domingo, 24 de maio de 2015

RIO EM GUERRA LXXX


“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

Do G1 Rio

20/05/2015 17h44 - Atualizado em 20/05/2015 17h44

Alerj reúne entidades para discutir futuro da Maré após saída do Exército

Reunião aberta ao público acontece nesta quinta às 9h.

Objetivo é conversar sobre a saída das Forças Armadas.


Militares em patrulha na favelas da Maré (Foto: Christophe Simon/AFP)

O plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no Centro, recebe às 9h desta quinta-feira (21) representantes de 36 entidades que atuam no Conjunto de Favelas da Maré para uma reunião com o Fórum de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo é conversar sobre a proximidade da retirada por completo das Forças Armadas da região, prevista para 30 de junho.

A expectativa sobre a entrada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) é grande e a reunião vai discutir o futuro da Maré, segundo a Alerj. O encontro será aberto ao público. Presidentes das associações de moradores e de organizações não governamentais que atuam no complexo da Maré foram convidados.

"Nossa proposta é criar um ambiente de sinergia e convergência de ações, que envolvam a sociedade civil organizada e as universidades", explicou o presidente da Alerj e do Fórum, deputado Jorge Picciani (PMDB).

No início de abril, a Polícia Militar do Rio de Janeiro começou a substituir os cerca de 3.300 mil homens da Marinha e do Exército que ocupam o Conjunto de Favelas da Maré, no Subúrbio do Rio. O processo de transição será feito em três etapas. As comunidades da Praia de Ramos e Roquette Pinto foram as primeiras, segundo a polícia.

A segunda etapa do processo de transição, com a ocupação das favelas de Nova Holanda, Parque União, Rubem Vaz e Nova Maré, aconteceu no início de maio. (veja infográfico abaixo).



O Conjunto de Favelas da Maré tem área de 7 km², às margens da Baía da Guanabara, e abriga cerca de 140 mil habitantes. O complexo é formado pelas favelas: Praia de Ramos, Parque Roquete Pinto, Parque União, Parque Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Conjunto Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Vila dos Pinheiros, Conjunto Pinheiros, Conjunto Novo Pinheiro – Salsa & Merengue, Vila do João e Conjunto Esperança.



MEU COMENTÁRIO


Trata-se de população maior que a de muitos municípios fluminenses, mais que Maricá, por exemplo, e mais de seis vezes a população de Paty do Alferes. Porém condensada em apenas 7 Km2 de vielas e construções desordenadas. E muitos votos, o que explica o vivo interesse dos políticos. Aparentemente é bom, desde que a localidade não se torne apenas alvo de cobiça eleitoral.

A par do perigo que representa o proselitismo, a Favela da Maré soma-se a outros mais problemões a serem enfrentados pela PMERJ para atender à paranoia das UPPs. Não que sejam elas ruins no contexto das populações beneficiadas. O princípio que rege as UPPs é o da concentração de policiamento preventivo (inibição de oportunidade), o que antes ocorria somente em grandes eventos, com destaque para o Carnaval, que bem explica esta lógica do policiamento extraordinário. Porém, como a própria denominação indica, não é um policiamento ordinário, normal, é algo que precisa ser desfeito, refeito, e assim sucessivamente, o que a mobilidade da PMERJ permite, se mantida a regra...

Mas a permanência da concentração de efetivos em áreas superpovoadas, que por si sós lembram um processo de estagnação tendente a explodir, põe a PMERJ como apenas mais um ingrediente a se somar ao círculo vicioso. Porque não há ordenamento social em favelas. A lógica do ordenamento social passa pela organização (urbanização) do espaço povoado, com todas as estruturas indispensáveis ao conforto mínimo do povo em situações que se veem nas zonas urbanizadas (linhas de ônibus, ruas transitáveis por veículos, saneamento básico, energia elétrica, telefones, colégios, sistemas de atendimento hospitalar e comércio capazes de atender às necessidades básicas de adultos e crianças, homens e mulheres. Em existindo esta organização, que é estrutural, pode-se então cogitar uma ordem social que evoluirá naturalmente. Deste ordenamento social mínimo se pode pensar numa ordem pública, que decorre da ordem jurídica comum a toda a população do asfalto e da favela, que representam ou deveriam representar o todo da sociedade amparada pela Carta Magna.

Mas não é assim. O povo favelado não possui ao seu dispor uma ordem social. O conglomerado humano favelizado bem demonstra a falência da sociedade e do seu estado, cuja função-síntese é a de prestar segurança, como nos ensina a doutrina do Direito Administrativo da Ordem Pública. Mas não o faz nem suficientemente...

Neste ponto emerge a eterna discussão sobre a culpa de existirem favelas. A sociedade formal culpabiliza o estado por permitir que favelas nasçam e proliferem, não lhe importando os motivos econômicos nem as causas dessa explosão demográfica a aumentar a pauperização do povo. Já este povo, orgânico por natureza, que se inventa e reinventa para sobreviver sem ordenamento social, recebe do estado uma ordem sistematicamente repressiva, primeiro pelo inelutável preconceito do sistema formal em relação ao sistema informal. Significa dizer que mesmo antes de os complexos favelados serem dominados pelo tráfico o estado já lhe era repressor por excelência, principalmente em vista de uma sociedade que os excluía, como ainda hoje os exclui.

