quarta-feira, 6 de maio de 2015

RIO EM GUERRA LXVI


“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)


Cel PM RR Paulo Cesar Lopes (JORNAL EXTRA)

02/05/15 12:49 Atualizado em 02/05/15 12:49 


Artigo: da falácia da pacificação à mixórdia organizacional - caos na segurança pública (Parte 4)

Paulo Cesar Lopes*

Uma organização militar, como é a PMERJ (Art. 42 CR/88), para o seu regular funcionamento e eficiência necessita de rigorosa observância de duas características basilares: HIERARQUIA e DISCIPLINA. Sem disciplina, uma organização torna-se disfuncional. Aqui reitero a minha advertência para os anarquistas que defendem a desmilitarização. Comandem! Bondade em excesso é condescendência.

Comandar é ter aptidão para conduzir homens. É ter iniciativa, coragem, decisão para contrariar interesses individuais na busca incessante do alcance do interesse supremo — o interesse público. Quer incongruência maior do que uma Polícia Militar civil? Leiam a Constituição, antes de se manifestarem de forma irrazoável. As Polícias Militares são forças militares estaduais (artigo 42 da Constituição da República de 1988) e constituem reserva do Exército Brasileiro. Portanto, comportem-se como militares, não como simulacros.

Por oportuno, registro a seguir uma série de descalabros, sucedidos no último quinquênio, que conduziram a segurança pública ao colapso atual:

1. Fragilização do sistema disciplinar, com a adoção de uma permissividade com violações jamais observadas. Como se explicar um policial militar ser investigado pela Polícia Federal em 2011, por envolvimento com traficantes da Rocinha e, em 2015, ainda ostentar a condição de policial militar e ser acusado do latrocínio de um oficial do exército português? Algo está errado.

2. Reintegração, mascarada de revogação, de policiais militares demitidos por faltas graves. Ignorando-se que o ato punitivo, não obstante seja discricionário, ele se exaure como vinculado. Sendo incabível a sua revogação.

3. Extinção de vários batalhões, sem qualquer razoabilidade (1ºBPM, 13º BPM, BPFer, BPTran). O Centro da cidade hoje é um paraíso para a atuação dos assaltantes. Nas manifestações de 2013 percebeu-se nitidamente a falta que o 1º e 13º BPM fazem na realização de operações tipo polícia.

4. Venda do terreno da Escola Superior de Polícia Militar (EsPM), com a promessa que se construiria outra nos Afonsos, juntamente com uma policlínica — o que não se concretizou. Na atualidade, a EsPM funciona precariamente em duas sala cedidas pelo Moinho Fluminense.

5. Extinção do Laboratório Industrial Farmacêutico para atender a interesses corporativos de multinacionais de medicamentos, deixando sem qualquer emprego mais efetivo o quadro de farmácia.

6. Aeronave abatida em operação aérea, por falta de ação de inteligência e planejamento na ocupação, por forças terrestres, das localidades objeto de pretensa invasão por narcotraficantes.

7. Eliminação de dez turmas de oficiais, obrigadas pelas circunstâncias a passar para a reserva, sem terem oportunidade de demonstrar os conhecimentos adquiridos ao longo da carreira, ensejando um hiato na regular transmissão de experiências, e propiciando que oficiais inexperientes assumissem o comando. Isto, sem considerar-se o prejuízo causado ao erário estadual com tais medidas.

8. Greve de policiais militares numa verdadeira afronta ao artigo 142, § 3º, IV CR/88 e ao Código Penal Militar. E o que é mais temerário, por frouxidão, os grevistas obtiveram várias conquistas.

9. Desempenho pífio por falta de adestramento e emprego tático equivocado do BPChoque nos distúrbios de 2013. Policiais militares das unidades regulares agredidos e humilhados por manifestantes, por falta de instrução e comando.

10. Viaturas depredadas e queimadas nos distúrbios de 2013, por falta de observância do protocolo de controle de distúrbios civis.

