Ando meio desanimado. Vejo-me em pessimismo diante dos
acontecimentos policiais que só dão conta de fracassos. Sim, pois não há um só
dia em que os jornais não estão apinhados de notícias ruins. São tragédias
afetando cidadãos e suas famílias, ou notícias desmerecendo a polícia, em especial
a PMERJ, o que me obriga a adotar uma postura crítica, muito a contragosto,
pois sempre sonho com uma corporação melhor e feliz, o que, infelizmente, sei
ser utopia. Mas, em vista disso, vou postar aqui algumas histórias de PM para distrair.
Se forem verdadeiras ou falsas, deixo com o leitor a conclusão. Feita a
advertência eis a primeira:
OS AZARADOS
Serafim
e Expedito eram dois eternos azarados, tanto quando estavam juntos como quando
separados. Juntos porque ambos eram milicianos e formavam uma singela dupla de
radiopatrulha, para que não se comece logo pensando que eram gueis ou algo que
o valha, o que já lhes seria uma errônea interpretação ou má sorte, porque,
machões como arrogavam ser, não lhes ficaria bem encaixilhada a dúvida, o que
já lhes seria um azar. Mas, convenhamos, a má sorte eles efetivamente
carregavam, e muita, fardo tão pesado que até devo ter alguma cautela, cruzar
os dedos, apelar para a proteção duma figa de guiné ou enfiar no bolso um trevo
de quatro folhas e demais mandingas, de modo que não me atinja a urucubaca
desses dois milicianos, como vocês poderão constatar, esperando que não deem
nenhuma topada no caminho desta leitura nem cortem o dedo ao virar a página...
Sim,
o caiporismo deles vinha longe no tempo, desde crianças. Se lhes começássemos
agora a contar as quebraduras de ossos, difícil seria saber quem ganharia de
quem, e somente considerando os casos de prova concretizada. Serafim venceria
Expedito por uma costela quebrada a mais. Em compensação, Expedito daria um
banho de vitória em Serafim na hora de lhes contar as cicatrizes. Eram marcas
para todos os lados, em ambos, que mais pareciam que eles haviam um dia
participado da Guerra do Paraguai, mas no papel de soldados de Solano López e a
enfrentarem o 12º de Voluntários da Pátria. Em serviço, na PMERJ, e em matéria de marcas de tiro
nas carcaças, estavam quase empatados, eis que cada um tinha duas, porém neste
caso Serafim levaria a melhor, posto uma das marcas de Expedito ocultar-se
exatamente na região glútea. Daí a alusão a quase empatados...
Muitos,
por esta hora, devem estar pensando que aqui estamos tratando de brincadeiras;
mas, como brincar com o azar? Não deveríamos brincar com a má sorte de ninguém,
é verdade, mas não há como não achar engraçada a última cicatriz de Expedito.
Para variar, ele estava de serviço com Serafim quando receberam pelo rádio a
incumbência de perseguir um ladrão de galinhas e similares no bairro de Santa
Rosa, em Niterói, onde a azarada dupla policiava rotineiramente.
Era
uma noite chuvosa. O ladrão, ao avistar os destemidos patrulheiros, danou a
correr pelos quintais das casas, pulando muros e cercas, com Serafim no encalço
dele, e à frente de Expedito, este que, de repente, gritou lá de trás para
Serafim: “Tô pegado!” Serafim largou o ladrão de lado e voltou correndo em
socorro do amigo, pensando que ele fora baleado ou esfaqueado, pois assim se
entendia na prática o terrificante grito de dor. Mas não fora tiro ou facada
que “pegara” Expedito. Quando Serafim dele se acercou, no escuro, desatou uma
sonora gargalhada ao ver o colega preso numa cerca, todo enrolado e sem poder
se desvencilhar dos arames farpados que o feriam por tudo que era lado. É,
efetivamente, Expedito estava “pegado”... na cerca, e não foi pouco o trabalho
para retirá-lo dali, o que foi feito por Serafim graças a um cidadão que surgiu
com um alicate... Ah, é preciso dizer que a ferramenta não deixou de produzir
suas sequelas nos inábeis e azarados dedos da dupla?...
