Uma das falácias mais retumbantes no meio policial fluminense refere-se às estatísticas policiais. Mede-se a produtividade das instituições PCERJ e PMERJ por meio do simples aumento ou diminuição dos delitos no ambiente social num determinado tempo, sem que esses dados se vinculem a outros que não sejam eles próprios. Se a quantidade de registros aumenta em relação ao mês anterior, a polícia vai mal; se diminui, a polícia vai bem... Assim funciona a gangorra da “produtividade”, cujo reducionismo se poderia resumir na exclamação: absurdo!
Ora, um trabalho de aferição estatística exige que se faça um apanhado maior de dados no ambiente social e se criem argumentos sólidos que bem definam os objetivos da inferência a ser feita. Conceber avaliação de desempenho por simples comparação de quantidades anteriores com posteriores é engodo. Tal prática apenas serve para ajustar interesses preguiçosos dos mentores estatísticos, de um lado, com o imediatismo da mídia pós-modernista, do outro. Para a mídia, na verdade, bastam que os resultados sejam apresentados, não importando se bons ou ruins, pois eles geram a notícia requerida: o fragmento do mês...
O perigo de se evitar argumentos sólidos antecedendo-se à inferência de dados é chegar-se a conclusões prejudiciais ao planejamento e à correção do seu rumo. Não se justifica, pois, tratar a estatística como elemento isolado, que se basta a si mesmo. Pelo contrário, a estatística não passa de uma entre muitas ferramentas para se avaliar a produtividade da mão-de-obra humana, inclusive a policial. Pois a produtividade não resulta de entendimento simplório. Ela possui conceito profundo e abrangente, embora haja pequenas variações de um país para outro. Mas não pode fugir do seu significado geral, que se poderia resumir:
“A produtividade da mão-de-obra é a medida da eficácia geral da utilização e do esforço empregado por ela. A produtividade resulta dos efeitos combinados de um grande número de fatores distintos, mas interdependentes, tais como quantidade e qualidade do equipamento empregado, melhoramento técnico, eficiência de direção, circulação de matérias-primas e das peças, seu grau de eficiência, e finalmente, capacidade profissional e esforço dos trabalhadores.” (Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo, Editora Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1980, p. 9.322)
Não é difícil, analogicamente, transmudar o conceito para a organização policial, seja a civil, seja a militar, assim como deveria ser imperativo implantar um sistema de retroação (feedback) para a correção de rumo dos planejamentos policiais vistos como subsistemas de um só sistema de segurança pública. Sobre a retroação, basta o ensinamento de Idalberto Chiavenato, por sinal bem apropriado ao meio policial:
“(...) Um sistema de retroação contém dispositivos capazes de reagir a um evento externo (por exemplo, um alvo), de modo específico (por exemplo, dirigindo os tiros de metralhadora em sua direção), até que um estado particular seja atingido (por exemplo, os tiros alcancem o alvo). Assim, se a ação não atinge o objetivo, torna-se necessária a correção para atenuar a diferença. Se a ação ultrapassar o objetivo, impõe-se a reversão. O sistema de retroação, quando bem projetado, produz uma série de erros cada vez menores, até uma convergência, rumo à homeostasia.” (Chiavenato, Idalberto. Teoria Geral da Administração. São Paulo, Editora McGraw-Hill, 3ª edição, 2v, 1987.)
A partir desses conhecimentos mínimos, agora sim, podemos vislumbrar um mínimo modelo de avaliação para a PMERJ e para a PCERJ em vista de suas incumbências institucionais. No caso da PMERJ, pode-se afirmar ser ela uma polícia de manutenção da ordem pública que tem a prevenção dos delitos como REGRA e a repressão, ainda como polícia administrativa, como EXCEÇÃO. Deste modo, a ausência de delitos seria, em tese, a meta primordial da corporação. Mas como medir ausência de delitos? Ora, as delegacias policiais recebem as ocorrências diariamente. Quanto mais delitos registrar, menos eficiente e eficaz será a prevenção, mesmo que haja uma eficaz repressão, pois esta apenas prova que a prevenção falhou.
No caso da PMERJ, vive-se ainda um paradoxo: ela é geralmente acionada a partir do telefone 190, que é acionado pela população após a ocorrência do delito. Portanto, quanto mais atendimento a ocorrências reais, quanto mais registros nas delegacias de ocorrências reais, menos eficiente e eficaz terá sido a prevenção. Como se vê, nem interessa muito medir a repressão, ela pouco significa no contexto da PMERJ, considerando-se que sua missão precípua é a prevenção. Repressão em demasia é sintoma de que a prevenção está falhando...
É possível, todavia, melhorar a produtividade da PMERJ na prevenção, bastando substituir a discutível freqüência do patrulhamento por uma eficiente distribuição de câmeras no ambiente social, de modo que as ruas e logradouros sejam observados a distância, de locais seguros, até mesmo por policiais aposentados ou por pessoal civil devidamente treinado. Assim, todos os movimentos suspeitos seriam imediatamente vistos e relatados ao patrulhamento, que poderia até se dar ao luxo de ficar estacionado e partir para a ação antes da ocorrência do delito. A “visão geral” do ambiente, baseada no panoptismo (panopticum) de Jeremy Bentham, apoiada pela tecnologia disponível, será capaz de garantir a prevenção e direcionar com eficiência e eficácia a repressão de polícia administrativa. Sem isso, tudo se resume a falácias estatísticas prejudiciais à corporação e à sociedade.
No que se refere à PCERJ, a ela cabe, como polícia judiciária, singularizar com provas técnicas e testemunhais os autores e culpados dos delitos registrados (repressão inquisitorial como REGRA, a levar os criminosos aos tribunais), demais de outras investigações que possam levar à prisão criminosos contumazes ainda na fase de articulação deles para o cometimento de algum delito, desde que tal articulação se configure como crime. Portanto, é bastante simples apurar a produtividade na PCERJ: basta listar os fatos delituosos e compará-los com os resultados da investigação criminal. Se a investigação criminal não atingir o alvo, estará caracterizada a improdutividade. No caso das especializadas, a medição da produtividade é mais complexa, sendo certo que, nos dois casos, não se poderá cobrar nada de ninguém se os meios materiais e humanos forem precários (e sabidamente são!). Aliás, também no caso da PMERJ vale o conceito geral da produtividade da mão-de-obra humana vinculada a muitas variáveis antecedentes e causais, todas, porém, deficitárias.
Como se vê, não há nesses procedimentos nenhuma intimidade com as tais “estatísticas midiáticas”, estas, que têm servido tão-somente para desqualificar o sacrifício diuturno dos policiais civis e militares, que, como todos sabem, não ganham bons salários, não recebem treinamento periódico, não possuem meios materiais a garantir a segurança do seu trabalho etc. Exigir produtividade num quadro tão caótico é desmerecer sem razão a polícia. Divulgar, portanto, estatística como um fim em si mesma, e não como um dado específico a ser utilizado no planejamento como um processo dinâmico, é simplesmente ceder a pressões externas tão injustas como inúteis. Enfim, é trocar gato por lebre, ignorando a qualidade em favor da péssima quantidade. É como mirar o alvo e dar um tiro no próprio pé.
Nenhum comentário:
Postar um comentário