quinta-feira, 26 de março de 2009

Sobre o tráfico na zona sul do Rio de Janeiro

Mais uma batalha de uma guerra sem fim


As últimas ações do banditismo do tráfico na zona sul do Rio de Janeiro (Morro Dona Marta, Ladeira dos Tabajaras e Rocinha) merecem análise específica e global. No caso do Morro Dona Marta, a anterior ocupação feita pela polícia comprovou a eficiência e a eficácia operativa do aparato policial. De lá expulsaram os bandidos e levaram paz e tranquilidade à comunidade. Mas a questão que sempre paira no ar é durante quanto tempo assim o será, pois uma coisa é a intenção do governante, e outra é o limite dos meios materiais e humanos das duas polícias (civil e militar). Mais incerta é a permanência da medida no caso de alternância do poder político, lugar-comum no RJ: ora incentivo à ação, com aplausos à polícia; ora determinação de inércia, com a retaliação dos policiais que antes combateram, por parte do mesmo Estado despótico, e perseguição implacável aos favelados que apoiaram as medidas, por parte dos mesmos bandidos no retorno da permissividade, produzindo um efeito cruel no espírito e na carne dos policiais e dos favelados ordeiros.
A Ladeira dos Tabajaras foi o homizio escolhido pelos bandidos que fugiram do Morro Dona Marta, fato comentado por mim em outro artigo. Deste modo, iniciou-se a famosa “dança das cadeiras” sem cadeiras para todos, com certeza resultando cisões entre os bandos de facções iguais, mas de interesses pecuniários conflitantes. Afinal, falamos de comércio próspero e de muito dinheiro ilícito – o alvo de todos. “Dividir delicados” nesse caso configura-se um problema insanável e o desfecho costuma ser trágico.
Talvez para controlar os dois grupos é que o fornecedor de ambos (Rocinha) tenha entrado na contenda como terceira força a cuidar de seus interesses maiores. Formou-se então a guerra sem quartel entre os bandidos, cujo resultado em mortos e feridos sempre é por eles escamoteado para não demonstrar fraqueza nem chocar a opinião pública. Todos os lados da contenda ocultam seus cadáveres com esse fim, e distribuem os feridos para outras localidades. E chovem balas perdidas faiscando como pequenos raios no asfalto apavorado.
No meio dessa contenda turbulenta e perigosa surge a polícia enfrentando a todos. Nos dois momentos da incursão policial, os resultados foram satisfatórios. As duas polícias agindo em separado, ou juntas, prenderam, feriram e mataram alguns meliantes, apreenderam armas pesadas, estouraram arremedos de laboratório de refino, recolheram expressiva quantidade de droga e produziram considerável prejuízo aos bandidos, sem, no entanto, clarear o seu vulto ante o todo do tráfico instalado nesses locais. Seria mais ou menos um pescador a jogar linha com anzol pequeno no meio do inesperado cardume, aprisionando poucos peixes por falta de rede apropriada para capturar todos os peixes graúdos ou miúdos. Sim, por mais que tenha havido sucesso nas operações policiais, ficou a impressão de que o tumulto dos bandidos tornou visíveis apenas alguns de seus homizios dentre muitos ainda desconhecidos.
Mas, de todas as impressões, a mais forte está retratada na capa do meu romance Cidadela Contemporânea. Ela sugere, em alegoria desenhada, a “lava favelada” descendo montanha abaixo após a eclosão do “vulcão comunitário”, com aquela se derramando sobre a riqueza societária e lembrando a mais e mais que a sociedade não está livre de receber o impacto da criminalidade próxima e poderosa que domina as populosas comunidades. Enfim, a sociedade não mais está protegida em suas fortificações. Seus muros desabam, a sua voz é fraca.


A cidadela mudou do asfalto para o morro; o morro se fortaleceu e o asfalto está à míngua em termos de segurança. A voz do morro é forte. As armas estão lá, e a disposição do exército do tráfico não diminui nem com a morte de muitos dos seus “soldados”. Eles se dedicam ao combate como se defendessem não apenas drogas e dinheiro, mas ideologias. Enfim, é a ideologia de um ganho que de fácil nada tem, já se foi o tempo romântico do “dono do morro”.
Não é nenhuma ideologia político-partidária, embora o componente de revolta esteja potencializado nesses locais ignorados pelo poder público. Na verdade, o tráfico é visível e grave, e não será minimizado ou extirpado da tessitura social mediante bravatas políticas e batalhas policiais esporádicas e limitadas aos seus meios materiais e humanos. O que faz esse valoroso aparato policial avançar, a par das dificuldades, é, sem dúvida, a liderança dos dirigentes e comandantes policiais civis e militares e, principalmente, a vocação dos policiais para o combate.
Sim, esses abnegados policiais civis e militares ganham mal, não recebem da sociedade nenhum reconhecimento, mas não desistem jamais. Não fosse esta disposição heróica da polícia, a lava vulcânica favelada já teria sepultado em cinzas o asfalto rico, indiferente e principal cliente do mais lucrativo comércio que se conhece no planeta: o multifacetado tráfico de drogas.
Enquanto isso, a Prefeitura do Rio de Janeiro derrubou sensacionalmente o “minhocão” da Rocinha. Mas há milhares e milhares de “minhoquinhas”, espalhadas pela Cidade Maravilhosa em mais de seiscentas comunidades pauperizadas, a provar a falência do poder público e de sua sociedade egoísta.

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