Sobre as UPPs
“O mundo está
perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa
dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)
"Jornal O Globo
- 27 jul 2015 - O Globo - MARCO GRILLO marco. grillo@ oglobo. com. BR
UPPs
mudam conceito de policiamento nas comunidades
Reportagens mostram várias fases do projeto. A notícia
surgiu nas páginas do GLOBO no dia 12 de novembro de 2008: “PM ocupa Cidade de
Deus e 7.700 ficam sem aulas”. Oito dias depois, uma ação semelhante
aconteceria em Botafogo: “Polícia ocupa o Morro Dona Marta”. Ainda sem nome,
começavam a nascer as Unidades de Polícia Pacificadora ( UPPs).
ANDRÉ TEIXEIRA / 19.12.2008
Novo
modelo. Recrutas observam o Morro Dona Marta, a primeira favela a receber uma
UPP
As reportagens já informavam sobre a intenção da PM
de permanecer por “tempo indeterminado”. As décadas de abandono e o extenso
domínio do poder paralelo, no entanto, deixavam dúvidas: seria possível
transformar a vontade em realidade? Quase sete anos depois, são 37 UPPs no Rio
e uma em Duque de Caxias.
— Dentro da lógica de retomada do território, a UPP
surgiu para atender a uma demanda da comunidade impedida de usar uma creche
pública por criminosos (no Dona Marta) — lembra o secretário estadual de
Segurança, José Mariano Beltrame. — Quase uma década depois, o projeto salvou
quase mil vidas, ao diminuir em 65% os homicídios dolosos e em 85,5% as mortes
decorrentes de ações policiais nessas áreas.
A polícia chegou antes à Cidade de Deus, mas a
primeira unidade foi instalada no Morro Dona Marta. A narrativa de uma favela
sem o domínio de bandidos foi explorada, com a desconfiança necessária a
qualquer bom trabalho jornalístico: “Uma favela sem tráfico. Até quando?”,
interrogava uma chamada na primeira página de 2 de dezembro de 2008. A
reportagem destacava que os traficantes não eram mais vistos circulando na
favela em Botafogo e que as bocas de fumo haviam sido fechadas. No dia 19 de
dezembro, foi inaugurada a primeira UPP, na ocasião chamada de Posto de
Policiamento Comunitário. Como revelado pelo GLOBO, 125 policiais recém-
formados seriam os responsáveis pela segurança na área.
Durante uma semana, o repórter Antônio Werneck e o
fotógrafo Gustavo Stephan foram diariamente ao Dona Marta. Conversaram com
moradores e, em 23 de dezembro, dormiram na mesma creche onde, um mês antes,
traficantes estavam escondidos e receberam a tiros os policiais que iniciaram o
processo de ocupação. Ainda havia tensão, mas sem o som dos fuzis.
— Depois da morte do (jornalista) Tim Lopes (assassinado
por traficantes na Vila Cruzeiro, em 2002), parei de entrar em favela. Mas a
retomada do Dona Marta pelo estado permitiu essa experiência. No início,
moradores ainda estavam muito desconfiados e não queriam falar. Aos poucos, fui
ganhando a confiança deles — lembra Werneck. — Já havia um burburinho sobre a
possibilidade de a polícia ocupar o morro, porém esse modelo permanente foi
surpresa.
Enquanto isso, na Cidade de Deus, um território bem
maior que o da favela de Botafogo, o trabalho policial avançava a passos mais
lentos. No dia 22 de dezembro de 2008, a manchete dizia: “Polícia ataca
finanças do tráfico na Cidade de Deus”. Os bandidos, naquela altura, ainda
estavam na comunidade — na véspera, um deles havia sido morto em confronto. No
dia 17 de fevereiro de 2009, O GLOBO mostrou que a comunidade havia ganhado o
seu posto policial. A partir dali, o nome Unidade de Polícia Pacificadora foi
oficialmente adotado.
