“O
mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas
por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert
Einstein)
A falência do sistema prisional brasileiro quase que se
reporta aos tempos coloniais. A verdade é que nunca o Brasil primou pelo que se
estabeleceu na ordem constitucional em se tratando de guarda de criminosos,
sejam temporários ou condenados. A regeneração individual da massa carcerária é
caso perdido exatamente porque o preso é tratado como “massa” tão logo ingressa
no presídio. E como o sistema prisional é coletivo, a partir de celas coletivas,
ao longo do tempo os presos se foram tornando “massa” e assim se organizando a
partir da reunião, sob um só teto, de presos comuns com presos políticos, o que
se deu no Presídio Candido Mendes, na ilha Grande/RJ, na década de 70, quando surgiram
as primeiras facções unidas por pensamentos coletivos e regras internas e
externas. Isto antes mesmo de se conhecer o tráfico como se vê nos dias de hoje
nas favelas em todo o Brasil, com grande capilaridade no asfalto, onde se
encontra a maioria da população viciada e compradora de drogas no varejo.
Ao falar em asfalto, não significa que me refiro a
consumidores abastados, não. Minha experiência pessoal enfrentando traficantes
em favelas me permitiu constatar que as pessoas pobres da própria favela e da
periferia consomem mais que as classes abastadas, estas, que se protegem e
recebem a droga a domicílio, não despertando muito a atenção da polícia a não
ser em situações escancaradas, o que é raro, polícia não gosta de se arriscar a
realizar incursões em prédios de luxo para dar flagrante, prefere as áreas
carentes, habitat dos traficantes no varejo, mas que possuem empresas
organizadas e hierarquizadas desde o vapor da ponta da linha ao traficante-mor
de uma ou mais favelas, desdobrando-se em “gerentes”, “soldados”, “endoladores”
(vocábulo que designa aqueles que preparam a pasta de cocaína e a maconha em
invólucros para serem comercializados um a um e aos milhares). À guisa de
ilustração, acrescento neste ponto matéria jornalística se reportando a uma
operação que comandei na favela de Acari, no final da década de 80, que bem
demonstra a pujança do tráfico ontem e hoje. E, pelo visto, assim sempre o será...
Naquela época, as armas mais corriqueiras da polícia e dos
traficantes eram metralhadoras, pistolas, revólveres e escopetas. Não era comum
o uso de fuzis e a mortalidade, de lado a lado, não era como hoje, claro que
por conta do uso de fuzis de última geração, nacionais e estrangeiros, tanto
pela polícia como pelos bandidos. Na verdade, o fuzil é arma da moda no mundo
inteiro, bastando observar policiais de países que de quando em quando ocupam o
noticiário por serem vítimas de terrorismo, não se podendo negar a facilidade
com que fuzis circulam nos subterrâneos da criminalidade comum e do terrorismo.
Também posto aqui matéria jornalística se reportando ao primeiro fuzil
sofisticado (Fuzil AR-15, versão civil do M-16, fabricado pela Colt norte-americana)
apreendido na favela de Acari por PMs meus comandados também no final da década
de 80, para mim um significativo marco de mudança nos hábitos de policiais e
bandidos em se tratando de armas e de mortalidade sem mais controle em virtude
de leis frouxas, que, a pretexto de defesa de direitos humanos, privilegia
bandidos bem mais que policiais, um absurdo que responde pelo caos nas ruas e
nos presídios brasileiros, tendo como alicerce o bilionário e transnacional
tráfico de drogas e de armas.
Creio
que neste ponto já se pode falar nos motins em diversos
presídios pátrios, sem preocupação em enumerar mortos e feridos ou fugas em
massa. A situação, de tão aberrante, salta aos olhos de todos os brasileiros e
se encaminha para o acirramento de uma “GRAVE PERTURBAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA”,
inegável situação de “ORDEM INTERNA” a demandar ações de DEFESA INTERNA por
parte das Forças Armadas, nos termos do Art. 142, caput, da CRFB. Mas antes se deve definir o significado do caput do Art. 144, que muita gente, por
conveniência, confunde e mascara o seu sentido, que deveria ser assumido pelos
gestores políticos nos três patamares do poder estatal: União, Estados
Federados e Municípios. Diz o Art. 144 no seu caput: “A segurança pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos: [...]”
Não é caso de listar os órgãos, ficando tal incumbência ao
leitor. Mas é caso de demonstrar que existe uma ORDEM capitulada no caput do Art. 142 que está sob o manto
das Forças Armadas (“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem.").
