Neste exato momento, às 16:34H do dia 16/12/2018,
concluí a leitura da obra do Coronel PMERJ Frederico Caldas (O FIM DA UPP – 500
DIAS NO FRONT DA PACIFICAÇÃO). O livro prova que Frederico Caldas é um
profissional além do seu tempo e da cultura do PM, demais de sublinhar a sua
verve de professor universitário nesses “dois mundos” (PM e SOCIEDADE) que
continuam sem interação. E, sem muito me ater ao seu currículo, por
desnecessário, prendo-me, porém, aos “dois mundos” para dizer, em proposital
maniqueísmo, que eles são antagônicos.
A impressionante narrativa de Caldas, como vou amistosamente
tratá-lo para dar leveza ao comentário, descortina uma dura realidade que não
se esgota no sucesso ou no fracasso das UPPs, mas avança num poderoso diagnóstico
que deveria ser objeto de estudo por aqueles que pretendem conhecer a
insegurança pública brasileira a partir de um momento, de um local, e de um
modelo inovador que rompeu com anos de ostracismo, de desvios de finalidade e
de irresponsabilidade, mas não os venceu...
Sim, o autor consegue em sua densa narrativa levar o
leitor à perplexidade. Não sei, portanto, dizer aqui qual parte da narrativa é
mais importante para uma indiferente sociedade, que, faz tempo, vive em
“cegueira deliberada”, e que por isso é tangida como gado por manchetes de uma
imprensa sensacionalista, mercenária e ideológica, salvo raras exceções.
Na verdade, termino a leitura com um misto de euforia
e tristeza. Euforia por ver confirmadas minhas apreensões antes manifestadas no
meu Blog ao longo desses anos de vivência das UPPs, desde quando surgiu ao
acaso de uma incursão do 2º BPM, então comandado pelo Cel PM Albuquerque, para
instituir um momento de paz e permitir a inauguração de uma creche no Morro
Dona Marta, em Botafogo. Esse momento de paz, que poderia ser em outro lugar,
tornou-se símbolo de um monumental programa de intervenção policial restrito à
PMERJ, mas sem qualquer planejamento (estratégico, tático ou operacional).
Enfim, apenas mais uma ação pontual típica de qualquer Unidade Operacional da
PMERJ, porém tornada panaceia a remediar todos os males da segurança pública
por espertos políticos e vaidosos burocratas de fora da PMERJ.
Assim nasceu a primeira UPP, que não mais precisa ser
explicada, muitas vezes eu o fiz no meu Blog e muito me exaltei ao perceber que
a bola de neve rolara montanha abaixo e um dia se tornaria esta avalanche tão
bem retratada por Caldas neste seu texto histórico. Impressionante texto, sim, que
poderia ser diagnóstico duma segurança pública a ser implementada no país, pois
é certo que a VIVÊNCIA de Caldas é única, não há similares em tempo ou lugar
algum.
Não pretendo me estender na análise do texto, tão
primoroso e claro, tão preciso e conciso, que seria “chover no molhado”. Sim,
deixo de fazê-lo por reconhecer que minhas observações ao longo dos anos sobre
as UPPs agora comprovam, pela pena de Caldas. Valeu a minha visão prospectiva,
fundamentada em observações extraídas de jornais desde os tempos da bonança até
os dias de hoje, em que a grande mídia, já satisfeita com os resultados
financeiros da Copa do Mundo e das Olimpíadas, execra as UPPs como mais um
exemplo de fracasso institucional da PMERJ. Não reconhece que a briosa foi a
única a levar a sério a sua ação, como sempre o faz, aliás, e ao custo de
muitas vidas humanas ceifadas. Ah, mas era de se esperar que tudo terminasse
assim!... Como sempre!...