A
segunda-feira era sempre cheia de problemas para Serafim e Expedito, ambos
zagueiros de boa estirpe no futebol de domingo, porém azarados como só eles
conseguiam ser. Mesmo assim, nunca abdicavam de jogar pelada no campo de várzea
do bairro onde moravam, e era o bastante para surgirem sem o pedaço do dedão do
pé, perdido na hora do chute, ou então ostentando um feio arranhão no joelho, ou
um ovo na canela, ou um inchaço no tornozelo, ou... E assim chegavam em quartel
no dia seguinte, ambos mancando e de havaianas nos pés. Calçar butes, nem
pensar!...
Mas
o comandante da dupla era bastante condescendente. Sabia, afinal, que Expedito
e Serafim comportavam-se como bons milicianos, perfeitos cumpridores dos
deveres da caserna. Mas o azar deles corria a praça... Por isso, naquela
segunda-feira, e em muitas outras, o sargento de antemão escalava a dupla na
reserva da guarda do quartel, pois eles sempre chegavam despedaçados. E não
adiantava lhes dar conselhos para que parassem com o futebol aos domingos,
trocando-o por uma corrida rústica, por exemplo. Aliás, não adiantava, porque
Serafim tinha trauma de corrida, bem como Expedito: ambos já haviam sido
atropelados quando faziam uma simples caminhada pelas ruas do bairro. Sim, a
questão não era o que faziam, mas o azar que carregavam em seus embornais como
um fardo inevitável.
Nem
é caso de aqui lembrar quando eles resolveram andar de bicicleta, um carregando
o outro na garupa. Caramba!... Aí é que suas carcaças receberam marcas e
marcas, algumas que até os levaram à solidária internação hospitalar. Aliás, no
hospital da PMERJ, chamado de HPM/Niterói, havia um quarto com duas
camas sempre esperando os azarados. Eram dois clientes preferenciais do
nosocômio, sem falar nos acidentes que lá mesmo ocorriam, de modo que muitas
vezes as altas tinham de ser adiadas para novos tratamentos.
Certo
dia, Serafim e Expedito foram a um terreiro de candomblé por indicação de
amigos do quartel. Diziam que o azar deles era quebranto. Não era!... Voltaram
desencantados com o pai-de-santo, pois logo na chegada da dupla, ele mesmo, o
pai-de-santo, deu uma baita topada num pequeno e enfeitiçado toco de charuto e
caiu de cara no chão, incrível azar que ele logo atribuiu à azarada dupla.
Ainda houve outro acidente durante a consulta mediúnica, um incêndio na garrafa
de cachaça, que quase explode tudo, provocado por Expedito no instante em que o
pai-de-santo lhe mandou puxar a fumaça de outro charuto. Das mãos do
pai-de-santo até as mãos de Expedito, em pequeno espaço, a brasa do charuto fez
o estrago, pois Expedito deixou o charuto cair exatamente onde estava a
cachaça. Zzzz... Vupt... Puumm! Ai, ai, ai!... Eta dupla!... Não era dia de
graça para uso de charutos... Que me desculpem vocês, mas agora foi comigo o
azar: acabei de torcer meu fura-bolo ao ajeitar a cadeira pra me acomodar
melhor em frente do computador! Ai! ai!... Vou dar um tempo... Depois eu
volto...
Ainda
bem que a má sorte daqueles milicianos, que até me atingiu, não afetava suas
famílias, porque assim seria azar demais da conta. Com eles, porém, coisas
inacreditáveis realmente ocorriam, como, por exemplo, quando estavam rodando em
radiopatrulha nas ruas. Na Central de Operações já se sabia que entrariam no
rádio as comunicações mais estapafúrdias da paróquia, como a que Serafim um dia
repassara:
–
Atenção, Central! Estou conduzindo o PM
Expedito ao nosocômio. Ele está com a cabeça quebrada.
