O SONHO
A REALIDADE
Volto
ao assunto... Não há que reclamar da atual postura crítica do Sistema Globo em
relação às UPPs. Afinal, é a empresa de comunicação que mais incentivou a sua
criação e ainda insiste na manutenção delas, embora com ressalvas. Mas a
tendência é a da crítica neste momento em que já se observam nas UPPs irreversíveis
sinais de entropia. E confesso não saber se a resposta da PMERJ anunciando
medidas mirabolantes resolverá o problema. Porque este é o principal mote da
corporação ao ser pressionada ante o fracasso da novidade, não importando a
favela.
Aliás,
as UPPs reforçaram sobremodo a ideia de que aumentar o efetivo de PMs resolveria
tudo em se tratando de criminalidade. Contudo, esse falso costume reflete a
dura realidade de que se trata de antigo círculo vicioso: de um lado, a
população reclamando por mais policiamento; do outro, a PMERJ prometendo mais
policiamento, enquanto forma aos trancos e barrancos mais PMs sob o manto
ilusório da quantidade em detrimento da qualidade e da tecnologia. Ou deslocando
efetivos de algum lugar para outro, ficando aquele lugar primeiro vazio de
policiamento, o que muitas vezes não se percebe de imediato.
Eis
como a PMERJ vem ganhando tempo e ajudando os políticos a enganarem o povo, de
algum modo rodopiando naquele círculo vicioso do deslocamento de efetivos para
lá e para cá, aumentando-o aqui e ali. Só que, no caso das UPPs, e como o
efetivo é permanentemente concentrado num só lugar, sendo rapidamente conhecido
pelos favelados, mudar a regra não será fácil, a chiadeira virá em tempo real,
diferentemente de uma cidade em que a tropa está fracionada em terreno amplo.
Por exemplo: há algum tempo a PMERJ aumentou o efetivo da UPP-Mangueira de 120
para 320 almas. Rever esta decisão, nem pensar. Mas hoje a realidade sugere que
a população favelada não quer mais UPPs em suas comunidades...
Ora,
o aumento de efetivo nas UPPs está longe de ser solução para o problema
instituído em ufanismo. Na verdade não passa de engrenagem de um círculo que
permanecerá vicioso e tendente à entropia em virtude principalmente da omissão
dos demais organismos de segurança pública, em especial da Polícia Civil,
autista em relação às UPPs desde o início, e, ao que parece, conta com aval
superior para se manter “fora de situação”, como se tudo não passasse de invencionice
da PMERJ. E de certo modo não deixa de o ser...
Não
digo que os policiais civis não tenham razão... Pode a PCERJ estar certa de que
o círculo vicioso entrará em irrupção entrópica tal e qual um vulcão a
surpreender as suas vítimas. Mas enquanto as UPPs seguem aos tropeços, o certo
seria haver concomitantemente o exercício da atividade de polícia judiciária,
de modo a esbarrancar traficantes por meio da investigação criminal,
singularizando-os com provas robustas e levando-os às barras dos tribunais.
Isto, porém, não vem ocorrendo: a PCERJ, por meio das distritais, avança
somente quando há crimes de sangue envolvendo algum notório ou quando o
suspeito é PM, por não haver como se omitir nesses casos extremos, a imprensa
não dá trégua. Ou então atua em alguma busca e captura em favelas num contexto
que não significa apoio às UPPs ou nem ocorre em locais “pacificados”.
Hoje,
aliás, é possível diagnosticar a realidade das UPPs a partir do estudo de
inúmeras notícias veiculadas pela mídia escrita, radiofônica e televisiva. O
manancial garante desde já um importante diagnóstico de superfície e, em alguns
casos, até de profundidade. Enfim, não mais adianta à PMERJ anunciar trocas de
comando nas UPPs, não adianta sugerir a criação de novas estruturas, isto
cheira a improviso, o que acaba por consagrar a ideia de que tudo tem sido
improvisado desde o início. Porque a UPP é nada mais que um falido Posto de
Policiamento Comunitário (PPC), agora ampliado na base da conquista do terreno
por tropas especiais e ajuntamento de PMs rodopiando pelas favelas segundo a
mesma ótica (arrogante e inútil) de que essa presença inibirá a oportunidade de
os delinquentes praticarem seus crimes.
Ora, tal
consideração chega a aviltar quem já suou a camiseta combatendo tráfico em
favelas e sabe que esse hediondo crime na ponta da linha é bastante organizado,
possui contabilidade e demais ingredientes que o caracterizam como organização
criminosa. E os traficantes, dentro da hierarquia da organização, usam de
roupas simples a peças de grife, sendo contundente prova as suas armas de
guerra de última geração, estas que chegam a rodo do exterior pelas fronteiras
esburacadas dos países vizinhos.
A
verdade é que não há diferença entre o crime praticado na favela ou no asfalto.
São interligados, e o que diferencia um do outro é o fato de que as favelas
servem bem ao propósito do tráfico no varejo por serem situadas no meio da
riqueza. Demais disso, o desordenamento social favelado facilita o homizio dos traficantes
em todos os seus níveis hierárquicos (olheiros, aviões, vapores, soldados,
gerentes e chefes), com poucas variações estruturais.
O
tráfico tem ainda a vantagem de contar com a fácil reposição de sua mão de obra:
milhares de jovens sem qualquer chance de mobilidade social, algo, aliás, comum
também à PMERJ, que conta com o mesmo contingente de rotos e esfarrapados para
completar seus efetivos perdidos, ou para aumentá-los conforme a exigência do
ambiente, que é multifacetado e não permite jamais a certeza de que o efetivo é
suficiente para atender aos seus reais fins. Já o traficante não põe na sua
estrutura ninguém além da real necessidade dos seus negócios, o que nos permite
concluir que a estrutura do crime é mais organizada do que a do sistema
situacional estatal.
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