Insisto aqui, por indispensável, na VIVÊNCIA de Caldas,
trazendo à lide uma observação de Manuel Garcia Morente, professor de Filosofia
(1886-1942). Ele cita Bergson em sua obra FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA, traduzida
por Guilhermo de la Cruz Coronado, Catedrático da Universidade do Paraná, lá
pelos idos de 1930:
“[...] Uma pessoa pode estudar minuciosamente o mapa
de Paris; estudar muito bem; observar, um por um, os diferentes nomes das ruas;
estudar suas direções; depois, pode estudar os monumentos que há em cada rua;
pode estudar os planos desses monumentos; pode revistar as séries de
fotografias do Museu de Louvre, uma por uma. Depois de ter estudado o mapa e os
monumentos, pode este homem procurar para si uma visão das perspectivas de
Paris mediante uma série de fotografias tomadas de múltiplos pontos. Pode
chegar, dessa maneira, a ter uma ideia bastante clara, muito clara, claríssima,
pormenorizadíssima, de Paris. Semelhante ideia poderá ir aperfeiçoando-se cada
vez mais, à medida que os estudos deste homem forem cada vez mais minuciosos;
mas sempre será uma simples ideia. Ao contrário, vinte minutos de passeio a pé
por Paris serão uma vivência. Entre vinte minutos de passeio a pé por uma rua
de Paris e a mais vasta e minuciosa coleção de fotografias, há um abismo. Isto
é, uma simples ideia, uma representação, um conceito, uma elaboração
intelectual; enquanto aquilo é colocar-se realmente em presença do objeto, isto
é, vivê-lo, viver com ele [...]”
Transcrevo a observação de Bergson para me render à VIVÊNCIA
de Caldas, repito, que põe sua narrativa no pódio das coisas insubstituíveis, e não
apenas pelo fato de ele ter vivenciado tanto as UPPs, todas elas, mas por ter a
sensibilidade do pesquisador que não se limita ao “como fazer as coisas?”, mas
se alonga numa reflexão que vai à indagação fundamental do “por que fazer as
coisas?”. Isto num ambiente incerto, turbulento e perigoso, com a morte
rondando e ceifando vidas humanas, dentre as quais a do Capitão UANDERSON
MANOEL DA SILVA, de 34 anos, casado com a Capitã PM Bianca Neves Ferreira da
Silva, deixando órfã uma menina até hoje assombrada com a perda abrupta do pai.
Também sublinho a morte do Soldado PM RODRIGO DE SOUZA PAES LEME, de 33 anos, e
anoto sua comovente frase, dita ao PM que o socorria antes de deixar este mundo
cruel: “Manda um beijo para a minha
esposa e pede pra ela tomar conta da nossa filhinha, que não vai dar mais não,
parceiro.” Meu Deus!...
Creio que a narrativa de Caldas desses dois episódios,
com forte traço de emoção, torna-a única, pois retrata todos os riscos pelos
quais passaram e ainda passam os PMs submetidos a um regime de riscos além do
que se espera no cotidiano exercício de uma profissão que se tornou “frente de
combate” numa “guerra” cuja ideologia é o crime e seus astronômicos lucros, que
se poderiam resumir numa palavra: NARCOTRÁFICO.
Sim, eis o mal a ser combatido pelo Brasil como um
todo, Sociedade e Estado, não nos fracos termos constitucionais que eximem a
União e os Municípios de maiores responsabilidades e agrilhoam os
Estados-membros num sistema de desconfiança que aflora como peste no Inciso XXI
do Art. 22 da CRFB, dentre outros, específicos, que impedem a formulação ou a
reformulação de uma estrutura situacional estatal que efetivamente possa
exercitar sua função de modo globalístico e sem a sombra da desconfiança das
forças militares federais, resíduo ditatorial que não mais se justifica.
Mais nada a dizer do livro do Coronel PM Frederico
Caldas, que merece a minha especial continência e a de todos os seus
companheiros, oficiais e praças, porque não há como não lhe agradecer por seu
esforço intelectual nem como não exaltá-lo por sua maestria em riscar o papel
com invulgar VIVÊNCIA, esta, que incluiu a sua quase morte em combate. Mas como
Deus é bom e justo, ele sobreviveu para nos brindar com uma obra que deve
ocupar as prateleiras da PMERJ e demais prateleiras de livrarias, universidades
e instituições públicas e privadas, como diagnóstico único e invencível.
Parabéns, companheiro!
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