–
Po-si-ti-vo, RP, po-si-ti-vo,
mas, que houve? Você não comunicou nada?...
–
Po-si-ti-vo, Central!... É que não houve tempo. Expedito foi abordar um
suspeito na calçada e não viu o bueiro sem tampa. Enfiou-se nele e se deu
mal...
Ou
então era o contrário, quando Serafim foi chamado na rua por aflita moça que se
dissera assaltada por um pivete ainda correndo à vista de todos. Mas foi só
Serafim romper atrás dele para tropeçar num paralelepípedo e se esborrachar no
chão, machucando-se deveras, enquanto o pivete sumia numa dobra de esquina.
Tombo mais espetacular levou Expedito numa feira livre, onde ingressara cheio
de autoridade para admoestar um português que estava a vender caro demais seus
produtos, com a mulherada na maior chiadeira. E lá se foi Expedito feira
adentro, o mulherio atrás em algazarra e xingamento, quando de súbito ele
escorregou numa casca de banana esborrachando-se voluptuosamente no asfalto. E
lá se foi o azarado direto ao HPM/Niterói, socorrido pelas próprias mulheres
que pretendia socorrer dos preços altos do portuga. Deste modo insólito ele
culminou “visitando” Serafim, ainda internado, ficando ambos em “patrulha
hospitalar”...
No
quartel, havia grande preocupação dos companheiros dos milicianos com o
exagerado azar que os perseguia. A maioria da gentes milicianas achava que
Serafim e Expedito um dia teriam a má sorte de serem vítimas fatais na
profissão. Tinha lógica a apreensão, porque os azares não cessavam, nem mesmo
com mandingas, rezas e descarregos que eles repetidamente providenciavam.
Porém, o máximo que conseguiram foram mordidas de cachorros ferozes numa
residência que estava sob suspeita de assalto, tendo os proprietários acionado
a polícia, mas com a casa fechada e os cachorros à solta no quintal.
Com
a chegada apoteótica da dupla, se ali existisse algum assaltante ele já estaria
na China, tal o aviso que a sirene certamente lhe daria. Ainda foi a estrídula
sirene que irritou sobremaneira as feras, que babavam e tentavam romper as
grades do portão para abocanhar as canelas e outras partes dos milicianos, já
assustados, mesmo que protegidos pelas grades.
Veio
então o amedrontado dono da casa olhando para todos os lados à procura do
ladrão, este que já se havia escafedido fazia tempo. Foi quando Serafim falou:
“Prenda os cães!” Logo, então, o dono da casa correu a cuidar do pedido,
chamando os cachorros à ordem. Sim, a energia do dono da casa levou-os ao
canil, onde foram presos a sete chaves, enquanto Serafim e Expedito vasculhavam
minuciosamente o quintal, o portão já aberto para a entrada deles. Nem tanto
assim a sete chaves, eis que das sete o cidadão se esqueceu de dar a volta na
última delas, ficando os endiabrados cães presos com apenas seis, número
insuficiente para lhes conter a ira. Assim todos escapuliram, indo direto
contra Serafim e Expedito, decerto vendo-os como lauta refeição... Três meses
internados, lanhos e mais lanhos pelo corpo todo...
Diriam
os leitores: “Mas, que azar danado!” Diriam com inteira razão, porque três
meses depois eles lá estavam, insistentes, buscando uma solução espiritual para
lhes eliminar da vida o azar. Com essa esperança, foram a uma conhecida
cartomante, que, segundo diziam, costumava tirar com sucesso absoluto os
quebrantos e todas as demais espécies de maus-olhados, jetaturas e caiporismos
existentes na face da Terra. E partiram à cartomante subindo a ladeira do Morro
dos Predestinados, designação merecida, de tanto que a tal sortista já
resolvera problemas alheios, além de assegurar a todos que encarnava o espírito
da cabocla Bárbara, que, no passado, profetizara à Natividade a briga entre os
filhos gêmeos, Pedro e Paulo, ainda no ventre materno, como biblicamente
ocorrera com Esaú e Jacó, e assim narrou o mestre M. de Assis. Mas, no caso de
nossos mal-aventurados milicianos, não estavam eles preocupados com “coisas
futuras”, e sim com o azarado presente.
