“O mundo está perigoso para se
viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e
fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)
Engana-se quem pensa
que o tráfico de drogas mudou somente a paisagem das favelas no RJ,
acrescentando-lhe a imagem das quadrilhas armadas e homiziadas em meio à
miséria; porque, lamentavelmente, mudou também, dentre muitas outras, a
paisagem dos quartéis militares estaduais e a dos lares de PMs, os primeiros
envergonhados de si e os segundos enlutados diariamente. Porque, no fim de
contas, o milionário tráfico de drogas instituiu a distribuição de polpudas
propinas a pessoas que escolheram a vida militar estadual para se livrar da
imobilidade social que grassa como praga o país. Sim, sem essa de vocação!...
Já se foi o tempo da vocação!... O que muitos homens e mulheres de classes
menos abastadas atualmente buscam ao ingressar na PMERJ é um subemprego de alto
risco por um mínimo salário, porém associado a um falso poder que lhe possa
garantir vida social mais aproximada do que poderíamos definir como “classe
média de periferia”.
Para esses brasileiros sem
oportunidade de trabalho, nem mesmo o de “quebrar pedras” na construção civil,
a PMERJ lhes surge como redenção. E o tráfico concomitantemente lhes emerge
como oportunidade de ganho rápido e polpudo, pois é certo que os serviços informais
de segurança e as pequenas propinas contravencionais jamais suprirão as
vantagens oferecidas pelo tráfico... E, se de um lado o traficante se enche de
dinheiro, joias caras, carrões e mulheres bonitas, do outro o mau policial, que
antes era ou intentava ser um bom cidadão, ao não encontrar trabalho honesto
para o seu sustento, - e já de cabeça fraca e bucho vazio, - imita o traficante
buscando a qualquer custo os mesmos desvalores capitalistas. E ambos, bandidos
e PMs, unidos por laços comuns de interesse pecuniário, guerreiam ou negociam
entre si a divisão desses quinhões oriundos do mais vil comércio que enlameia
sem controle o planeta Terra; o narcotráfico. Que triste realidade!
Eis aí, sim, uma realidade nua e
crua até então impensável: ou a guerra do tráfico, que mata de parte a parte,
ou a negociação espúria entre maus PMs e “bons bandidos”, todos atrás do lucro
fácil que, por um lado, eventualmente lhes dá mais tempo de vida em desafinado
concerto, ou, por outro, encurta-a em confrontos sangrentos entre PMs e
bandidos que não se misturam. Mas ao fim e ao cabo tudo oscila como pêndulo dum
relógio da morte ou da cadeia nos seus extremos, sem meio-termo. E a sociedade,
no seu todo, contribui largamente para a existência, a manutenção e a pujança desse
comércio ilegal que funciona como engrenagem de um sistema transnacional sem
mais chefes ou líderes.
Sim, sim, o narcotráfico caminha com
suas próprias pernas formadas ao “modo Leviatã”, ou seja, por homens com ou sem
identidade que nascem e morrem na impunidade, ou são presos quando o véu dos
seus negócios escusos ou de suas guerras particulares vai ao chão do seu palco
de horrores num teatro em que a plateia é o Estado e a Sociedade igualmente
podres. Mas como esses homens e mulheres se proliferam em progressão
geométrica, substitui-se imediatamente qualquer vácuo humano que surja de
caminho, por ferimento, morte ou prisão, e em raros casos por abandono do lucro
fácil da parte de alguns que resolvem ir ao céu futuro em orações tardias.
É feio expressar tudo assim, é
terrível constatar de maneira tão crua esta realidade! Mas pior ainda é ignorar
esta agonia em que se enfiou a Sociedade do RJ e seu “Estado-Protetor”, ambos
formando um manancial único de PMs, traficantes e “cidadãos”, os últimos entre aspas
para diferençá-los dos primeiros, que são socialmente proscritos, sendo certo
que o descontrole de tudo nos permite apostar sem erro no caos total. E aqui,
talvez, e paradoxalmente, esteja a solução desta agonia social, pois, como nos
ensinou Erich Fromm, “a calamidade é ruim para o povo, mas boa para a
sociedade.”
Sim, tudo isso se configura numa
tenebrosa calamidade social que avança rumo aos bairros luxuosos de quem
comanda os pés de chinelo desde a monarquia. Refiro-me aos senhores da
Casa-Grande que ganham eleições ou se habilitam sem concorrentes ao poder
burocrático dos nomes de família que não perdem concurso público, de um lado
(plateia), tendo do outro os protagonistas historicamente amontoados naquele
palco de horrores: os nascidos e proliferados na Senzala, que é a miséria
escrava de ontem transformada na miséria favelada e periférica de hoje, e assim
o será amanhã. Será?...
Talvez, talvez, talvez... Posto ser
quase certo que um dia os barracos serão tantos que ruirão devido ao excesso do
seu próprio peso; e como avalanche invencível soterrarão os edifícios que os
usam como panos de prataria, até se tornarem inservíveis panos de chão e irem
ao monturo para onde escoam as coisas imprestáveis e doentes. Só que o monturo
se tornou montanha a aguardar a avalanche, tal como a neve a aguarda lá no
pico, até rolar em incontrolável ferocidade e destruir tudo onde ninguém supõe
ser possível. São assim os desastres: não escolhem dia, hora, lugar nem
corações, sejam puros ou impuros!...
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