segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sobre a ocupação de 37 favelas na cidade do Rio de Janeiro.




O anúncio de um plano governamental para a ocupação de 37 favelas da cidade do Rio de Janeiro é alvissareiro, de um lado, e terrivelmente preocupante, do outro. As razões da preocupação procedem por uma série de fatores, em especial aqueles que não permitem a visualização da ação governamental em comparação com o real efetivo da PM por habitante, e o número de PM existente em cada Município (são 92, contando com a Capital). Também não se sabe com exatidão o número de favelas em cada Município e quais são, dentre elas, as dominadas pelo tráfico; só na Capital, talvez mais de 600 favelas.
A estrutura operacional da PMERJ obedece a um modelo fixo a partir de instalações físicas destinadas a acolher efetivos espalhados pelos quatro cantos do território estadual. Há Regimentos, Batalhões Operacionais e Especiais, Núcleos de Batalhões Operacionais, Companhias Independentes, Companhias Orgânicas de Batalhões Operacionais, Destacamentos de Policiamento Ostensivo em locais de difícil irradiação do policiamento devido à distância e ao isolamento, Postos de Policiamento Comunitário, Cabines etc.
Os Batalhões Especiais se prestam a serviços específicos, geralmente com circunscrição estadual (BPRv, BPFMA, BPCh, BPTran, BOPE, BPTur, etc.). Há ainda a Cia do Palácio, os Hospitais e as Policlínicas, o Centro de Formação de Praças, a Academia de Formação de Oficiais, o Colégio da PM, os Comandos de Área etc., todos a consumir efetivos.
Depois de conhecidos esses dados, sobreleva saber quantos policiais militares prontos para o serviço operacional existem em cada estrutura da atividade-fim e qual é o efetivo consumido pela atividade-meio; demais disso, quantos estão licenciados por motivos diversos (férias, licenças-prêmios, doenças etc.). A partir daí, necessita-se saber quantos são os policiais militares empenhados pelos diversos tipos e formas de policiamento e quais são suas escalas de serviço. Depois de todas essas e outras contas, finalmente saberemos que efetivo realmente sobra para a nova atividade operacional.
Enfim, somente depois de eliminar do efetivo esses componentes imprescindíveis em razão do funcionamento normal da corporação para manter a ordem pública, – destinada a todos os cidadãos brasileiros residentes ou em trânsito no território estadual, – somente depois dessa conta é que se saberá de onde sairão os efetivos da ocupação, sendo certo que as novas fornadas não podem ser direcionadas unicamente para essa finalidade porque a reposição global dos efetivos também depende de novos PMs. Portanto, se todos os novos forem empregados em ocupações, haverá carência de policiamento em outras áreas de interesse da população.
Quanto às ocupações, elas são, sem dúvida, indispensáveis, porque é a única forma de atender preventivamente a essas populações concentradas em favelas dominadas pelo tráfico, e que por isso só conhecem a repressão dos confrontos e suas nefastas consequências. Entretanto, o anúncio da ocupação de 37 favelas, sem antes indicar de onde sairão esses efetivos, é concomitantemente prenúncio de desproteção de outras regiões estaduais. Portanto, há de se saber qual foi o critério de escolha das favelas, já que não priorizaram lugares notoriamente mais problemáticos, como o Complexo do Alemão, composto por 12 favelas. O exemplo basta. Assim indago porque me parece, à vista das mínimas informações noticiadas, que a escolha das 37 favelas foi feita por bairro, embora em alguns casos o plano atinja complexos favelizados menores e menos problemáticos que a favela da Rocinha, por exemplo.
Não fica muito claro se o objetivo da ocupação haja sido traçado em função das facções criminosas existentes nesses lugares e tendentes a conflitos internos entre traficantes cujo transtorno à ordem pública não se discute. Mas, e o mesmo tipo de possibilidade que existe em outros Municípios? Como ficam esses Municípios? E as migrações de marginais expulsos (rotas de fuga)? Para onde eles irão? Quem são eles? De que facções?... Porque é certo que eles não deixarão o crime nem se renderão facilmente depondo armas. Aliás, o anúncio em si já deve estar produzindo a “diáspora” dos traficantes pelo território estadual...
Não discuto as táticas e técnicas elaboradas para acertar as ocupações. Confio que a PMERJ é competente para tal desiderato. A questão que me intriga é a da seletividade do uso da força ante o problema global (permanente) e específico (permanente ou não). Aqui eu estaco na dúvida, que se poderia resumir à história de sempre: a do cobertor curto... Porque a evolução do que chamamos “recompletamento” do efetivo não me parece equivalente ao grandioso problema da criminalidade do tráfico fisicamente instalado em milhares de favelas nem à evasão do efetivo por diversos motivos. Os facínoras dominam as favelas, disputam-nas com rivais e ainda conseguem inibir a força policial (PEMERJ e PCERJ) mantendo seus territórios mesmo enfrentando algumas baixas (prisões e mortes).
É evidente que os meios estaduais (materiais e humanos) demonstram-se há muito tempo insuficientes para controlar o avanço do crime organizado. Se não bastasse, a audácia dos marginais já alcança as raias da guerrilha urbana, com tocaias e matanças de policiais no asfalto. Ou seja, eles se mantêm impunes e imunes na favela e no asfalto; atuam mediante métodos e táticas militares, estão armados ao modo de um exército em zona de guerra (Teatro de Operações), mas são tratados como detentores de direitos constitucionais mesmo sendo bandidos ferozes e sem freios ante as leis vigentes no país. O anúncio recente do maior rigor penal para conter “grandes traficantes” de pouco valerá num quadro situacional desses. Pior ainda será entender o conceito de “pequeno traficante” nessa nova conjuntura, a não ser por sua altura, como já insinuou um parlamentar em Brasília...
Minha linguagem pessimista, todavia, rende-se à ideia maior da comprovação de que ocupar favelas dominadas pelo tráfico, libertando-as, é possível. E se é possível, será que finalmente os recursos para a ampliação do modelo operacional da ocupação virão de roldão?... Supondo otimistamente que sim, não se há de descartar, porém, as reações “ideológicas” de segmentos da imprensa, sob a alegação de que se trocou um déspota (Poder Marginal) por outro (Poder Público). Como toda máquina sofre desgaste, como todo sistema está sujeito ao processo entrópico, até que ponto o Poder Público garantirá a homeostasia a preservar, renovar e ampliar o sistema ocupacional? Fico por aqui torcendo pelo sucesso do plano e me mantendo numa incerteza que só será vencida pelo tempo. Enfim, o tempo dirá se minhas preocupações são ou não válidas...
Há, também, que se considerar o fato de a ocupação afastar os traficantes, mas nem por isso transformará os locais em “oásis”, em “paraísos sem crimes”. Não. É claro que muitos delitos menores se farão presentes e a tropa de ocupação deverá coibi-los, o que exterminará de pronto esse romantismo da ocupação e da perfeita integração favelado-polícia. Nem se pode garantir que pequenos focos de tráfico não permaneçam ativos e ocultos, além de outras modalidades de crime, incluindo-se a hipótese de interações inconfessáveis entre policiais e marginais no transcurso do tempo. Porque, enfim, a comunidade favelada e a tropa de ocupação não são feitas de santos e anjos... Como eu antes alertei, o tempo dirá... Eis que diz já agora, conforme denuncia o jornal O Globo de hoje, 09 de novembro de 2009...

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