quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Entrevista por grupo de estudantes de Comunicação Social (Cinema) da Universidade de Viçosa, Minas Gerais.

Marcadores: BOPE, corrupção, Dia de Treinamento, emir larangeira, estereótipo, herói, honestidade, manipulação, policial, polêmica, segurança pública, Tropa de Elite, vilão, violência Links para esta postagem (http://www.profissaoemcena.blogspot.com/).

Policiais no cinema: entre a honestidade e a corrupção

Postado por Profissão em cena, terça-feira, 3 de novembro de 2009.

Em meio às estantes da locadora, a seção de filmes policiais tem lugar cativo. Tiros, ação, violência... E geralmente com o personagem que dá nome ao gênero: o policial.

Esses personagens andam por um terreno perigoso. Muitos seguem o caminho da honestidade. Outros tantos vão para o lado inverso, o da corrupção. Os policias são tipos ideais para tramas que requerem uma boa dose de ação.

Recentemente, o brasileiro Tropa de Elite ganhou destaque na mídia e entre a própria população. O filme retrata o trabalho do Batalhão de Operações Especiais, o BOPE. A dura rotina dos policiais exposta no filme gerou discussões e polêmicas.Capitão Nascimento, vivido por Wagner Moura, é um policial considerado honesto, que decide sair do batalhão. Para isso, deve achar um substituto adequado.

Essa temática não é nova. Treinamentos policiais estão entre os filões preferidos desses filmes. Em 2002, Denzel Washington arrebatou o Oscar de Melhor ator por sua atuação no filme Dia de Treinamento (Training Day, 2001). Na história, Washington é Alonzo Harris, policial responsável pelo treinamento do jovem Jake Hoyt, personagem de Ethan Hawke. Nesse caso, o veterano Harris caiu no mundo da corrupção.

O mundo é feito de heróis e vilões

Postado por Profissão em cena, quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Para complementar o assunto dessa semana – a imagem do policial disseminada pelo cinema – o Profissão em cena entrevistou um ex-policial militar que nos mostra a visão do profissional a respeito dos estereótipos presentes nos filmes.

Emir Larangeira trabalhou como policial no estado do Rio de Janeiro por 25 anos. Em 1990, foi eleito deputado estadual. Hoje, é escritor de ficção e um verdadeiro polêmico em questões relativas à segurança pública.

Confira o que ele falou a respeito de honestidade, corrupção e violência no universo policial.

Titina Cardoso


1. O senhor, que já foi policial militar e conviveu com colegas policiais, acha que eles se dividem em honestos e corruptos como é mostrado nos filmes?

R.: Creio que o mundo é feito de contrastes, de sim e não, de herói e vilão. O policial oscila entre um e outro, mas o estereótipo é inegável, e não se trata do Brasil nem de época. Só como exemplo, no caso do PM, ou, como era no passado, mais nitidamente, no caso do “soldado de polícia”, o preconceito é duplo. Como os exércitos sempre sustentaram o poder dos mandatários (reis, czares, imperadores, ditadores etc.), a figura do militar não costuma ser bem-vinda, exceto quando ele defende a pátria contra agressões estrangeiras. Assim, de um lado o soldado é amigo; do outro, é inimigo. Eis o contraste. Portanto, acho normal que exista o policial honesto e o policial corrupto, sendo certo que o inusitado é o que gera a notícia. A sociedade e os cidadãos esperam que o policial seja honesto. Quando ele assim procede, torna-se “invisível”; mas se ele erra ou se corrompe, a notícia corre como praga. Também ocorre com as demais profissões. A diferença é que quando um médico erra no diagnóstico, por exemplo, o erro é somente dele, não é da classe médica. Quando um policial erra ou se corrompe, o erro é dele e da instituição. Pior é que ela, a instituição, no afã de salvar sua imagem, faz questão de anunciar o seu “lado punitivo”, esquecendo-se de divulgar os bons serviços que ocorrem concomitantemente com os erros.
O policial, independentemente de ser ou não corrupto, costuma ser ridicularizado. Quem é policial useiro e vezeiro em dizer que só gostam dele os familiares e seus amigos. Estamos, pois, diante de uma relação de causa-efeito dependente de quem decide: o cineasta, o autor, o produtor etc. Se a população trata mal o seu policial, ele reage maltratando-a. Em Los Angeles, o cinema mudou o comportamento do policial. Houve um tempo em que a polícia de Los Angeles era considerada totalmente corrupta e violenta. Alguns cineastas apostaram no “policial herói” e produziram seriados nesse sentido. A polícia se transformou e se tornou excelente aos olhos do povo, e o policial real, sentindo-se o herói do filme, passou a olhar o cidadão como um ente a ser protegido. Mudança radical para melhor, graças ao cinema.