São razões históricas sobejamente estudadas por acadêmicos das ciências sociais, esmiuçadas até a pulverização, porém apenas traçadas no papel como explicação do fenômeno, assim como a solução dele não ultrapassa o rabisco em papéis que já se tornaram pergaminhos enquanto as favelas resistem como podem à dura realidade da falta de tudo.

Esta realidade, que antes era desenhada pela sociologia como “pobreza, indigência e miséria”, hoje é escamoteada pelo traçado de uma “linha de pobreza” separando quem é pobre de quem é rico por meio de itens de renda e consumo.

Para o pobre fugir desta imaginária “linha de pobreza”, o estado, com o aplauso da sociedade, instituiu um conceito simples de renda, que passou a distribuir como um autêntico tesouro ao favelado e aos pobres em geral: os sistemas de bolsa-família, que aqui ponho para não cansar o leitor citando todas as “bolsas” que, se somadas, não garantem mais que uma subsistência mínima e indigna.

Mas entre viver famelicamente ou aceitar a esmola, melhor a segunda opção. É como vive hoje os “abaixo da linha de pobreza”, em número menor devido ao artifício estatal que mudou o conceito sociológico dos três níveis: pobreza, indigência e miséria (vide AVILA, Fernando B. - Desafio da pobreza. RJ CBCISS Debates Sociais. v. 17, n° 33, 1981):

Pobreza - um estado habitual de privação de bens supérfluos, carência de bens necessários à condição social e restrita suficiência bens necessários à subsistência. A indigência - um estado habitual de privação de bens supérfluos e dos bens necessários à condição social e insuficiência dos bens necessários à condição social e insuficiência dos bens necessários à vida. E por miséria - um estado habitual de carência, tanto dos bens supérfluos e necessários à condição social, quanto dos bens necessários à vida.

Mudou-se o conceito por vontade do estado esquerdista, populista e demagogo, não mudou a realidade da pobreza, da indigência e da miséria, situações nítidas em quaisquer favelas. E é neste caldo de cultura, caracterizado pela ausência quase absoluta do estado e da sociedade, que floresce o tráfico com suas regras de controle baseada no terror das armas e não em nenhum assistencialismo, isto é pura ilusão, os traficantes são capitalistas típicos, tais como outras categorias criminosas de submundo que só pensam amealhar o máximo e só admite abrir seus ocultos cofres para remunerar a inércia policial e incômodos semelhantes. Para se livrar deles...

Neste ambiente de miséria, pobreza e indigência, e corrupção, o estado instalou então as UPPs, não para libertar a favela, mas para desafogar o asfalto na medida em que espantou as áspides do seu habitat. Porque, pressionados pela presença policial inédita, o primeiro momento dos traficantes foi de pânico e fuga. Todavia, após um tempo nem tão longo, os traficantes perceberam que não havia tanta diferença no ambiente que dominavam sem se importar com a visibilidade. Tornaram-se então invisíveis, e passaram a neutralizar as UPPs de todos os modos, incluindo-se os de sempre: propina e retaliações armadas.

Claro que essas retaliações mereceram e ainda merecem reações. Só que a PMERJ, representante isolada do estado e organismo repressor por índole, está sozinha nesse saco de gatos, recebendo arranhões por todo o seu corpo físico e moral. E está a mais e mais aprisionada às favelas, de onde, aliás, não mais conseguirá sair, não por preferência dos favelados, que, se antes eram pressionados por um déspota (traficantes), agora o é também por outro déspota (PMERJ). E o asfalto, – vazio de polícia na proporção exata do seu deslocamento e de sua concentração em favelas, – o asfalto começa a sentir os efeitos desse esvaziamento sem retorno.

Considerando-se que o estado não é fonte inesgotável de recursos, que as favelas não serão urbanizadas como os políticos prometeram, nem serão policiadas preventivamente, como se observa pelas reações dos traficantes já acumulando muitos assassinatos de PMs, terão os favelados, então, de conviver com dois déspotas, enquanto a sua prole ocupa o asfalto para se desforrar a facadas em corpos físicos da sociedade formal.

Eis a situação atual, eis como a PMERJ, por ordem maior do seu estado-pagador, se enfiará a mais e mais no pântano movediço das favelas, territórios demarcados por bandidos mais poderosos em número e mais servidos em armas que todo o aparato estatal, incluindo as Forças Armadas, que não mais querem saber de “lei e ordem” nos termos e moldes em que se enfiaram na Maré. Que fique a “Geni” a se virar!...


Numa situação assim, que pretende a ALERJ além de enxugar gelo?...

Um comentário:

Anônimo disse...

Lamentável, reconheço que estamos abandonados .
Quero cumprir o resto de meus dias nessa terra em paz, já me vejo, para alcançar isso, ter de abandonar o Rio de Janeiro.