segunda-feira, 27 de julho de 2015

RIO EM GUERRA CXV

Sobre as UPPs

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

"Jornal O Globo - 27 jul 2015 - O Globo  - MARCO GRILLO marco. grillo@ oglobo. com. BR


UPPs mudam conceito de policiamento nas comunidades
Reportagens mostram várias fases do projeto. A notícia surgiu nas páginas do GLOBO no dia 12 de novembro de 2008: “PM ocupa Cidade de Deus e 7.700 ficam sem aulas”. Oito dias depois, uma ação semelhante aconteceria em Botafogo: “Polícia ocupa o Morro Dona Marta”. Ainda sem nome, começavam a nascer as Unidades de Polícia Pacificadora ( UPPs).



 ANDRÉ TEIXEIRA / 19.12.2008
Novo modelo. Recrutas observam o Morro Dona Marta, a primeira favela a receber uma UPP

As reportagens já informavam sobre a intenção da PM de permanecer por “tempo indeterminado”. As décadas de abandono e o extenso domínio do poder paralelo, no entanto, deixavam dúvidas: seria possível transformar a vontade em realidade? Quase sete anos depois, são 37 UPPs no Rio e uma em Duque de Caxias.

— Dentro da lógica de retomada do território, a UPP surgiu para atender a uma demanda da comunidade impedida de usar uma creche pública por criminosos (no Dona Marta) — lembra o secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame. — Quase uma década depois, o projeto salvou quase mil vidas, ao diminuir em 65% os homicídios dolosos e em 85,5% as mortes decorrentes de ações policiais nessas áreas.

A polícia chegou antes à Cidade de Deus, mas a primeira unidade foi instalada no Morro Dona Marta. A narrativa de uma favela sem o domínio de bandidos foi explorada, com a desconfiança necessária a qualquer bom trabalho jornalístico: “Uma favela sem tráfico. Até quando?”, interrogava uma chamada na primeira página de 2 de dezembro de 2008. A reportagem destacava que os traficantes não eram mais vistos circulando na favela em Botafogo e que as bocas de fumo haviam sido fechadas. No dia 19 de dezembro, foi inaugurada a primeira UPP, na ocasião chamada de Posto de Policiamento Comunitário. Como revelado pelo GLOBO, 125 policiais recém- formados seriam os responsáveis pela segurança na área.

Durante uma semana, o repórter Antônio Werneck e o fotógrafo Gustavo Stephan foram diariamente ao Dona Marta. Conversaram com moradores e, em 23 de dezembro, dormiram na mesma creche onde, um mês antes, traficantes estavam escondidos e receberam a tiros os policiais que iniciaram o processo de ocupação. Ainda havia tensão, mas sem o som dos fuzis.

— Depois da morte do (jornalista) Tim Lopes (assassinado por traficantes na Vila Cruzeiro, em 2002), parei de entrar em favela. Mas a retomada do Dona Marta pelo estado permitiu essa experiência. No início, moradores ainda estavam muito desconfiados e não queriam falar. Aos poucos, fui ganhando a confiança deles — lembra Werneck. — Já havia um burburinho sobre a possibilidade de a polícia ocupar o morro, porém esse modelo permanente foi surpresa.

Enquanto isso, na Cidade de Deus, um território bem maior que o da favela de Botafogo, o trabalho policial avançava a passos mais lentos. No dia 22 de dezembro de 2008, a manchete dizia: “Polícia ataca finanças do tráfico na Cidade de Deus”. Os bandidos, naquela altura, ainda estavam na comunidade — na véspera, um deles havia sido morto em confronto. No dia 17 de fevereiro de 2009, O GLOBO mostrou que a comunidade havia ganhado o seu posto policial. A partir dali, o nome Unidade de Polícia Pacificadora foi oficialmente adotado.