11. Anômala criação de um batalhão para grandes eventos. Que absurdo! Grandes eventos se inserem no espectro do policiamento ostensivo extraordinário, que sempre foi executado com serviço extra, mediante planejamento da terceira seção do Estado-Maior Geral e mobilização de pessoal feita pela primeira seção. E o que é pior: um batalhão com deficiente disciplina individual e tática. Basta dizer, que usam o capacete, um (EPI), pendurado no pescoço. Sugiro a extinção desse batalhão e sua consequente transformação em uma unidade de policiamento a pé, sediado nas instalações do extinto 13ºBPM, com atuação no Centro da cidade — nos dias atuais, tão carente de policiamento ostensivo.

12. Aquisição de cabinas blindadas com ar-condicionado e persianas — só faltou uma cama para um bom sono. A atividade de polícia envolve risco, sendo contraproducente quem tem o dever de prover a segurança pública ficar hermeticamente confinado. Que segurança se oferece para o cidadão se utilizando tal tipo de abrigo para proteção policial? Fácil concluir-se que tal aparato promove a insegurança subjetiva, pois a sensação da população é de absoluta falta de proteção. No mesmo diapasão foram adquiridas torres de seguranças para policiamento nas vias especiais. Pasmem: a velocidade média nessas vias é de 90km/h, o que torna absolutamente inviável a observação. Com o passar do tempo, verificou-se a impropriedade de tais instalações que foram na sua grande maioria abandonadas. Em consequência o erário estadual, mais uma vez, a exemplo do que aconteceu com a aquisição imprópria de contêineres de lata para as UPPs, suportou os prejuízos de tal bizarrice; sendo certo que o custo de aquisição variou entre R$ 120 mil a 140 mil por unidade. Sabem de nada, inocentes!

Frise-se para reflexão daqueles que proferem sentenças ao arrepio da razão, com o escopo de elidir sua incompetência: nos últimos trinta anos, jamais ocorreram tais fatos. O militar é uma espécie do gênero agente público e sua atuação deve se restringir ao espaço autorizatório da lei, por força do princípio da legalidade estrita. Qualquer atuação fora desses limites constitui excesso ou desvio de poder. Revogar punições privativas de liberdade, autorizar o não uso da cobertura (gorro, boina etc.) são exemplos de violações que configuram o mau uso do poder; além de tipificarem, em tese, crime militar — inobservância de lei, regulamento ou instrução (artigo 324 CPM).

Policiais militares não são engenheiros. Portanto, absolutamente descabido desconstruir para construir. Isto é próprio de quem está perdido. De quem não conhece e não respeita a doutrina consolidada da corporação. Até porque, muitos passaram a maior parte do tempo de serviço em órgãos estranhos à corporação.

Saiam da contramão. Hodiernamente, qualquer organização prioriza o mérito como referência na ascensão profissional. Se inspirem nos exemplos positivos das Polícias Federal e Civil. Como se pode defender uma entrada única. Entrada única é própria de estábulo. Restrinjam tal sistema apenas aos quadrúpedes solípedes do RPMont. A Constituição só autoriza a ascensão nos moldes do Art 37, II, CR/88 (concurso público), não concurso interno, conforme proposto.

Não basta a desqualificação das praças com a malsinada promoção por tempo de serviço? A continuar tal absurdo, se desmotiva os preparados intelectualmente e sobrecarrega-se o erário estadual com uma folha de pagamento inchada por promoções por tempo de serviço.

Este conjunto de desatinos tem conduzido a PMERJ a um estágio de indisciplina e ineficiência operacional significativos, gerando na população fluminense o medo difuso, em função do estado caótico que se encontra a segurança pública no Rio de Janeiro, dito pacificado.

*Paulo Cesar Lopes é coronel da PM do Rio na reserva


MEU COMENTÁRIO


Sobre o texto do Cel RR Paulo Cesar Lopes, publicado no Jornal EXTRA, de grande circulação, devo dizer o seguinte:

1) Trata-se de pesada crítica ao último lustro de vida da PMERJ. Portanto se excluem os períodos anteriores, o que me deixa em dúvida, pois alguns fatos podem se reportar a mais de cinco anos.

