segunda-feira, 28 de setembro de 2009

E se o tiro sai pela culatra?


Quem tem boa memória não se esqueceu dos vitupérios governamentais contra alguns PMs que falharam em ações isoladas, vociferações, aliás, que repercutiram negativamente no ânimo geral da tropa. Por coincidência, a mais grave das ações desastrosas (a trágica morte de uma criança) deu-se com PMs do mesmo batalhão aplaudido na última semana devido a sua precisa intervenção em assalto com refém, desta vez, porém, intervindo o próprio comandante, um tenente-coronel PM bopeano, com o concurso de outros oficiais e praças e do atirador de escol a desferir o tiro fatal contra o meliante.
O bandido pagou com a morte a audácia de atentar contra a vida alheia. Aplausos, sim!... Mas é de se imaginar como estaria hoje a opinião pública se o tiro atingisse pessoa errada, no caso a vítima, como ocorreu no malfadado episódio do ônibus 174; ou então matasse o bandido, mas ferindo de morte algum transeunte ou mesmo um PM, já que a bala não se alojou na cabeça do atingido e seguiu seu rumo furando inclusive um portão.
Muito bem, houve a precisão, mas também a sorte de a história acontecer numa área em que o comandante é “Caveira” e trazia em suas algibeiras o atirador de escol e seu tiro salvador da refém e da pátria. Ah, se ele erra!... Ah, se a granada explode!... Por essa hora, os vitupérios já estariam sendo vociferados por todas as bocas governamentais e midiáticas; cabeças já teriam rolado e o tempo estaria fervente numa semana em que até futricas sobre a saída do novo comandante-geral o obrigou a desmenti-las publicamente. Portanto, – e como gato escaldado tem medo de água fria, – prefiro relevar a reação governamental meio frustrada e mui forçosamente “isenta”. O resultado talvez lhe haja sido decepcionante. Esvaziou seu indefectível e eloquente discurso crítico; não lhe permitiu vociferar decorados vitupérios como rajada de metralhadora a se abater sobre uma tropa que ele, na verdade, demonstra bem mais odiar que amar. A recíproca lhe é verdadeira!...

Eis o que me faz pensar no outro lado da moeda: na falha que não houve. Talvez porque, desta feita, a decisão estava com a pessoa certa, em momento e lugar ideais, o que nem sempre acontece. E se ocorresse em lugar errado e tivesse à frente um comandante nem tão experimentado como o insigne tenente-coronel do 6º BPM? E se não houvesse nenhum atirador de escol ou se ele errasse o tiro? E se tudo acontecesse apenas em presença de guarnição normal de rua, sem tempo para acionar o dispositivo que se viu no caso em questão?...
É claro que a tecnicamente perfeita e sortuda ação policial merece a suíte que a mídia propõe. Não morreu nenhuma criança; a empresária safou-se íntegra. Enfim, o inverso do que houve ali por perto em tempos recentes: uma tragédia para a família da criança absurdamente morta e para a família dos azarados (ou assustados, ou despreparados) PMs que a mataram em erro de avaliação drástico. Supondo-se que estavam despreparados, de quem é a culpa?... Supondo-se que estavam assustados, de quem á a culpa?... Quanto ao azar... Bem, talvez o azar tenha sido o de abraçar profissão errada ou mal treinada... Porque é certo que não se faz um atirador de escol da noite para o dia, nem se faz um atirador comum do dia para a noite; em ambos os casos, o treinamento há de ser sistemático. Será que é assim durante a carreira do PM? A resposta é não!
Os rigores da profissão são extremos. Não há tempo disponível para o treino sistemático ou para a reciclagem periódica. Não há força de reserva, esta que poderia ser submetida à treinagem em rodízio permanente da tropa. A verdade é que não há tempo nem para os PMs cuidarem da saúde. Os hospitais da corporação andam lotados de inativos precocemente adoentados e de poucos ativos que só comparecem feridos à bala ou por acidentes de carro. Afora esses casos extremos, PM que se preza não dá com seus costados em hospitais ou policlínicas; não lhe há tempo para essas “futilidades”, o serviço e o bico o esperam. A falta de tempo do PM é de tal monta que o atual comandante-geral vem encetando louvável esforço para, pelo menos, permitir-lhe cumprir seus cursos de confirmação de divisa e outros essenciais à carreira. Tudo às pressas...
O passado mal administrado sobrepesa o presente, sim, mas “o tempo não para”, como disse o poeta-cantor. Daí é que uma nova fornada de recrutas ingressa esta semana no CEFAP, em repetição da miraculosa solução a sugerir um novo rebanho destinado ao sacrifício tal como o cordeiro ou o filho de Abraão: mais policiamento nas ruas... Bom momento para algum pesquisador individualizar os jovens voluntários e acompanhar uns cinco anos de suas carreiras, observando cada descarte e seus motivos. E providenciar o mesmo em fornadas seguintes. Qual será a conclusão ao fim e ao cabo? Ah, isto não interessa à sociedade! Muito menos à instituição, porque talvez aí esteja a raiz do problema, ou seja, um presente idêntico ao passado e sugerindo um mesmo futuro, sempre, é claro, dependente das ironias do destino...

Um comentário:

Rose Mary M. Prado disse...

O fio entre herói e vilão é muito tênue!
Ao ver a libertação da refém, as vidas intactas do comandante e seu subordinado que negociavam com o bandido e o final feliz, me senti extremamente orgulhosa de morar na Tijuca, do meu batalhão e dois dois "caveiras"!
Nem todos da sociedade estão deixando de se importar com os policiais recém ingressados e com toda a tropa,já que para tudo há exceções, como esta aqui que vos fala, que acompanha sempre tudo o que acontece na polícia e o que passam os policiais no seu dia-a -dia, seus anseios e sua angústias!Torcendo sempre e fazendo o que posso para estar ao lado daqueles que são íntegros, tem sangue azul nas veias e merecem respeito, agradecimento e apoio...
Abs,

Rose