sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A GUERRA NO RIO E O ESTADO DE NECESSIDADE

 "Não se faz omelete sem quebrar os ovos" (frase atribuída à esposa de um escritor russo levado a campo de concentração na Sibéria por Joseph Stálin, cabendo pesquisa mais acurada)

O recente episódio que abateu em "tiro mortal" um major PM e sua esposa, também major PM, num inequívoco flagrante que incluiu buscas em domicílios e em dependências de quartel, leva-me a pensar no porquê de jovens oficiais, graduados e praças atuantes na linha de frente mergulharem nesse abismo extremo que à luz da lei é indubitavelmente crime, mas à luz da guerra não passa de autodefesa contra um MAL que desde muitos anos a lei não atalha com o devido rigor.

No meu modo de ver, - e por acumular muitas vivências de realidades que não cabem numa folha de papel, - arrisco-me a afirmar que os arautos da lei, engravatados e refrigerados, não têm vivência nem ideia do que se passa na linha de frente de uma guerra hoje inclusive admitida por boa parte da grande mídia do Rio de Janeiro e algures.

Ora bem, muitos poderão concluir pela temeridade desta opinião, o que, confesso, não me abala nem um pouco neste estágio da vida. Por isso me vou arriscar a afirmar que há na linha de frente situações que jamais poderiam ser levadas ao pé da letra de leis mortas que ignoram a realidade da guerra entre malfeitores perigosíssimos e PMs esgotados, pauperizados por um governo corrupto, mal armados e sem proteção individual condizente com as multivariadas situações de alto risco por que passam, situações que não são alcançadas por lei alguma, a não ser se direcionada para o lado que sempre morre: o lado do BEM em sua desproporcional luta contra o MAL.

Falo de um MAL diário, cotidiano, que surge diante dos PMs da linha de frente em mil artimanhas destinadas a matá-los como se mata um submisso "gado de rebanho". Deste modo, muitos se acovardam com razão, desistem de combater, adoecem física e psiquicamente, tornam-se trapos humanos que não mais sabem distinguir o dia da noite, pois é assim numa guerra. Mas esta guerra não pertence à sociedade e aos cidadãos que se recolhem em seus casulos em segurança, protegem-se em seus mundos de grades, carros blindados e seguranças particulares, enquanto à sua volta, no submundo, pessoas morrem num combate insano de policiais contra bandidos, com larga vantagem para os segundos.

Ora, artimanha por artimanha, aos PMs da linha de frente, nos atordoados dias de hoje, cabe apenas mudar de profissão, o que não é tão simples assim num país sem mobilidade social, com 14 milhões de desempregados. Enfim, fugir da guerra, recuar dela, enfiar-se na proteção dos quartéis ou em floresta inexpugnáveis não é privilégio de todos, mas de uma minoria que não sabe com que barulho o projétil lhe passa próximo, não conhece a realidade da guerra travada em ambientes sociais formados por bandidos, mas ocupados por maioria silenciosa de pobres, indigentes e miseráveis, que, se não lhes bastasse morrer de fome, ainda morrem de tiro.

Eis então o ambiente onde atuam os PMs, sendo certo que muitos deles, enquanto "cidadãos", têm família morando em favelas dominadas pelo tráfico ou nela também residem e de quando em quando são obrigados a abandonar seus lares deixando tudo para trás, levando apenas a roupa do corpo e suas vidas mal vividas.

Sim, é neste ambiente movediço que mora a imensa maioria dos PMs. E são eles os que batem em retirada para salvar a sua pele e a de sua família diante de invasões de facções criminosas que já incluem a periferia de favelas, único lugar permitido ao PM como moradia. E é nesta situação aviltante, humilhante, desproporcional em termos de força, que insiste o PM em ficar, como insistia o major e sua esposa flagrado em situação fora do "certinho" das leis vigentes.
No meu modo de ver, e em função da realidade, talvez não houvesse outra forma de se defender dos bandidos e do covarde sistema situacional representado por quem abraça as leis sem noção de como ocorre o fato que a abalroa. Sem noção do limite de um Estado de Necessidade, por mais extemporâneo que o seja, mas que, em última análise, visa a proteger a vida e a liberdade do PM ora representado pelo casal de oficiais superiores que talvez estivesse introjetado em seus espíritos abandonados ao léu uma realidade de guerra insana não alcançada por engravatados e protegidos em suas bolhas de segurança.

E tudo isso ocorre porque a Lei Maior é ignorada, o Estado de Defesa é adiado, o Estado de Sítio é considerado "afronta" por políticos e burocratas ladrões que infestam os poderes da República Federativa do Brasil, esta que mais se assemelha à "República" grafada pela pena de ouro do mestre Lima Barreto. É neste panorama geral, é neste oceano de putarias envolvendo bilhões e quiçá trilhões de reais, dólares e euros surrupiados do erário público, é neste oceano assustador que se situa a "ilha de realidade" dos PMs flagrados em Estado de Necessidade (sem aspas mesmo!), para de algum modo não sucumbirem ao MAL maior de uma criminalidade cujas facções são mais poderosas que os maculados partidos políticos e as maculadas instituições burocráticas que infestam como praga irremediável o país.


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