A semana que passou me proporcionou fortes emoções. A primeira delas foi num almoço em Niterói, a convite, com coronéis inativos, que, como cadetes, foram meus alunos de Emprego Tático de Unidades de PM lá pela década de 70. Sem dúvida, vivenciamos momentos marcantes, instrutores e alunos sofrendo na mata virgem os piores sacrifícios por exigência do treinamento profissional. Por conta de ser instrutor da matéria, muitas vezes passei mais de mês enfiado no mato, com minha equipe de oficiais, graduados e praças montando “oficinas” (como “salas de aula”) sobre assuntos teóricos e práticos ligados a temas como sobrevivência na selva, salvamentos, transposição de obstáculos na água e no ar usando cordas e “meios de fortuna” (improvisos), armamento e tiro de combate de dia e de noite etc. Enfim, nada que não demandasse esforço físico, além de disposição moral, nada que não demandasse entrega do corpo e da alma. No caso dos alunos, eles cumpriam tarefas do curso; no meu caso, eu cumpria o papel de instrutor depois de aceitar convite que me veio da Escola de Formação de Oficiais, como “prêmio” por meu desempenho como cadete-aluno de instrutores mais antigos. Quem é militar sabe como isto funciona (o “círculo virtuoso” dos mais velhos ensinando aos mais novos). Portanto, foi um almoço diferente, com muitas lembranças brotando da alma de coronéis de cabeça branca, mais novos que eu, e que se enfiaram comigo nessas aventuras extremas como cadetes e depois como oficiais instrutores. Bom que depois de tantos anos me relembrassem em reconhecimento esses momentos. Sim, o fato de eles me convidarem significou para mim o maior dos méritos, porque foi reação de alma para alma, algo muito profundo, que só os verdadeiros vocacionados entendem.
A outra emoção (ah, que emoção!) veio do reencontro com a
Velha Guarda do 9º BPM, formada por valorosos companheiros que serviram sob o
meu comando no final da década de 80, época em que a criminalidade do tráfico,
em virtude da omissão deliberada de governantes de esquerda, que, a pretexto de
que malfeitores seriam “vítimas da sociedade”, “costearam o alambrado” e
afrouxaram as rédeas do crime no início daquela malfadada década, impedindo,
principalmente, a ação da polícia em favelas, permitindo que o tráfico florescesse
em abundância e se tornasse descontrolável. E, por conta dessa premeditada
anomia, que incluía o desaparelhamento material e moral das polícias estaduais
(civil e militar), e da contenção da polícia por meios disciplinares absurdos e
por perseguições tenazes de outros órgãos fiscalizadores, porém de joelhos
diante do principal caudilho, as facções criminosas passaram a disputar o
produtivo espaço de guarda e comercialização de drogas: as favelas do RJ. Mas,
em 1989, assumi o comando do Nono Batalhão, situado na mais violenta área da
capital, com a missão de aprisionar o famigerado Cy de Acari, na época apontado
como o mais poderoso traficante de drogas do RJ e quiçá do Brasil, sucessor do
não menos famigerado Toninho Turco, morto pela PF em 1987 e cujo homizio era na
área do 9º BPM. Cy de Acari era a sua “mula”, que trazia a droga da Colômbia e
da Bolívia. Era chamado no meio dos maus policiais de “galinha dos ovos de ouro”.
Se não bastasse, a favela por ele dominada, composta de quatro comunidades
(Parque Acari, Amarelinho, Coroado e Vila Esperança), é plana e se situa no
prolongamento da Avenida Brasil, em frente da CEASA. Ocupa imensa área plana
com acesso livre no seu entorno, o que em muito facilita a entrada e a saída de
moradores e em meio a eles os usuários, aos milhares, que ali ainda comparecem
para comprar drogas. Infelizmente, é assim ainda hoje e talvez pior. Mas na
minha época o 9º BPM, com a sua intrépida tropa por mim comandada, derrubou
todos os obstáculos e logrou desmantelar o vigoroso comércio de drogas que
prosperava naquele lugar. Disso tudo, resumo numa frase de um delegado de
polícia amigo meu, que no dia da prisão de Cy da Acari me ligou e disse: “Larangeira,
parabéns, é a prisão da década! Mas você entrou de penetra numa festa de
comensais poderosos e chutou o bolo. Prepare-se para ter muitos problemas!”.
Tinha ele razão, mas não abalou o mais relevante de tudo: a saudável
cumplicidade entre comando e tropa, que até os dias de hoje se reúnem para
festejar muitos feitos e feitios. Que se reúnem para abraçar a vida! Foi o que
houve no sábado próximo passado. Reunimo-nos para relembrar os companheiros
mortos e reverenciá-los como sempre o fazemos, e nos abraçar como sobreviventes
de uma guerra que não terá fim, como podemos hoje afirmar sem erro, para
desgraça das gerações futuras. Mas isto é com os mais novos. Para mim, já no
ocaso do tempo, confraternizar com meus comandados em abraços sinceros não tem
preço que pague! Assim foi no sábado, e muito lhes agradeço pelas demonstrações
dum apreço que se tornou eterno e assim o será enquanto durar o nosso tempo
terreno.
A FORTALEZA DO TRAFICANTE CY DE ACARI
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