A distinção se explica
com facilidade ao se observar a Doutrina do Direito Administrativo da Ordem
Pública e seus conceitos, que são universais e consensuais entre os estudiosos
do assunto. A ORDEM PÚBLICA é uma SITUAÇÃO, a SEGURANÇA PÚBLICA é GARANTIA da ORDEM
PÚBLICA e a DEFESA PÚBLICA é o ATO. Só que a Doutrina, diante de uma situação
de desordem pública grave, designa-a como “GRAVE PERTURBAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA”,
indicando a necessidade de acionamento de um sistema de garantias mais poderoso
que o da Segurança Pública. Não é mais caso de “PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA”,
mas de sua “RESTAURAÇÃO”. Entra então em cena a SEGURANÇA INTERNA, garantia da
ORDEM INTERNA, demandando ações de DEFESA INTERNA. E se antecipar é preciso...
Tal situação, de fato, é o que acontece neste país que tenta
ignorar o óbvio por razões de natureza ideológica levada ao extremo da
estupidez e da deformação do indeformável, pois nenhuma ideologia pode anular a
DOUTRINA, que se situa na explicação da REALIDADE de maneira isenta e
científica. Mas é o que se vê e se ouve em discursos atrapalhados de um
presidente contaminado pelo medo de enxergar uma realidade que ele, por
formação, conhece sobejamente, assim como o seu ministro da Justiça, que
igualmente sabe por formação o que aqui explicito. Pois não lidamos com autoridades
públicas leigas no assunto, como é caso do presidente e de seu ministro. Muito em
contrário, ambos sabem o significado de cada palavra que aqui grafo para depois
concluir sobre o cerne desta reflexão, que é o “DEVER DO ESTADO” como grafado
no caput do Art. 144 da CRFB, e que significa a imposição do tal “DEVER” à
União, aos Estados Federados e aos Municípios”.
Contudo, o vício do cachimbo empurrou para o Estado Federado
um DEVER que não é somente dele, mas de todas as entidades políticas em que o
ESTADO BRASILEIRO está subdividido como subsistemas de um só sistema: UNIÃO,
ESTADOS FEDERADOS e MUNICÍPIOS, não havendo, portanto nenhuma obrigação a mais
por parte dos Estados Federados, mas uma obrigação que deveria estar
compartilhada pelos Municípios e pela União desde 1988. E agora, pela primeira
vez, a crise nos presídios escancara esses dois artigos constitucionais, que
deveriam ser levados mais a sério e sem esquivas por todos os gestores
políticos (prefeitos, governadores e presidente) numa progressão de baixo para
cima e não no meio (Estado Federados) ou de cima para baixo como um favor. Ou
então que se mude a CRFB.
Confesso que até então eu me sentia na contramão de direção
ao defender esse ponto de vista, até que a Globo News entrevistou, hoje, dia 15
de janeiro, um jurista, que, segundo o repórter, é de renome internacional e
especializado em segurança pública. E dele pude ouvir, em outras palavras, esta
mesma realidade conceitual descaradamente ignorada pelos atuais detentores dos
poderes da República, todos preocupados em enxugar gelo diante de um tsunami
que se encaminha para uma tragédia mais que anunciada, para uma CALAMIDADE
SOCIAL de grandes proporções, o que infelizmente parece que ocorrerá, pois no
meio de um grande incêndio a União propõe um copo d’água: um incompreensível
“plano” que a nada se antecipa, como manda um bom plano, mas apenas, como disse
na entrevista o estudioso cujo nome, por ser estrangeiro, embora seja ele
brasileiro, não gravei: “A União usa esparadrapo para remediar fratura exposta.”
Pois é estúpido anunciar a construção de seis presídios
federais como se prestasse favor aos Estados Federados. Enquanto isso, os
Municípios silenciam, pois não querem assumir suas responsabilidades
constitucionais, que incluem também a segurança pública e suas mazelas, dentre
elas a responsabilidade com o sistema prisional a nível localizado e
proporcional às suas populações e aos seus orçamentos, claro que integrados e
recebendo ajuda da União e dos Estados Federados (ressalva para os que estão
atualmente falidos por má gestão e roubalheira, mas vão se recuperar).
Sim, que acordem os Municípios! E que a União tente
solucionar o problema do excesso de massa carcerária de baixo para cima,
colaborando na rápida construção de pequenas unidades prisionais municipais,
que podem ser policiadas por PMs e Guardas Municipais treinados para a função
de agentes penitenciários numa primeira etapa. E que as Forças Armadas entrem
nesta questão, que é de DEFESA INTERNA, para a RESTAURAÇÃO DA ORDEM que está
grafada no Art. 142, caput, da CRFB,
como atribuição exclusiva dos militares federais. Ora, estão esperando o
quê?...
Ora bem, se nada disso acontecer haverá a CALAMIDADE, o que
não será o fim do mundo, pois, como disse o filósofo e psicólogo alemão Erich
Fromm:
“A CALAMIDADE É RUIM PARA O POVO, MAS BOA PARA A SOCIEDADE.”
Como
exemplos disso temos a Alemanha após a II Guerra Mundial, o Japão após
Hiroshima e Nagasaki, e San Francisco, Califórnia, após o grande incêndio de
1906, para não citar exemplos de soerguimento de outros povos afetados por
calamidade.
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