2) Também não conheço muitas informações que baseiam algumas críticas. Já outras não apenas sei como concordo com a assertividade do articulista ao expô-las, em especial quanto ao absurdo da alienação da ESPM, em Niterói, patrimônio histórico da extinta PMRJ que foi vilipendiado em todos os sentidos.

3) Sei também que por pouco não extinguiram o Colégio da Polícia Militar, sediado no Fonseca, Niterói, nas antigas instalações não menos históricas da Ala de Cavalaria da extinta PMRJ.

4) O mais interessante, todavia, diz respeito ao que observei no campo de comentários do Jornal EXTRA, que não poupa o articulista em vez de avaliar com isenção suas denúncias bastante graves. Até parece patrulhamento ideológico... Mas vamos ver aqui como se comportam meus leitores, sendo certo que a polêmica é válida e a ofensa, proibida...

5) Por entendê-lo importante, repiso aqui o texto dele, mesmo discordando em parte, não dos temas, mas da forma de anunciá-los. Por outro lado, como eu já disse, não lhe posso negar valor, pois ele aponta para um irreversível processo entrópico que venho denunciando faz tempo, em especial quanto ao desprezo da disciplina consciente que deveria primar no modelo hierárquico-militar que caracteriza constitucionalmente a PMERJ.

6) Que ela, a PMERJ, anda esquecida desses valores, é de se sentir na pele de quem veste a farda, mormente os inativos. Porque não há mais respeito entre superiores e subordinados, como antigamente, embora as regras sejam as mesmas. Sim, é verdade, o subordinado de hoje não mais respeita o posto ou a graduação, mas somente o cargo de quem se encontra em atividade e pode efetivamente retaliá-lo no caso de quebra da hierarquia e da disciplina.

7) Sabem os subordinados, como regra, – (excluo os casos em que subordinados e superiores são amigos ou se conhecem, ou quando os primeiros reconhecem que seu superior hierárquico, inativo, mesmo nesta condição tem algum prestígio com os ativos), – sabem os subordinados, como regra, que os inativos não serão prestigiados, em detrimento de si, por seus comandantes, chefes e diretores, com os quais, muitas vezes, guardam estranhas e inconfessas relações de promiscuidade.

8) Tal deformidade institucional elimina a possibilidade de os inativos, – que por dever e mérito se preocupam com a instituição à qual se integram, tais como os ativos, – elimina a possibilidade de os inativos interferirem como espécie de “fiscais” de comportamentos desviados que observam em todo o RJ por onde estão circulando. Sim, faltam canais de comunicação entre inativos e ativos, pois estes últimos, mesmo sabendo que serão um dia inativos, preferem a distância daqueles que consideram “institucionalmente mortos”.

9) Esse desprezo vem custando caro à PMERJ, esta que ainda sofre as consequências de fracionamentos e fusões abruptas e desagradáveis ao longo de sua existência, o que faz predominar o nefasto exercício de facções intramuros, talvez o único ensinamento que permaneceu vivo na mente dos novos, que hoje se autodestroem e levam a instituição à entropia, e quiçá ao fim, sem qualquer chance de homeostase.

10) Por derradeiro, mais concordando que discordando do articulista, creio ter sido muito útil seu desabafo, que me parece típico de quem se dedicou à carreira com vigor, embora guardando em si o gosto da polêmica (e não da ofensa), o que, no meu modo de ver, é ótimo! Sendo certo, porém, que não podemos confundir o significado dos vocábulos, que agora lembro apelando para o Aurelião: “polêmica[F. subst. do adj. polêmico.] Substantivo feminino. 1. Debate oral; questão, controvérsia. [Dim. deprec. (irreg.): polemícula. Cf. polemica, do v. polemicar.]”. Ou: “ofensa [Do lat. offensa.] Substantivo feminino. 1. Injúria, agravo, ultraje, afronta. 2. Lesão, dano. 3. Desconsideração, desacato; menosprezo. 4. Postergação de preceitos; violação de regras; transgressão; pecado, falta. 5. Mágoa ou ressentimento de pessoa ofendida.”


11) Portanto, polemizar é preciso! Ofender, jamais!... 

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