Thomas Hobbes
Na cultura capitalista ocidental o idoso raramente é respeitado pelos jovens. Tanto que necessita até de leis para manter seus espaços na vida social. A decrepitude nesse nosso pedaço de mundo parece doença, e o máximo que se vê é o velho amparado por parentes mais novos, embora não seja incomum a própria família querer livrar-se de seus velhos. Os asilos e hospitais estão aí a provar, sem falar no que não se sabe sobre o maltrato a velhos dentro dos seus próprios “lares”...
Um asilo emblemático é a Casa dos Artistas. Lá se encontram pessoas cujo talento foi antes proclamado em largos espaços midiáticos. Mas lá não há glamour, e são poucos os atuais famosos que dedicam parte do seu tempo e algum dinheiro para manter um mínimo de dignidade, no final da vida, de artistas que mobilizaram multidões no passado. No mundo do futebol, o fenômeno do descaso é igualmente marcante. Quantos craques notórios morreram à míngua? Exemplos?... Basta um: Mané Garrincha. Sem comentários...
Restrita a mesma realidade às instituições públicas e particulares, é um absurdo o abandono dos idosos que nelas prestaram relevantes serviços durante toda a vida. Terminam como trastes entregues à previdência social aguardando a morte, e raros são os que vencem o passar do tempo com o respeito dos mais novos, malgrado o legado intelectual que muita vez lhes deixaram. E assim gerações se sucedem, e o desprezo dos novos pelos velhos aumenta na proporção do crescimento populacional. Pior ainda se observa nas instituições marcadas por rigorosa hierarquia e disciplina: as militares. Também não é preciso muito exemplo, basta a cruel ironia do “general de pijama”, que, em palavras mais claras, já era! Na PMERJ não é diferente...
... Na PMERJ não é diferente, e talvez seja pior que nas organizações militares de maior porte, onde normalmente as interações físicas e intelectuais entre superiores e subordinados são mais dispersas no espaço e no tempo. Sim, quanto menor for a instituição militar, maior é o contato entre seus membros e mais se notam dissensões e vinditas funcionando a pleno vapor, sem que se identifique o início de tudo numa relação de causa e efeito. Na melhor das hipóteses, há o esquecimento, e umas poucas amizades são mantidas em tempos posteriores.
Para aliviar tão crudelíssima cultura, alguns nomes são lembrados em fachadas de quartéis, mas a grande maioria desaparece do ambiente institucional e social até surgir de longe em longe o aviso de que alguém, que se supunha vivo, ao pó tornou. E numa organização como a PMERJ, onde a morte está a mais e mais banalizada, há a deslembrança quase que imediata dos ceifados no exercício da profissão. Nem existe um cemitério institucional a demonstrar à sociedade que não são poucos os militares estaduais que morrem por ela. Não os preservamos na memória pública nem institucional! Nossos heróis são anonimamente sepultados, somem da mente dos colegas de profissão e nem chegam a ser notados pela sociedade. Gado de corte! Só a família não se esquece de que existiu um herói no seu seio. Às vezes, nem isso...
Paradoxal, essa cultura do desprezo dos novos pelos velhos, considerando-se como “novos” os que ainda militam no serviço ativo. Na categoria de “velhos” poder-se-iam enquadrar os inativos e seus familiares e os descendentes e ascendentes dos mortos. Um paradoxo, sim, pois os ativos de hoje pagarão igual preço no futuro. A arrogância de seus narizes empinados lhes será cobrada em dobro, e assim sucessivamente. Resumem-se, os que vivenciam o imediatismo do poder, ao gozo efêmero de seu delicioso momento, cuidando mais de vaidades e menos do interesse geral para o qual foram destinados. Não percebem que o poder que receberam rapidamente passará. São uns tolos! Eu, que sou velho, mas me safei desse ostracismo por amar os novos, e por me insurgir de quando em quando contra os poderosos que me antecederam ou sucederam, sou exceção: possuo o corpo cansado e retalhado por bisturis, sim, abundo disfunções orgânicas, sim, mas as minhas idéias são livres como as do canário machadiano.
Vejo hoje, porém, muitos “velhos baluartes” vivenciando a doença e até o merecido desprezo daqueles novos que não souberam respeitar, e esses novos igualmente envelhecem sem respeitar os mais novos, e por isso serão futuramente ignorados, desgraça que se poderia ilustrar com a invencível alegoria de Thomas Hobbes: “O homem é lobo do homem.”
