quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sobre os críticos anônimos (úteis e inúteis)

O vidraceiro de ideias


Expor ideias é como fabricar vitrais para apresentá-los aos olhares críticos dos outros. Não somente aos olhos, que seria deveras bom, mas às pedras que alguns trazem e aos seus estilingues. Cada texto é um vidro, que pode ser transparente ou opaco, fino ou grosso. Se a espessura for demasiadamente fina, basta uma pedrinha a pouca velocidade e lá se vai o vidro a espatifar-se; se for grossa, exigirá pedrada mais forte, nem tão possível de ser bem-sucedida. Mas nem sempre vidros grossos e opacos permitem a visibilidade necessária. Seja o vidro grosso ou opaco, duas atitudes indistintas se podem gerar no observador: medo ou curiosidade. Em ambas, porém, a pedrada é certa. Portanto, a idéia não há de ser como vidro opaco nem grosso...
Nesta ordem de relevância, o vitral seria o texto primoroso: a obra de arte. Nem assim, contudo, estará livre de pedradas. Pode ser até que sofra mais que o vidro transparente ou opaco ou grosso. Seria o texto erudito e tão espesso que nele não se poderia facilmente penetrar e compreendê-lo; ou seria o texto empolado, com a sua superfície aparentando ser o que não é. Nos dois casos, a ininteligibilidade da idéia a faria merecer pedradas.
Escrever é fabricar vidros para proteger e ornar lugares públicos. Depois de expostos, nada os trará de volta. O máximo que se pode prever é a sua permanência como algo apreciável, ou a sua destruição em estilhaços, que são afiados e cortam. É, portanto, um risco potencial fabricar e expor vidros; também o é escrever e publicar textos. Nos dois casos, o produtor de textos ou o fabricante de vidros se poderão ferir na alma ou na carne. Ambos doem.
Ó leitores, ponham-se no mundo dos vidros e textos e enfrentem as pedradas! É o preço por abominar a falsa segurança da omissão. E vale!... E que os vidraceiros e escritores saibam: as pedradas são geralmente traiçoeiras, anônimas! Pois os que jogam pedras são aqueles que as atiraram primeiramente em si mesmos, olhando-se no único vidro que conhecem: o despeitado espelho refletindo-lhes apenas a feiúra do corpo. Das almas, lhes seria impossível enxergar a feiúra: geralmente não as têm.
Contudo, nem todo anônimo é destruidor de vidraças. Há os que criticam o vidro sem quebrá-lo. Mantêm-se no anonimato por questões diversas, não importa, mesmo assim contribuem para a evolução da ideia. Apreciam ou não o vitral e emitem suas opiniões favoráveis ou contrárias sem ofender o vidraceiro. Mas há aqueles que jogam pedras no vidraceiro antes de mirar o vidro. Tanto faz que seja grosso, fino, opaco, ou um lindo vitral, para o destruidor armado com seu estilingue interessa-lhe ferir o autor da obra. Pior é que desses – e são inúmeros – nada se pode esperar de construtivo. Mas como expor o vidro sem o risco de vê-lo estilhaçado? Como?

Só há um meio de vencer os donos de estilingues: produzir vidros mais rapidamente que a velocidade deles em quebrá-los. Abarrotar-lhes a mente com ideias até cegá-los. Jorrar a luz sobre a superfície do vidro para neles refletir algum raio perdido. Mas não lhes devemos dar espelhos. Eles que os comprem! E se mirem em insignificância ante a obra que detestam por invejar seus autores. E, diante do espelho, refletir-lhes-á a feiúra da alma, se ainda a tiverem, e a repugnância do corpo lhes apontará o rumo da modorra intelectual eterna. E dormirão sem sonhar com nada; mas terão pesadelos, postados como vitrais a receberem as pedras de seus estilingues. E continuarão cegos, e desconhecerão a alegria de estar entre os espíritos bons. Ah, são tão inúteis que nem estilhaços de vidros serão!...







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