2. O senhor acha que o cinema criou essas figuras policiais antagônicas ou ele se apropriou da realidade para criar seus personagens?

R.:
Creio que as duas situações contidas na pergunta são válidas. Tanto o filme pode contribuir para melhorar como para piorar o policial real. Se você assiste a um filme mostrando o policial-herói, você sai do cinema e pode até olhar um policial na rua com carinho. Ele, por sua vez, percebendo a cordialidade, poderá retribuí-la. Ou não... Mas uma coisa é certa: se você se impressiona negativamente por conta do personagem “antagônico”, sua tendência é a de olhar o policial real com rancor ou desconfiança. E receberá, com certeza, tratamento equivalente, ou seja, ruim. Portanto, não sei dizer se o cinema se apropria da realidade ou introjeta no público espectador uma falsa realidade. Há erros médicos? Sim. Mas se o cinema só introjetar no espírito dos cinéfilos a imagem do médico ruim, poderá produzir um efeito perverso em determinada comunidade, que passará a achar que todos os médicos são ruins. Creio, portanto, que as duas situações são passíveis de serem verdadeiras. A questão é a medida certa das coisas. Que objetivo tem o cinema? Entreter as pessoas ou criar ideologias?... Só quem poderá responder à pergunta é um cineasta em determinado momento de sua decisão de produzir um filme para gerar tal ou qual efeito no espírito do seu público-alvo. A manipulação da comunicação é real. Como dizia o tenebroso ministro da propaganda nazista, Goebbels: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade.”

3. No filme Dia de Treinamento (Training Day, 2001, EUA), um policial novato e correto é treinado por um veterano desonesto. O senhor acredita que pessoas íntegras podem ser corrompidas ao longo dos anos de trabalho na polícia?

R.: Vi o filme. Excelente, por sinal. O que nele ocorre, extraídos os exageros, pode ser reproduzido na realidade. Trata-se de uma complicada relação de micropoderes antagônicos. Se você atentar para uma parte do meu romance O Espião, quando eu falo dos “grupos psicológicos” denuncio exatamente o que sugere o filme. Claro que com roupagem diferente, mas a essência é a mesma. O ambiente corrompe, sim. Besteira negar isto. Pode nem ser a regra, mas a pressão do poder de retaliar dos mais antigos ou dos numericamente superiores sobre um (ainda mais um novato) poderá levar esse um a se corromper até para salvar a pele. Quem defende o contrário, na minha ótica, é falacioso. Claro que as motivações são inúmeras, mas a principal reside no dizer de Machado de Assis (“A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito.” – Esaú e Jacó), pois a sociedade é que forja o futuro policial. Ele é o fruto podre da mesma árvore que gerou os demais frutos não-policiais que ingressam na polícia já apodrecidos. O poder, por sua vez, é invariável e indefectivelmente corrupto, ontem hoje e amanhã, aqui e algures. E a sociedade, geralmente conformada, assiste passivamente aos enriquecimentos ilícitos em tudo que é segmento social.