“O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado.” (O Espelho – Machado de Assis)
Na cultura capitalista ocidental o idoso raramente é respeitado pelos jovens. Tanto que necessita até de leis para manter seus espaços na vida social. A decrepitude nesse nosso pedaço de mundo parece doença, e o máximo que se vê é o velho amparado por parentes mais novos, embora não seja incomum a própria família querer livrar-se de seus velhos. Os asilos e hospitais estão aí a provar, sem falar no que não se sabe sobre o maltrato a velhos dentro dos seus próprios “lares”...
Um asilo emblemático é a Casa dos Artistas. Lá se encontram pessoas cujo talento foi antes proclamado em largos espaços midiáticos. Mas lá não há glamour, e são poucos os atuais famosos que dedicam parte do seu tempo e algum dinheiro para manter um mínimo de dignidade, no final da vida, de artistas que mobilizaram multidões no passado. No mundo do futebol, o fenômeno do descaso é igualmente marcante. Quantos craques notórios morreram à míngua? Exemplos?... Basta um: Mané Garrincha. Sem comentários...
Restrita a mesma realidade às instituições públicas e particulares, é um absurdo o abandono dos idosos que nelas prestaram relevantes serviços durante toda a vida. Terminam como trastes entregues à previdência social aguardando a morte, e raros são os que vencem o passar do tempo com o respeito dos mais novos, malgrado o legado intelectual que muita vez lhes deixaram. E assim gerações se sucedem, e o desprezo dos novos pelos velhos aumenta na proporção do crescimento populacional. Pior ainda se observa nas instituições marcadas por rigorosa hierarquia e disciplina: as militares. Também não é preciso muito exemplo, basta a cruel ironia do “general de pijama”, que, em palavras mais claras, já era! Na PMERJ não é diferente...
... Na PMERJ não é diferente, e talvez seja pior que nas organizações militares de maior porte, onde normalmente as interações físicas e intelectuais entre superiores e subordinados são mais dispersas no espaço e no tempo. Sim, quanto menor for a instituição militar, maior é o contato entre seus membros e mais se notam dissensões e vinditas funcionando a pleno vapor, sem que se identifique o início de tudo numa relação de causa e efeito. Na melhor das hipóteses, há o esquecimento, e umas poucas amizades são mantidas em tempos posteriores.
Para aliviar tão crudelíssima cultura, alguns nomes são lembrados em fachadas de quartéis, mas a grande maioria desaparece do ambiente institucional e social até surgir de longe em longe o aviso de que alguém, que se supunha vivo, ao pó tornou. E numa organização como a PMERJ, onde a morte está a mais e mais banalizada, há a deslembrança quase que imediata dos ceifados no exercício da profissão. Nem existe um cemitério institucional a demonstrar à sociedade que não são poucos os militares estaduais que morrem por ela. Não os preservamos na memória pública nem institucional! Nossos heróis são anonimamente sepultados, somem da mente dos colegas de profissão e nem chegam a ser notados pela sociedade. Gado de corte! Só a família não se esquece de que existiu um herói no seu seio. Às vezes, nem isso...
Paradoxal, essa cultura do desprezo dos novos pelos velhos, considerando-se como “novos” os que ainda militam no serviço ativo. Na categoria de “velhos” poder-se-iam enquadrar os inativos e seus familiares e os descendentes e ascendentes dos mortos. Um paradoxo, sim, pois os ativos de hoje pagarão igual preço no futuro. A arrogância de seus narizes empinados lhes será cobrada em dobro, e assim sucessivamente. Resumem-se, os que vivenciam o imediatismo do poder, ao gozo efêmero de seu delicioso momento, cuidando mais de vaidades e menos do interesse geral para o qual foram destinados. Não percebem que o poder que receberam rapidamente passará. São uns tolos! Eu, que sou velho, mas me safei desse ostracismo por amar os novos, e por me insurgir de quando em quando contra os poderosos que me antecederam ou sucederam, sou exceção: possuo o corpo cansado e retalhado por bisturis, sim, abundo disfunções orgânicas, sim, mas as minhas idéias são livres como as do canário machadiano.
Vejo hoje, porém, muitos “velhos baluartes” vivenciando a doença e até o merecido desprezo daqueles novos que não souberam respeitar, e esses novos igualmente envelhecem sem respeitar os mais novos, e por isso serão futuramente ignorados, desgraça que se poderia ilustrar com a invencível alegoria de Thomas Hobbes: “O homem é lobo do homem.”
Um comentário:
Esse artigo é para ser lido e refletido muitas vezes.
Já que tentamos copiar tantas coisas de outros países, poderíamos modelar os orientais que respeitam os mais velhos e veneram sua sabedoria.
Escritor seu corpo pode estar sentido pelo tempo,mas a alma tem o vigor, a energia que aparece em cada linha que escreve. Por certo, isso deve deixar muito jovem com inveja.
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