O DIA D DA GUERRA AO TRÁFICO

Em 2009 e 2010, o projeto foi impulsionado e chegou a morros de Copacabana, Leme, Tijuca, Centro e Ipanema. No fim de 2010, as forças policiais chegaram aos complexos da Penha e do Alemão. “PM avança para ocupar o bunker do tráfico na Penha” foi a manchete no dia 25 de novembro de 2010. No dia seguinte, em letras garrafais: “O dia D da guerra ao tráfico”. Essa edição circulou com um caderno especial de 16 páginas — “A guerra do Rio” — que contava todos os detalhes da operação que resultou na fuga em massa de traficantes da Vila Cruzeiro. Após uma semana intensa, na segunda-feira, 29 de novembro, a primeira página estampava: “O Rio mostrou que é possível”. Com a bandeira do Brasil hasteada, o Alemão também havia sido ocupado. As UPPs, no entanto, só seriam instaladas em 2012 — hoje são quatro no Complexo da Penha e outras quatro no Alemão. No mesmo ano, foi inaugurada a unidade da Rocinha.

Em agosto de 2009, quase um ano após a instalação da primeira UPP, O GLOBO publicou a série de reportagens “Democracia nas favelas”. Por quatro meses, repórteres percorreram Dona Marta, Chapéu Mangueira, Babilônia, Cidade de Deus, Batam e Tavares Bastos — esta não tinha UPP, mas na época abrigava a sede do Bope. Os desafios na relação entre moradores e policiais, os exageros da PM, as ameaças do tráfico, a volta de moradores que foram expulsos pelo poder paralelo e a chegada de serviços às favelas foram temas abordados. A série, de Carla Rocha, Fábio Vasconcellos, Selma Schmidt e Vera Araújo, ganhou o prêmio Esso de jornalismo na categoria Sudeste.

Em setembro do ano passado, o comandante da UPP Nova Brasília, no Alemão, morreu após um tiroteio com bandidos. Em maio, a intranquilidade voltou a dar as caras em Botafogo: “Dona Marta registra primeiro confronto após criação de UPP”, dizia o título de uma matéria no dia 29. O caminho é longo, mas, quem acompanha essa história de perto, acredita que o estado só tem uma saída.




 — As UPPs integram um repensar da segurança, que inclui a transformação do ensino nas academias das polícias e o nosso sistema de metas de produtividade para um trabalho integrado entre os policiais. Nosso trabalho abriu as comunidades para a entrada do Estado e uma agenda de cidadania. Somos apenas o início de um processo do pagamento de uma dívida histórica da sociedade com as comunidades — ressalta Beltrame.

MEU COMENTÁRIO

Nota-se na matéria, com todo respeito aos seus autores, o depoimento apenas do que seria a “sociedade” (mídia e autoridades interessadas). A “comunidade” não se manifesta, embora devesse representar o principal testemunho sobre as UPPs, já que são “beneficiárias” do modelo de policiamento que surgiu ao acaso e se tornou espécie de “salvação da lavoura”. Afinal, no limiar da Copa do Mundo, a insegurança geral precisava de um freio que permitisse sua ampla difusão e instituísse no meio empresarial, principalmente, a certeza de sucesso financeiro da Copa do Mundo.

Claro que para a PMERJ o modelo de incursão repressiva (conquista momentânea de território dominado pelo tráfico e ocupação temporária) não lhe trazia surpresas. Também o caráter permanente de guarnições em favelas já se fazia presente no cardápio operacional da corporação, com o nome de Posto de Policiamento Comunitário (PPC), que começou a fracassar a partir do tresloucado brizolismo que se instalou no RJ.

Como todos lembram, a pretexto de “salvaguardar os direitos humanos” o caudilho proibiu ações policiais em favelas e pôs na cabeceira das instituições policiais seus lídimos representantes políticos (da PMERJ, do CBMERJ e da PCERJ), que com ele se aliaram na calada dos ambientes fechados desde a sua chegada do exílio. Porque sua campanha, aparentemente sem chances, resultou numa vitória retumbante a partir do lema “Brizola na cabeça”. Sem qualquer alusão às “coincidências”, tudo aconteceu assim.