Contudo,
nem chegaram à cartomante, o azar não lhes permitiu tal intento. O terreno
lamacento e escorregadio, de anterior chuvarada, deveria ter sido o suficiente
para que a dupla desistisse da ideia de arriscar a sorte (ou o azar) naquele
malfadado dia. A esperança, porém, era mais forte, e eles preferiram se
arriscar na aventura em busca da solução definitiva para seus azares. Mas o que
conseguiram foi um espetacular tombo, ora rolando Serafim, ora embolando Expedito,
ora ambos grudados pela lama, como arroz de japonês, escorregando ladeira
abaixo sem nada a lhes travar no caminho. Pararam somente no pé do morro, com
ferimentos vários e muitos músculos luxados. Incrivelmente, desta feita
entenderam que tiveram sorte, eis que nada quebraram. E retornaram animados,
porém mancando como condenados e expandindo sofridos ais pelo caminho.
Entre
tombos sensacionais, e tiros no lombo, e trombadas de carro, e topadas, Serafim
e Expedito entraram de férias. Como eram unidos na alegria e na dor, resolveram
viajar com as famílias para uma praia na Região dos Lagos, onde alugaram uma
casa. De caminho, as mulheres foram logo avisando que eles estavam proibidos de
ingressar na cozinha, qualquer que fosse o motivo. Eles, sérios e
compenetrados, concordaram; tinham consciência do azar que os perseguia; porém,
não davam os pescoços à forca; esperavam o dia de tudo mudar e a sorte chegar,
mesmo que tardiamente.
Durante
a viagem, na peleja entre o azar de ambos e a sorte das famílias, ganharam as
últimas. Ainda bem, porque acidentes em estradas sempre acarretam vítimas
fatais, que não é o caso de aqui inseri-las porque seria azar demais... Daí
que, assim, tranquilamente, eles chegaram ao destino, o carro lotado de gente,
só parando em frente da casa, à beira da praia do Peró, em Cabo Frio.
Frio
induz a se pensar em “fria”, pois logo que desceram do carro Serafim e Expedito
deram asas ao caiporismo. Sim, logo na chegada, posto que ambos correram ao
porta-malas para trocar gentilezas. Expedito dirigira o carro e Serafim
cogitara retribuir-lhe o esforço levando para dentro da casa a bagagem. Foi
quando Expedito, distraído, abriu de súbito o porta-malas, exatamente na hora
em que Serafim abaixava a cabeça na linha de encontro com a tampa que subia.
Foi aquela pancada na testa! Pior ainda foi a reação de Serafim, que arriou a
tampa no susto exatamente no momento em que Expedito enfiara a cabeça debaixo
dela para ver a bagagem. Que pancada na nuca!... Ficaram olhando um para o
outro, ambos atônitos e coçando as doloridas cabeças, um atrás e o outro na
frente, enquanto a mulherada e os filhos riam às bandeiras despregadas, o
menorzinho rolando no chão todo mijado e borrado, encenando uma galhofa
particular em homenagem aos dois azarados.
Será
que eles perderam o otimismo?... Que nada! Afinal, a praia estava ali, azul,
limpa (?), linda, convidativa. As famílias entraram na casa, mas com eles sendo
antes dispensados pelas patroas com a ordem de permanecerem do lado de fora
para evitar acidentes. E depois de tudo arrumado, finalmente foram chamados a
entrar para trocar suas roupas austeras por calções de banho. As famílias, por
esta hora, estavam já arrumadas em estilo e imediatamente partiram à praia.
Eles entraram e deram de cara com uma lastimosa realidade: as patroas
esqueceram de levar-lhes os calções; só colocaram na bagagem suas cuecas
sambas-canção. Depois de muito tempo é que eles então lograram comprar novos
calções de banho; mas o lusco-fusco do anoitecer já lhes transferia o banho de
mar ao dia seguinte...