O DIA D DA GUERRA AO TRÁFICO
Em 2009 e 2010, o projeto foi impulsionado e chegou
a morros de Copacabana, Leme, Tijuca, Centro e Ipanema. No fim de 2010, as
forças policiais chegaram aos complexos da Penha e do Alemão. “PM avança para
ocupar o bunker do tráfico na Penha” foi a manchete no dia 25 de novembro de
2010. No dia seguinte, em letras garrafais: “O dia D da guerra ao tráfico”.
Essa edição circulou com um caderno especial de 16 páginas — “A guerra do Rio”
— que contava todos os detalhes da operação que resultou na fuga em massa de
traficantes da Vila Cruzeiro. Após uma semana intensa, na segunda-feira, 29 de
novembro, a primeira página estampava: “O Rio mostrou que é possível”. Com a
bandeira do Brasil hasteada, o Alemão também havia sido ocupado. As UPPs, no
entanto, só seriam instaladas em 2012 — hoje são quatro no Complexo da Penha e
outras quatro no Alemão. No mesmo ano, foi inaugurada a unidade da Rocinha.
Em agosto de 2009, quase um ano após a instalação
da primeira UPP, O GLOBO publicou a série de reportagens “Democracia nas
favelas”. Por quatro meses, repórteres percorreram Dona Marta, Chapéu
Mangueira, Babilônia, Cidade de Deus, Batam e Tavares Bastos — esta não tinha
UPP, mas na época abrigava a sede do Bope. Os desafios na relação entre
moradores e policiais, os exageros da PM, as ameaças do tráfico, a volta de
moradores que foram expulsos pelo poder paralelo e a chegada de serviços às
favelas foram temas abordados. A série, de Carla Rocha, Fábio Vasconcellos,
Selma Schmidt e Vera Araújo, ganhou o prêmio Esso de jornalismo na categoria
Sudeste.
Em setembro do ano passado, o comandante da UPP
Nova Brasília, no Alemão, morreu após um tiroteio com bandidos. Em maio, a
intranquilidade voltou a dar as caras em Botafogo: “Dona Marta registra
primeiro confronto após criação de UPP”, dizia o título de uma matéria no dia
29. O caminho é longo, mas, quem acompanha essa história de perto, acredita que
o estado só tem uma saída.
— As UPPs integram um repensar da segurança, que
inclui a transformação do ensino nas academias das polícias e o nosso sistema
de metas de produtividade para um trabalho integrado entre os policiais. Nosso
trabalho abriu as comunidades para a entrada do Estado e uma agenda de
cidadania. Somos apenas o início de um processo do pagamento de uma dívida
histórica da sociedade com as comunidades — ressalta Beltrame.
MEU COMENTÁRIO
Nota-se na matéria, com todo respeito aos seus
autores, o depoimento apenas do que seria a “sociedade” (mídia e autoridades
interessadas). A “comunidade” não se manifesta, embora devesse representar o
principal testemunho sobre as UPPs, já que são “beneficiárias” do modelo de
policiamento que surgiu ao acaso e se tornou espécie de “salvação da lavoura”.
Afinal, no limiar da Copa do Mundo, a insegurança geral precisava de um freio
que permitisse sua ampla difusão e instituísse no meio empresarial,
principalmente, a certeza de sucesso financeiro da Copa do Mundo.
Claro que para a PMERJ o modelo de incursão
repressiva (conquista momentânea de território dominado pelo tráfico e ocupação
temporária) não lhe trazia surpresas. Também o caráter permanente de guarnições
em favelas já se fazia presente no cardápio operacional da corporação, com o
nome de Posto de Policiamento Comunitário (PPC), que começou a fracassar a
partir do tresloucado brizolismo que se instalou no RJ.
Como todos lembram, a pretexto de “salvaguardar os
direitos humanos” o caudilho proibiu ações policiais em favelas e pôs na
cabeceira das instituições policiais seus lídimos representantes políticos (da
PMERJ, do CBMERJ e da PCERJ), que com ele se aliaram na calada dos ambientes
fechados desde a sua chegada do exílio. Porque sua campanha, aparentemente sem
chances, resultou numa vitória retumbante a partir do lema “Brizola na cabeça”.
Sem qualquer alusão às “coincidências”, tudo aconteceu assim.
