quinta-feira, 15 de março de 2018

COMENTÁRIO SOBRE MILÍCIAS - Matéria do G1


 Do G1

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/franquia-do-crime-2-milhoes-de-pessoas-no-rj-estao-em-areas-sob-influencia-de-milicias.ghtml


“Franquia do crime: 2 milhões de pessoas no RJ estão em áreas sob influência de milícias"


"Quadrilhas estão em 37 bairros e 165 favelas da Região Metropolitana; diferentemente da década passada, quando estavam limitadas a 161 comunidades. Área de atuação dos milicianos equivale a 1/4 da cidade do Rio.”

Embora no corpo da matéria admita-se que as milícias são formadas por muitos ex-agentes públicos e traficantes cooptados nas comunidades controladas por elas, é sintomático que no rol do grupo investigador, como informa o G1, não conste a PMERJ:

“[...] Como foi feito o levantamento


As áreas sob influência de milícias foram computadas a partir de informações da Polícia Civil, Secretaria de Segurança Pública e Ministério Público estadual. [...]”

Este é o ponto crucial, talvez a omissão objetive sublinhar indiretamente que a massa de ex-PMs existente no RJ é impressionante, dada a facilidade de ingresso por uma larga porta de entrada e uma aberrante facilidade de saída em porta escancarada.


Tal situação, por mais que a corporação se defenda alegando que o concurso é duro, que a investigação social não dá colher de chá para ninguém, não se pode negar que muitos candidatos considerados “puros” não o eram. E, se o eram, a corporação cuidou de torná-los ruins a ponto de descartá-los (?), o que dá no mesmo, não importam aqui essas variáveis intervenientes, importam as variáveis situadas como causas, e não é preciso apontar muitas, basta fixar-se na principal: a PMERJ é típico modelo massificado de tropa, comum ao exército de conscritos em que o serviço militar é obrigatório ao jovem.


Eis o que responde pela tendência ao aumento desenfreado do efetivo no seio da PMERJ, assim como, em virtude desse aumento, os organismos de controle (administrativos, ministeriais e judiciais), também acrescidos de novos efetivos, fazem a sua parte “caçadora” com primor, o que resulta mais ex-PMs jogados de volta ao lixo social de onde vieram.


Porém, com uma diferença: por serem ex-PMs (mesmo os efetivamente puros, mas que pediram baixa da corporação por inadaptação ou revolta), esses muitos homens e poucas mulheres (na maioria jovens sem outra perspectiva de trabalho), tornam-se unidos por laços comuns muito fortes: treinamento militar, revolta contra o sistema, necessidade de sobreviver situando-se além dos parâmetros legais, que de algum modo os alcançaram precocemente, fazendo-os “cães vadios” e ferozes. Dentre outros laços emocionais e irrefletidos...


Enfim, a causa primeira (inclusão de efetivos aos milhares), reflete-se no rigor hierárquico e disciplinar, com poucas chances de “ampla defesa e contraditório”, expressão cunhada entre aspas porque se tornou clichê nos textos de punições e desligamentos de faltosos na corporação.


A causa segunda, que ninguém quer ver a não ser obliquamente, para não ferir sensibilidades fardadas de azul, reside no invencível fato de que os grupos paramilitares, - estruturados em maioria por PMs descartados (justa ou injustamente) e por mais alguns ex-agentes cooptados da PCERJ, do CBMERJ e de outras categorias de agentes públicos igualmente atingidas em grau máximo pelo sistema situacional a que pertenciam, - os grupos paramilitares existem porque foram forjados pelo próprio sistema estatal, com destaque para a PMERJ.


Quando faço a crítica não aponto pessoas ou comandos nem aqueles que cuidaram e cuidam da “caçada”, mas ao modelo cultural da massificação de tropa, preso à lógica da máxima quantidade, da pouca qualidade, e do nenhum incentivo ao prolongamento da carreira, eis que o soldado de hoje já sabe que será o sargento ou o subtenente de amanhã a estar nas ruas patrulhando como se fora soldado, isto para amealhar mais umas moedas a serem acrescidas à mesma miséria do início de sua juventude na corporação. E, principalmente, é o modelo cultural (encravado na estrutura) preso à lógica de um militarismo sem identidade, com o foco na terrível ideia de que o homem quando ingressa na corporação já é investigado e vigiado como um corpo que deva ser eternamente “dócil” (vide Michel Foucault in Vigiar e Punir); ou seja, visto como um ser humano fundamentalmente mau, e viciado na origem, o que não deixa de ser verdade, se bem observarmos a cultura do “jeitinho brasileiro”, que se insere em todas as classes sociais.


Sim, o ser humano não é visto como alguém basicamente bom e a ser preparado para exercer com garbo e patriotismo a profissão de policial-militar (com hífen para caracterizar o real dilema do PM: ser policial ou ser militar?); com hífen também porque é junção (real) de dois substantivos, e o acordo ortográfico não mudou isto, embora haja dicionaristas que embarcaram na onda de grafar “policial militar” sem hífen, o que contraria a regra gramatical e subverte a realidade do PM.

Enfim, a estrutura lembra uma grande máquina de moer como carne homens e mulheres, e de prensá-los como “linguiças de carnes mistas” a serem consumidas por abutres desumanos situados numa mídia antissocial, maliciosa e estupidamente ideológica.


Em sendo assim, não se há de estranhar a ocultação do fato de que as milícias não passam de “armas” fabricadas pela própria sociedade e alimentadas por carcomidas instituições situadas no que denominamos como “Estado”, tendo este como alvo o “interesse público”.


Portanto, é imperativo reconhecer que a mídia destruidora força as instituições a combaterem o mal que emergiu de si mesma, situando como menor prioridade o narcotráfico (a não ser o cooptado por milícias, assim ignorando as facções criminosas exponencialmente mais volumosas em bandidos e armas sofisticadas). Sim desfocam o narcotráfico e suas facções porque, afinal, muita gente boa de caneta e discurso é cliente potencial de drogas ilícitas. MUITAS MESMO!... Simples assim...

3 comentários:

Anônimo disse...

Autofagia social.
O Estado criando sua própria oposição.

Paulo Xavier disse...

Bom dia Cel Larangeira.
Infelizmente faço parte dessa massa de excluídos da PMERJ que o senhor cita no texto. Não é fácil ser ex-PM; é um termo com conotação pejorativa que virou sinônimo de bandido ou quase isso, a menos que você prove o contrário no seu bairro, no seu local de trabalho, nas suas atitudes e é o que faço, preocupado em andar correto sempre. Em 1989 um grande empresa brasileira abriu as portas para mim e agarrei essa oportunidade com unhas e dentes. Comecei lá embaixo, mas voltei aos estudos, me formei, ganhei algumas promoções e cheguei a chefe, hoje estou aposentado. Não foi fácil, mas consegui dar a volta por cima e confesso que não gosto de tocar nesse assunto; parece que estão mexendo numa ferida que ainda sangra. Dói no corpo e dói na alma. Um afetuoso abraço. Paulo Xavier

Inconfomado disse...

A percepção da realidade que eu vejo que muitos oficiais têm não se reflete em mudanças institucionais; de qualquer modo parabéms por suas análises; costumo inclusive sugerir seus textos. Parabéns.