Mal
amanhecera e lá estavam os dois, de calções exatamente iguais, – de um ridículo
vermelho sangue-de-drago, eis que na loja não havia de outras cores, – e
correndo em direção à água, é claro que sem as devidas precauções, porque, além
de quente, a areia estava cheia de cacos de vidro jogados por farofeiros
irresponsáveis durante a anterior noite de farra. Já sabem o que aconteceu...
Os dois azarados com seus pés cortados, dor lancinante, sangue voando longe e
eles correndo à farmácia sem nem mesmo pisarem na água. Voltaram de caras
chorosas, com a recomendação do farmacêutico para se preservarem até que os cortes
sarassem, ambos ainda com os traseiros formigando da picada do antitetânico...
Mas, creiam-me, nem assim eles perderam o contagiante otimismo...
Três
dias vendo a família mudar de cor, indo ao bronze, e eles, brancos como a neve
em inverno rigoroso. Ah, peguei vocês!... Sei que muitos estavam pensando que
Serafim e Expedito eram negros, devido aos nomes. Aí, cá pra nós, neste país
das desigualdades e das discriminações, seria azar demais... Acham que não?...
Ora, seria sim, não faltaria quem não estranhasse preto na praia, como se tomar
banho de mar e pegar sol fosse privilégio apenas de brancos.
Eram
brancos, sim. E três dias depois finalmente conseguiram chegar até à água e
mergulhar. Não, não bateram com as cabeças nas pedras debaixo d’água, não!
Foram precavidos e mergulharam somente onde os filhos faziam o mesmo. E ficaram
no banho, com a água salgada curtindo suas peles alvas e o sol lhes queimando
os lombos sem que eles o percebessem. Deste modo, eles se foram avermelhando,
apimentando, efervescendo e... pronto: queimadura de primeiro grau em ambos!
“Eta azar!”, até pensaram, mas as famílias discordaram, concluindo e
convencendo-os de que eles apenas não atentaram para os perigos do excesso de
raios solares, não se tratando, portanto, de azar. Eles ouviam as ponderações
das mulheres e das crianças, dando-lhes razão, enquanto externavam
intermináveis ais...
Mais
três dias de sombra, pomada e ansiedade, com Serafim e Expedito olhando da
varanda a família se divertindo. Estavam chateados, de um lado, porém felizes
em ver a família contente, do outro. Assim curaram os pés e quase que também as
queimaduras, os dois planejando como agiriam no dia seguinte para curtirem a
praia sem acidentes. Não lhes seria fácil, eles sabiam, mas já estavam
acostumados aos azares. Enfim, torciam por eles mesmos...
–
Amigo, vamos nos separar amanhã para enganar nosso inimigo? – sugeriu Serafim a
Expedito.
–
Concordo. Se o Azar vier, vai ter que escolher somente um de nós. Assim pelo
menos o outro se salva – animou-se Expedito.
Pensavam
erradamente. O azar era multifacetado e tinha como se dividir para alcançá-los
indistintamente e num átimo. Eles é que não sabiam disso, e foi pior a emenda
que o soneto, aforismo apropriado ao acidente que eles arranjaram mesmo que
astutamente separados. Sim, a má fortuna era mais arguta que ambos,
independentemente de eles se posteram a quinhentos metros um do outro,
distância em que se comunicavam apenas com acenos de mão, especialmente com o
polegar de uma delas de quando em quando voltado para cima indicando o Oll Korrect, pois os azares da parte da
manhã foram por eles superados e o sol já começava a ceder seu brilho ao
lusco-fusco do crepúsculo sem que nada de novo e azarado acontecesse...
