“Vede os pequenos
tiranos
Que mandam mais que o
Rei
Onde a fonte de ouro
corre
Apodrece a flor da lei.”
(Cecília Meireles)
Não posso dizer que seja regra, desconheço como
funciona o rigor disciplinar nas demais Polícias Militares pátrias, e talvez no
RJ seja tudo diferente em razão dos atropelos que marcaram e ainda marcam
negativamente a história da atual PMERJ. Afinal, desde o seu processo de
criação pelo Príncipe Regente Dom João VI, em 13 de maio de 1809, que merece
ser aqui resumido pelas palavras de Ruy Tapioca, - Historiador e Romancista,
Prêmio Jabuti de Literatura com seu romance República dos Bugres, - a
instituição vem sendo abalroada por transformações inesperadas e tumultuosas.
Disse Ruy Tapioca em grossa ironia:
“Na contrapartida do chafariz e da fonte, e como
desgraça pouca é besteira, aforismo cunhado pelos nativos da terra, Dom João
foi servido baixar, na rabeira daquela aluvião de tributos, um decreto criando
uma guarda real de PM para a cidade, em face do crescido número de desordens
públicas, gatunagens, incêndios, contrabandos e crimes de espécies diversas,
que andam a ocorrer, cotidianamente, nesta mui leal e heroica São Sebastião do
Rio de Janeiro.” (Tapioca, Ruy - República
dos Bugres - Rocco)
Como se vê, a pouca importância dada ao ato de criação
da primeira briosa talvez responda em parte pelo que acontece hoje intramuros
de seus quartéis, malgrado o empenho frenético de muitas gerações que se vêm
sucedendo no labor policial militar ao longo desses 209 anos, empenho agora depreciado
em vista da pouca importância dada pelo desgoverno plutocrata do Temer a esta esquisita
Intervenção Federal.
No fim de contas, não se havia previsto que a “zero
um” das briosas fosse tão absurdamente mexida e remexida em sua estrutura por
maus políticos, estes que, principalmente a partir de um só mineiro
possivelmente avesso a um Distrito Federal banhado pela esplendorosa baía de
Guanabara, - e por inveja de suas belas praias, ausentes na sua dele Minas
Gerais, - os maus políticos deliberaram gastar uma fortuna do erário público
nacional para transferir a Capital do Brasil para o Planalto Central, como se a
ciência e a tecnologia que aproximavam os povos no planeta Terra fossem retrogradar
aos tempos das Carruagens e se vissem incapazes de cobrir as pequenas
distâncias brasileiras em modernas aeronaves.
Ora, que diferença fez transferir a Capital para um
descampado hostil e deselegante, além de artificial? Que ufanismo foi aquele a
indicar a disputa de poder entre o café paulista e o leite mineiro? Teria sido
para evitar que São Paulo de tornasse a “Novacap”?... Hum, que houve caroço
naquele angu não se há de duvidar!...
Claro que o impacto dos gastos públicos de bilhões, - quiçá
trilhões de dólares, do Tesouro Nacional, para atender ao megalomaníaco médico
mineiro, que, por má sorte, era PM (mais uma “meganhada”), - o impacto dos
gastos públicos se fez e se faz sentir e se ressentir no pedaço de chão que
passou a se chamar “Estado da Guanabara”, este, original habitat da Corte
Monárquica e Imperial e da República), o Distrito Federal (tudo acontecia aqui),
com a agravante de uma fusão que lhe deu pouca e desmoralizante vida social e
econômica.
Ora, se não houvesse o leite vencendo o café nas urnas
de nossa discutível democracia, o Distrito Federal, onde originalmente estava,
teria se tornado hoje um “eldorado” em urbanização, embelezamento, desfavelamento,
despoluição aquática, visual e aérea, para alegria de todos os cariocas e
fluminenses e tristeza dos mineiros que não gostam de paulistas. Ah, nesta
contenda de poder entre jogadores políticos paulistas e mineiros o espaço
atualmente ocupado pelo RJ não passou de “bola”.
Reduzindo esta história mal contada, porém defendida
por tudo que é ladrão de casaca da política e da mídia, restou atualmente um
Estado-membro reduzido ao extremo da miserabilidade e da ingovernabilidade.
Porque, ao optar por um local aparentemente “neutro”, o esperto mineiro,
decerto representando interesses econômicos cafeeiros e leiteiros, assumiu
heroicamente a decisão num ar de “neutralidade” a falsear a dura realidade dum
esvaziamento que se poderia designar como absurdo. Mais ainda absurdo se
comparada a decisão política daqui com a de outros países sérios que
transferiram suas capitais, mas garantiram decentemente a economia dos locais
esvaziados, tudo adrede planejado e aprovado pelas sociedades envolvidas na
decisão, somo sói serem as coisas numa autêntica democracia.