Sem PPCs, desativados no período, a atuação da
PMERJ caracterizou-se, no interregno entre um desmando brizolista e outro, por
incursões violentas e aparatosas em favelas, de modo a reverter a ideia de
impunidade do tráfico que já angariava seus ídolos, tornando os traficantes “famosos”
a serem reverenciados em músicas populares. Sem dúvida, os bandidos tornaram-se
mandatários absolutos das favelas, prêmio merecido pela silenciosa ajuda ao
caudilho nas eleições, nas quais se evidenciou sua retumbante vitória,
invertendo estatísticas que davam ao candidato da situação, Miro Teixeira, uma
cômoda vitória eleitoral com mais e 70% dos votos. Houve o inverso, Brizola
venceu com mais que isto.
Pior a emenda, veio o soneto, com Moreira Franco
vencendo as eleições seguintes mediante promessa eleitoral que garantia
eliminar a violência no RJ em “seis meses”. Venceu, e deste modo se obrigou a
cobrar da polícia muita ação no sentido de resgatar o Estado desmoralizado durante
os quatro anos anteriores. Claro que também não deu certo, apenas se trocou de
lado o peso da gangorra (repressão versus omissão), quando então o inesperado
mais uma surpresa: trouxe de volta o brizolismo dos desmandos, das retaliações
absurdas a policiais que não comungavam com seu estilo de governar, dos
assassinatos sistemáticos de policiais (especialmente de PMs fardados e
embarcados em viaturas caracterizadas), e das descontroladas chacinas se desdobrando
em outras, um inferno.
Mas este inferno não poderia custar nenhum preço à
empolgada mídia que apoiava descaradamente o caudilho, enquanto choviam
publicidades oficiais nas páginas dos jornais e nas telinhas da tevê, tudo com
a chancela do extinto BANERJ. Tempos bons... Muitas notícias e dinheiro a rodo,
o que propiciou a chance de reverter a gangorra de modo pesado, com o
dissidente brizolista Marcelo Alencar prometendo maior rigor contra os
desmandos da criminalidade do tráfico. E, se houvesse alguma dúvida, eele a
dissipou totalmente ao nomear seu secretário de Segurança Pública o famoso
“Pena Verde”, General do EB, que, como coronel, fora secretário da SSP/RJ nos
áureos tempos da ditadura.
Enfim, como diria o Stanislaw Ponte Preta, um
perfeito FEBEAPA que permaneceu vendendo ingresso até chegar o inusitado Sérgio
Cabral Filho ao poder, vindo ele do colo do Marcelo Alencar, afinado ao mesmo discurso
do “enfrentamento”, cujo ápice se deu no Complexo do Alemão (morte de 19
bandidos por policiais civis, com forte reação contrária da mídia e discursos acalorados
do governante e seus auxiliares em defesa dos policiais que mataram os
traficantes).
Sem rumo, então, veio o acaso a novamente trazer
surpresa, agora saudável e redentora: a incursão da PMERJ no Morro Dona Marta
para resgatar um direito dos favelados a utilizarem uma creche pública. Mas,
desta feita a PMERJ teve de permanecer por alguns dias, e assim explodiu como o
Big Bang a primeira UPP das 40 que hoje coexistem com o tráfico em
privilegiadas favelas do Rio (Será que se sentem privilegiadas?...).
De modo que não se é de estranhar o retrospecto
favorável às UPPs que estampa o Jornal O GLOBO de hoje. Afinal, as Olimpíadas
vêm a passos acelerados e a segurança precisa ser garantida na mente do povo,
embora já saibamos que existe uma convergência de interesses entre os traficantes,
que querem faturar maximamente durante a estada de estrangeiros no país, e o Estado,
que quer máxima paz durante os Jogos Olímpicos. Que pelo menos, então, haja a
“Paz”. Afinal, a “Paz” se integra ao famoso slogan do Comando Vermelho: “Paz,
Justiça e Liberdade”. Que assim seja!... Como na Copa do Mundo!... Porque sem
“Paz” não há de haver Olimpíadas nem Tráfico...
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