Veio
a noite e eles, abusando demais da sorte, ficaram curtindo as delícias da água
ainda aquecida pelo sol causticante do dia... Distraídos, porém, não viram que
vinham vindo umas barbatanas ameaçadoras na direção deles, um grupo de
barbatanas para um, e outro grupo de barbatanas para o outro: eram pequenos
tubarões que arremeteram contra os azarados como aqueles cachorros bravios lá
de trás. E eles, apavorados, pularam fora d’água do jeito que o Todo-Poderoso
permitiu e ajudou, senão teriam morrido. Não morreram; porém, ficaram com os
corpos lanhados e foram levados por populares ao hospital mais próximo. Mais
três meses de mertiolate, pomada e ataduras deixando Serafim e Expedito como
verdadeiras múmias egípcias. É óbvio que as férias terminaram antes do tempo,
para azar também das famílias, que voltaram desalentadas...
Mas,
“será o Benedito?”, diziam no quartel os companheiros de Serafim e Expedito, já
sabedores do mais novo azar, sempre o penúltimo da vida deles. Nem souberam o
que houvera antes naquelas malfadadas férias e na azarada praia; muito menos souberam
que depois, ainda no hospital, outro acidente pegaria a dupla antes da alta.
Uma bobagem à toa, mas tinha de acontecer com eles: a enfermeira se distraiu e
deu aos dois diversos comprimidos de laxante em lugar do antiflogístico
prescrito. Eram exatamente iguais...
Fim de férias, o trabalho chama-os de volta; também as galhofas
dos companheiros, que fugiam da dupla fingindo-se medrosos e avisando que azar
“pegava” feito AIDS. E eles, coitados, desta vez sentiram certa discriminação,
porém, como sempre, não reclamaram. No fundo, tinham esperança de que aquela
fase azarada um dia se findasse por conta de alguma fada bondosa. Sim,
leitores, eles eram azarados, sim, mas jamais perderam a fé!...
Saíram de serviço depois de vinte e quatro horas sem qualquer
acidente de percurso. Dentro do alojamento, já de banho tomado, e sem
acidentes, Serafim e Expedito se entreolhavam desconfiados. Seria possível?...
Seria, sim. Realmente, depois de muitos anos, eles passaram, juntos, vinte e
quatro horas consecutivas sem que nada de anormal lhes acontecesse. Resolveram
aproveitar a maré de sorte (ou de distração do Azar) e jogaram ambos na
mega-sena acumulada... E foram sorteados! E apenas os dois! E pasmem: sessenta milhões de reais!
Foram-se embora o Azar, e a
Polícia Militar, e a radiopatrulha, e todo o resto da farda esmerilhada por
tantos azares, posto que ambos pediram licenciamento e se mandaram para outras
paragens. Hoje curtem com suas famílias a doce vida dos ricos. Sim, partiram do
azar extremo para uma sorte inigualavelmente absurda, como somente poderia
acontecer neste caso, para azar dos que torceram para que esta história jamais
terminasse, ou que terminasse mal para os azarados, pois assim sói comportar-se
a sociedade em relação aos PMs: desejam-lhes sempre o azar...
Um comentário:
Bom dia Cel Larangeira.
Deixando o desânimo e o pessimismo de lado, essa narrativa me fez lembrar de um caso que dizem ser verdade e acontecido na minha Macaé, nos idos dos anos 70.
Havia um sujeito apelidado de "Menos Um", que de tão azarado quanto o Serafim e o Expedito, sofrera um acidente de moto e perdera um dos testículos, daí o apelido. Menos Um jamais conseguira ganhar uma única aposta, nem cerveja na porrinha ele conseguia ganhar. Num belo dia teve a idéia de tirar proveito do fato de ter um testículo a menos; então no bar bebericando uma cerveja, virou-se para o Zeca, morador novo no bairro, inquiriu:_Zeca, vamos fazer uma aposta? _Fala aí Menos Um!
_Zeca, quer apostar como nós dois juntos temos apenas três "ovos"?
_Vale o que?
_Uma dúzia de cerveja.
_Tá valendo.
_Vamos lá no banheiro, quem quer ser testemunha? Lógico que ninguém quis testemunhar aquela aposta pra lá de insólita.
Quando arriaram as bermudas Menos Um gelou. Não é que o Zeca era portador desde o nascimento de três enormes testículos. E lá foi o Menos Um pagar mais uma aposta.
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