Há muitos discursos acadêmicos e jornalísticos sobre a violência armada, por vezes tão intensos que nos induzem a ignorar outras formas de violência que permeiam a tessitura social como praga incontrolável. Bastaria aqui, talvez, citar os acidentes de trânsito e o mau atendimento médico-hospitalar como males crônicos e agudos. Mas, sem dúvida, são os confrontos bélicos que se destacam entre as muitas formas de violência urbana e rural, com menor destaque para o segundo caso (rural) em comparação ao primeiro (pelo menos em tese).
Analisar a violência armada nos obriga a centrar o seu foco em duas variáveis, que ora podem ser antecedentes, intervenientes ou causais: o tráfico de drogas e o contrabando de armas e munição. Por conta desses dois rentáveis negócios ilícitos, muitos crimes de sangue acontecem. São, porém, efeitos de crimes vários, com características de fraude, praticados por meio da distribuição de drogas e armas ligada a uma rede criminosa multinacional que começa nas fábricas de artefatos bélicos e na fabricação de drogas sintéticas em países industrializados, demais do plantio de matéria-prima em países habitados por cocaleiros e cultivadores de plantas afins. A justificativa desses países é a fome da população, que não pode ser vencida de outra forma. Se a moda pega... Em alguns casos, até já pegou no quintal tupiniquim...
Provado está que não é possível eliminar as causas. Erradicar o tráfico de drogas e o contrabando de armas não depende somente de recursos governamentais. A prática tem comprovado serem eles ineficientes e ineficazes e os crimes de fraude e sangue conexos àqueles dois destacados como foco só aumentam em extensão e profundidade.
Trata-se de grave perturbação da ordem pública a exigir medidas drásticas de exceção legal (Estado de Defesa, no mínimo), possibilidade, todavia, que deve ser descartada no momento político do país. Pois nenhum governante dependente de voto se arriscará a decretar um regime de exceção legal, mesmo que restrito a algumas poucas áreas conflagradas. E são muitas; são as favelas do Rio de Janeiro e de cidades periféricas do Grande Rio, para não nos estendermos em avaliações de outros centros urbanos.
No Rio de Janeiro, há mais de 600 favelas submetidas ao terror do tráfico. Nelas, os confrontos entre bandidos em tentativas de dominação de novos pontos de venda são constantes. A eles acrescem os confrontos entre bandidos e policiais nesses territórios conflagrados. E agora se destaca o fenômeno das milícias, que invadem territórios em sangrentas escaramuças com traficantes e se instalam como novos dominadores; e, como já o fazem os traficantes, ocupam o asfalto em estilo de máfia siciliana a cobrar ágios e pedágios em troca da segurança que promovem pelo uso da força, atributo legalmente restrito ao Estado. Se antes havia a configuração da grave perturbação da ordem pública, mais evidente ela está atualmente: o monopólio do uso da força escapuliu do controle estatal: não pertence ao Estado-membro nem à União ou aos Municípios com suas permissões, proibições e fiscalizações preventivas, demais da repressão às ilicitudes menores ou maiores com os meios normais de que dispõem.
Difícil, portanto, é delimitar a origem do problema num país de dimensões continentais e com carência de meios, sem falar da corrupção que grassa como calamidade em tudo que é canto. A mais grave delas, integrada à nossa cultura corrupta, chega ao cúmulo de pessoas desviarem donativos destinados a flagelados para lucrar; ou então surrupiarem com o mesmo fim escuso os recursos da bolsa-família, de modo que é mais fácil chegar às crianças uma arma de fogo do que o pão. Num país assim, a tendência é a do aumento da violência armada em todos os seus matizes e texturas. E o resultado não poderia ser outro: aumento do número de vítimas fatais, de tal modo que supera o de muitos conflitos bélicos assim tipificados pela Convenção de Genebra.
Fosse a violência armada assumida pelo Brasil como conflito bélico, tornar-se-ia fatível a ajuda prescrita em tratados internacionais? Supondo-se que sim, é decisão politicamente complexa, se se considerar o momento de transição política por que passa o país em direção à tão sonhada e mui distante democracia. Enquanto isso, que o povo se acostume a sofrer com a violência, opção legitimada pelo voto popular a escolher governantes. E tem de ser assim até que se consolide irreversivelmente a grave perturbação da ordem pública como calamidade a confirmar a máxima de Erich Fromm: “A calamidade é ruim para o povo, mas boa para a sociedade.” Ou então a violência armada ingressará num processo entrópico por sua própria conta, o que faz lembrar o estadunidense Marshall Berman: “Tudo que é sólido desmancha no ar.” Será?...
Muito bem, creio mais na premissa do psicólogo alemão e nos exemplos de superação de sociedades arrasadas por catástrofes, como, aliás, ocorreu com a Alemanha, que se sorgueu quase que miraculosamente após a Segunda Guerra Mundial graças ao estupendo empenho do povo liderado por Konrad Adenauer; ou o grande incêndio de São Francisco (EUA); ou o Japão das cidades atingidas pora bombas atômicas (Hiroshima e Nagasaki) e tantas outras tragédias que despertaram as sociedades do pânico e da apatia e as transformaram em forças vivas e maiores que seus Estados.
No caso brasileiro, a sociedade precisa vencer sua tendência clientelista, permissiva e conformista ante um Estado paternalista, demasiadamente interventivo e cobrador de altos impostos, para dar lugar a uma sociedade progressista e indignada contra a corrupção envolvendo milhões de reais enfiados nas algibeiras dos altos escalões, mas cobrada tão-somente do malfadado guarda da esquina a abocanhar indevidamente seus dez reais de motoristas com CNH vencida e pneus carecas no carro. Com os primeiros, nada ocorre; com o segundo, é demissão sumária, e aí temos mais um ex-agente público a engrossar o contingente de milicianos, e, ao que parece, única maneira de a sólida violência “desmanchar no ar”, o que me impõe a novamente indagar: Será?...
4 comentários:
caro amigo Larangeira,
Leitor assíduo do teu blog fiquei muito feliz ao ler a matéria postada hoje.
infelizmente estamos vivenciando tal estado de violência e criminalidade que as soluções para tão premente questão ficam cada vez mais distantes.
Mais uma vez parabéns pela clarividência das tuas idéias, que os governantes insistem em ignorar.
"o pior cego é aquele que não quer ver".
Um abraço fraterno do
TC FONTES
PARABÉNS PELA POSTAGEM, CONCORDO PLENAMENTE.
ACORDA BRASIL!
ABRAÇO.
http://papodepm.blogspot.com/
Ao TC Fontes
Prezado amigo
Obrigado pelo incentivo. É bom saber que pessoas interessadas pelo destino da corporação não se desligam.
Um afetuoso abraço do amigo de sempre.
Emir
Caro Sandro
Obrigado pelo incentivo!
Abraços
Emir
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