Sem PPCs, desativados no período, a atuação da PMERJ caracterizou-se, no interregno entre um desmando brizolista e outro, por incursões violentas e aparatosas em favelas, de modo a reverter a ideia de impunidade do tráfico que já angariava seus ídolos, tornando os traficantes “famosos” a serem reverenciados em músicas populares. Sem dúvida, os bandidos tornaram-se mandatários absolutos das favelas, prêmio merecido pela silenciosa ajuda ao caudilho nas eleições, nas quais se evidenciou sua retumbante vitória, invertendo estatísticas que davam ao candidato da situação, Miro Teixeira, uma cômoda vitória eleitoral com mais e 70% dos votos. Houve o inverso, Brizola venceu com mais que isto.

Pior a emenda, veio o soneto, com Moreira Franco vencendo as eleições seguintes mediante promessa eleitoral que garantia eliminar a violência no RJ em “seis meses”. Venceu, e deste modo se obrigou a cobrar da polícia muita ação no sentido de resgatar o Estado desmoralizado durante os quatro anos anteriores. Claro que também não deu certo, apenas se trocou de lado o peso da gangorra (repressão versus omissão), quando então o inesperado mais uma surpresa: trouxe de volta o brizolismo dos desmandos, das retaliações absurdas a policiais que não comungavam com seu estilo de governar, dos assassinatos sistemáticos de policiais (especialmente de PMs fardados e embarcados em viaturas caracterizadas), e das descontroladas chacinas se desdobrando em outras, um inferno.

Mas este inferno não poderia custar nenhum preço à empolgada mídia que apoiava descaradamente o caudilho, enquanto choviam publicidades oficiais nas páginas dos jornais e nas telinhas da tevê, tudo com a chancela do extinto BANERJ. Tempos bons... Muitas notícias e dinheiro a rodo, o que propiciou a chance de reverter a gangorra de modo pesado, com o dissidente brizolista Marcelo Alencar prometendo maior rigor contra os desmandos da criminalidade do tráfico. E, se houvesse alguma dúvida, eele a dissipou totalmente ao nomear seu secretário de Segurança Pública o famoso “Pena Verde”, General do EB, que, como coronel, fora secretário da SSP/RJ nos áureos tempos da ditadura.

Enfim, como diria o Stanislaw Ponte Preta, um perfeito FEBEAPA que permaneceu vendendo ingresso até chegar o inusitado Sérgio Cabral Filho ao poder, vindo ele do colo do Marcelo Alencar, afinado ao mesmo discurso do “enfrentamento”, cujo ápice se deu no Complexo do Alemão (morte de 19 bandidos por policiais civis, com forte reação contrária da mídia e discursos acalorados do governante e seus auxiliares em defesa dos policiais que mataram os traficantes).

Sem rumo, então, veio o acaso a novamente trazer surpresa, agora saudável e redentora: a incursão da PMERJ no Morro Dona Marta para resgatar um direito dos favelados a utilizarem uma creche pública. Mas, desta feita a PMERJ teve de permanecer por alguns dias, e assim explodiu como o Big Bang a primeira UPP das 40 que hoje coexistem com o tráfico em privilegiadas favelas do Rio (Será que se sentem privilegiadas?...).

De modo que não se é de estranhar o retrospecto favorável às UPPs que estampa o Jornal O GLOBO de hoje. Afinal, as Olimpíadas vêm a passos acelerados e a segurança precisa ser garantida na mente do povo, embora já saibamos que existe uma convergência de interesses entre os traficantes, que querem faturar maximamente durante a estada de estrangeiros no país, e o Estado, que quer máxima paz durante os Jogos Olímpicos. Que pelo menos, então, haja a “Paz”. Afinal, a “Paz” se integra ao famoso slogan do Comando Vermelho: “Paz, Justiça e Liberdade”. Que assim seja!... Como na Copa do Mundo!... Porque sem “Paz” não há de haver Olimpíadas nem Tráfico...


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