Faço a digressão, na verdade, para justificar o
imbróglio de hoje, cuja culpa não pertence a ninguém mais que à História,
imutável, por sinal, porque é impossível desfazer o mal. De modo que assim
permanecerá até que o caos total nos atinja e toda essa lambança seja removida
dentro da lógica de Erich Fromm: “A calamidade é ruim para o povo, mas boa para
a sociedade.” Também tento seguir a lógica de Leo Smolin, Prêmio Nobel de
Física, que assim se pronunciou:
“Existem objetos como as
rochas e os abridores de latas, que simplesmente existem e podem ser
completamente explicados por uma lista de suas propriedades. E existem coisas
que somente podem ser explicadas contando uma história. Para as coisas do
segundo tipo, uma simples descrição nunca é suficiente. Uma história é a única
descrição adequada para elas, porque entidades como as pessoas e as culturas não
são de fato coisas, mas sim processos que se desenvolvem no tempo.” (Smolin,
Leo – Três Caminhos Para a Gravidade Quântica)
Com efeito, tento aqui demonstrar que a
irracionalidade particular e restrita à PMERJ se integra, como subsistema de um
sistema, à irracionalidade geral que aqui descrevo como me impõe a lógica de
quem sabe das coisas, em especial a de Leo Smolin. Porque não se pode descrever
o cenário atual, interno e externo à PMERJ, como se se descrevesse um “abridor
de latas”. No fim de contas, não lidamos com bonecos e bonecas de chumbo nem
com peças de um tabuleiro de xadrez ou dama. Lidamos com seres humanos de
muitas gerações, todos afetados pela “mineirada” do senhor coronel PM médico da
PMMG Juscelino
Kubitschek de Oliveira. Com ressalva de que, decerto, ele não agiu senão a
serviço de poderosos grupos do mundo econômico e financeiro, que, paulistas
e/ou mineiros, têm como pátria e bandeira nada mais que o lucro máximo da
minoria em desfavor da maioria, como sempre ocorreu no Brasil e muito bem
explicou o saudoso João Ubaldo Ribeiro em seu clássico “Viva o Povo Brasileiro”,
ou seja, a “desgraça” aludida por Ruy Tapioca vem desde o Brasil Colônia de
outrora até chegar a esta “República dos
Bruzundangas de agora.
De modo que posso agora afirmar, sem delongas, que
todos fomos e somos “bonecos de chumbo”, descartáveis nesta cultura de “Casa
Grande e Senzala”, o que permite a compreensão de toda a autofagia que nos
destrói em benefício dos plutocratas de sempre e hoje muito bem representado por
esquerdas e direitas da política. Porque, para os donos da fortuna e do poder,
tanto faz que seja um extremo ou outro, ambos comem no mesmo cocho a mesma
ração: sobras de corrupção generalizada que culmina com a exasperada punição
disciplinar do roto guarda da esquina, que recebe uma moeda do esfarrapado, este,
que está com o documento do carro vencido. E é o que basta para que a
irracionalidade se propague automaticamente e ganhe as primeiras páginas como o
“grande mal” do Brasil, sendo certo que a morte desse mesmo guarda, roto e
esfarrapado, não figurará jamais entre as principais manchetes e muito menos se
saberá do seu enterro em cova rasa. Afinal, ele não passa de “abridor de latas”,
e enquanto viver será sempre e preferencialmente punido pelo carcomido sistema
político, que manda no militar, e que busca desviar de si as atenções. E
consegue...
Também me arrisco, com este texto, a tentar despertar
os atuais mandatários do poder menor (falso poder militar estadual), que dormem
com o RDPM e demais instrumentos disciplinares debaixo do travesseiro, sonhando
com a retaliação que patrocinará no dia seguinte contra o seu indefeso (SEMPRE)
subordinado. Esquecem-se de que serão os próximos e passarão no invariável
transcorrer do tempo, dando lugar a novos vassalos do poder real que os
manipula como marionetes.
Sim, é assim, já que todos pensam e agem como se
fossem “abridores de lata” a amassarem “abridores de latas”. Esquecem-se de que
são “Senzala” e enferrujam com o passar daquele inexorável tempo. Sim, sim,
tempo que domina a todos, e lhes garante não mais que a desgraça como herança,
enquanto os reais mandatários de tudo, que são poucos, transferem poder e
dinheiro a seus descendentes, o que ocorre aqui e mundo afora antes e agora. De
modo que...
“Que as alegres canções
dos trovadores eram sufocadas pelo barulhento tilintar das armas, que as
festivas passeatas com tochas eram substituídas por marchas guerreiras para os
campos de batalha, e que os exuberantes jovens, no verdor da mocidade, eram
chamados às armas pelo sino de guerra, para dar suas vidas pela Igreja ou pela
coroa, pela honra do senhor feudal ou pelo orgulho dos brugueses.” (René de
Fülöp-Miller - OS SANTOS QUE ABALARAM O MUNDO)
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