4. O filme Tropa de Elite foi um grande sucesso e deixou boa parte do público maravilhada perante a violência do BOPE em nome da justiça. Pelo pouco que li de suas opiniões, vi que o senhor é favorável às ações do BOPE. O senhor acredita que o filme retratou fielmente as ações do batalhão? O senhor não acha que a polícia exagera em alguns momentos?

R.: Exagera sim! Mas o povo estimula, a imprensa aplaude e o cinema lucra. O BOPE é treinado para a guerra, para eliminar o “inimigo”. Aqui no RJ, a criminalidade é calamitosa. A mortalidade entre os policiais é absurda. Claro que a reação não pode ser diferente do que se enfrenta. Para mim, malfeitor não é cidadão e não deve ser tratado como tal. Não defendo a violência, mas ela aqui se faz necessária. O BOPE não exagera. Apenas entra na escaramuça para vencer. E faz bem. Não aceito, por exemplo, que um médico morra gratuitamente, como ocorreu nesta semana no Rio, porque foi assaltado ao chegar ao seu prédio residencial com a sua moto BMW. Não reagiu ao assalto, mesmo assim perdeu a vida. Pode isso? Por mim, desculpe-me a franqueza, o bandido tem que se danar, para o bem da sociedade ordeira. Solicito, para defender o meu ponto de vista efetivamente radical, a verificação do que sugere Rousseau no seu Contrato Social a respeito do “malfeitor”.
Agora trato do reparo: o filme não retrata a atuação do BOPE na realidade. O filme é um desserviço ao BOPE. Nenhuma ação do BOPE em favela ocorre do modo como o filme projeta. Mas o livro gerador do filme é catalogado como ficção literária (importante detalhe pouco observado). Por isso vejo o filme como resultante de ficção e, portanto, igualmente ficção. Não é real e não está catalogado como realidade. No caso do filme, não é a polícia que exagera, mas as cenas é que estão exageradas. Nada demais. Os enlatados norte-americanos são milhões de vezes mais exagerados e ninguém se incomoda.

5. O senhor acha que a estereotipificação negativa da profissão pelo cinema levou a uma perda da imagem heróica do policial? As pessoas continuam acreditando no trabalho da polícia?

R.: Não creio que o cinema seja o vilão da história. Para mim, a mídia impressa, radiofônica e televisiva responde pela má imagem da polícia no Brasil, embora o nosso modelo seja realmente péssimo, ultrapassado, anacrônico, terrível. Mas a mídia não pressiona a classe política para mudar o sistema de segurança pública pátrio. Prefere o quanto pior, melhor. Claro que um sistema erroneamente estruturado em relação aos seus fins tende a não alcançá-los eficazmente. Não há nenhuma eficiência nem eficácia no “sistema de segurança pública” ou “sistema de justiça criminal”, como alguns estudiosos do ramo preferem. Entenda-se como sistema, no mínimo, a sinergia entre Polícia, Bombeiros, DETRAN, Ministério Público, Justiça Criminal, Defensoria Pública, Sistema Carcerário, leis Penais etc. Não há aqui sinergia nem interação que mereça o título de “sistema”. Ora, como falar bem de algo que funciona mal e perde a batalha contra o crime? Como elogiar estruturas arcaicas e presas a tradições e ao poder como um fim em si mesmo? Ora! Não há como elogiar o atual sistema. Mas a crítica deveria ser no sentido de sua mudança estrutural. Deixar assim é ótimo para vender jornais e conquistar audiência, mas péssimo para a sociedade. As pessoas não acreditam no trabalho da polícia porque ele é insuficiente, ruim, derrotado, mesmo, ante a criminalidade crescente e violenta. As pessoas formam um coral negativista com a mídia (sensacionalista, ao modo “Cidadão Kane”), em vez de questionar mais profundamente o falho sistema. Todos estão no continente da questão, mas a criminalidade já afetou o seu conteúdo. Quem paga o pato, ao fim e ao cabo, é o povo, e não a polícia. Creio, portanto, que o cinema represente o menor mal. Não é o vilão dessa triste história...

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