terça-feira, 21 de abril de 2015

A FORÇA DO NOME DE FAMÍLIA NO BRASIL


Existe na República Tupiniquim um livro somente destinado à alta estirpe, ou seja, à alta sociedade brasileira. É espécie de tesouro nominal em que muitas gentes finas (novos-ricos) jamais conseguirão se integrar como jóias raras. No máximo, poderão formar uma casta de ouropéis...

Esses nomes de família são geralmente quilométricos. Vêm incorporados por sobrenomes há séculos. Reportam-se aos idos do Brasil Colônia e geralmente têm origens européias, maiormente lusitanas. E não chegaram aqui sem antes aquinhoarem um bom bocado de terras férteis e construírem palacetes que ainda hoje se veem erigidos em muitas partes do torrão tupiniquim.



É fácil identificar esses sobrenomes que representam castas. É só, primeiramente, eliminar os “da Silva”, “dos Santos”, “de Oliveira”, “de Paula”, “de Andrade” etc. Porque o “de” e o “dos” significam que quem os contém no seu nome completo é descendente de quem pertenceu a alguém como servo. E o fato de ter sido servo no passado não significa que tenha sido negro africano, ou seja, o “escravo-padrão” a que estamos acostumados e identificamos em sobrenomes do tipo que listei e que se desdobram em muitos.



Já na Rússia dos czares, por exemplo, havia a servidão entre os locais, tão intensa que até a alma dos servos mortos continuava propriedade dos senhores feudais; tudo registrado em cartório como moeda de troca a ser ofertada a quem juntasse fortuna, mas não possuísse determinada quantidade de corpos ou de almas servis. Daí é que o interessado percorria as propriedades rurais para comprar corpos vivos ou almas mortas, até atingir a cifra que lhe daria o título de senhor feudal. É como se lê no romance do ucraniano Nikolai Vasilievich Gogol: Almas Mortas.

Na Índia, há ainda hoje as impenetráveis castas, e em muitos países imperadores, reis e príncipes são cultuados por seus povos e mantêm intactas e igualmente encasteladas as suas cortes. Devido a este fenômeno, os sobrenomes continuam a pesar como ouro e a abrir portas de todas as fechaduras, não importando de quantas voltas. E dentre elas, inclusive, as localizadas no serviço público da mais altíssima estirpe, sendo desnecessário indicá-las, todos sabem a que fechaduras me refiro e quem ainda não sabe permanece servo por atavismo crônico...

Apenas aleatoriamente, e para matar a curiosidade, qualquer um pode observar aqueles que possuem mais de cinco vocábulos no seu nome, não valendo o duplo nome, pois estes se incorporam num só. Vejam, por exemplo, Ana Cristina, nome de pia da minha filha por determinação do seu avô materno, com o qual concordei debaixo de ferrão. Cito-a, todavia, para demonstrar que há exceções da falta de estirpe em alguns casos. Nada melhor, portanto, que sublinhar minha querida filha, cujo nome completo, que deveria ser simples, viu-se incorporado dos nomes de família de seus avós maternos, não sobrando espaço para que eu inserisse o sobrenome da minha mãe, ficando eu reduzido ao direito de pôr o sobrenome do meu pai.

Deste modo, o nome completo dela ficou: Ana Cristina (nome de pia) Fontoura (da avó materna) Seixas Rangel (do avô materno) Larangeira (meu sobrenome paterno). Mas eu também conto com o “Campos” no meu sobrenome, vindo de minha mãe. Fosse obedecida ao pé da letra a regra instituída pelos ascendentes maternos, assim ficaria o nome de minha filha, coitadinha: Ana Cristina Fontoura Seixas Rangel Campos Larangeira. Desisti então do “Campos”, ficando o nome completo dela, por conta dos avós maternos: Ana Cristina Fontoura Seixas Rangel Larangeira. Enfim, uma locomotiva (nome de pia) arrastando muitos vagões vazios de tesouro...

Sorte dela, nem eu nem seus parentes maternos possuem o “de” ou o “dos”, ou seja, não somos, em princípio, descendentes de servos, mas de famílias portuguesas, embora sem posses. Mas isto pode também significar que somos descendentes dos proscritos que de Portugal vieram ao Brasil se integrar à ralé. Bem, não sei, só sei que não há nenhum rico ou aristocrata de origem nesta roda de sobrenomes...

Coitada da minha filha, que se vê obrigada a assinar seu nome cheio de pompas quantitativas e nenhum tesouro. Daí é que, espertamente, ela reduz sua grafia nominal a Ana Cristina FSR Larangeira, e o faz muitíssimo bem. Mesmo assim, porém, ela corre grave risco ao casar, caso seus ascendentes maternos ou os descendentes deles (da geração da mãe dela) não lhe permitam eliminar sobrenomes para acrescentar mais um nome de família (do marido), que, por sorte ou azar, pode se do tipo “servo de alguém”...

Mas, por que gasto neurônios, tinta e papel para falar deste assunto? Que importância há em tentar esclarecer esta “abobrinha”? Nada. Nenhuma. A não ser aguçar o interesse das pessoas para observar em que situações emergem esses nomes e sobrenomes extensos. E daí começar a comparar com seus (deles) antepassados e onde geralmente se enfiam em se tratando de empresas prósperas ou de serviços públicos aristocráticos, incluindo o mundo político. E assim observando concluir que há muita areia que jamais se conterá nos seus (nossos) caminhões, pois o mundo continuará com seus poucos aquinhoados decidindo o futuro de muitos da arraia-miúda. E esta é a raiz do problema...



Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Bom dia Cel Larangeira.
Logo pela manhã viajo nessa leitura que o senhor chama de abobrinha. Não é abobrinha; é um assunto interessante que no mínimo serve de reflexão, ou para quem deseja ir mais longe, desvendar suas raízes, sua árvore genealógica.
Confesso que já pensei em pesquisar de onde vem o meu Xavier, quem sabe não sou descendente de Tiradentes, mas isso demandaria tempo e dinheiro dos quais disponho muito pouco.
Uma ótima semana para todos nós.