. Ora bem, de minha parte quero desde já evidenciar que não sou peixe otário para morder essa isca artificiosamente fabricada em alumínio multicolor imitando manjuba, minhoca ou sardinha... Avisando que insistirei no assunto. Nada demais. Afinal, é o tema da moda, e cabe aos integrantes da blogosfera policial comentar sobre a novidade com base em experiência acumulada, de modo que a opinião pública não se limite à falsa opinião publicada. Esta, como sempre, rende homenagens aos esforços governamentais que lhes trazem lucros, embora esses esforços sejam pagos pelos contribuintes, que ainda compram jornais, ouvem rádio e veem tevê diariamente, facilitando assim a impregnação que interessa aos manipuladores da (in)consciência coletiva.

2 comentários:

Paulo Ricardo Paúl disse...

Prezado Larangeiras, perfeito.
A leitura dos seus artigos nos conduz por caminhos agradáveis que passam pela correção e pela análise técnica sempre fundamentada adequadamente.
SEm pedir licença, vou copiar e colar no meu blog e tenho certeza que estarei prestando um grande serviço aos meus leitores.
Parabéns.
Juntos Somos Fortes!

Emir Larangeira disse...

Prezado amigo Cel Paúl

Sinto-me honrado com a sua distinção.
Muito obrigado e Feliz Ano Novo!