Existe na República Tupiniquim
um livro somente destinado à alta estirpe, ou seja, à alta sociedade brasileira.
É espécie de tesouro nominal em que muitas gentes finas (novos-ricos) jamais
conseguirão se integrar como jóias raras. No máximo, poderão formar uma casta
de ouropéis...
Esses nomes de família
são geralmente quilométricos. Vêm incorporados por sobrenomes há séculos.
Reportam-se aos idos do Brasil Colônia e geralmente têm origens européias,
maiormente lusitanas. E não chegaram aqui sem antes aquinhoarem um bom bocado
de terras férteis e construírem palacetes que ainda hoje se veem erigidos em
muitas partes do torrão tupiniquim.
É fácil identificar
esses sobrenomes que representam castas. É só, primeiramente, eliminar os “da
Silva”, “dos Santos”, “de Oliveira”, “de Paula”, “de Andrade” etc. Porque o
“de” e o “dos” significam que quem os contém no seu nome completo é descendente
de quem pertenceu a alguém como servo. E o fato de ter sido servo no passado
não significa que tenha sido negro africano, ou seja, o “escravo-padrão” a que estamos
acostumados e identificamos em sobrenomes do tipo que listei e que se desdobram
em muitos.
Já na Rússia dos czares,
por exemplo, havia a servidão entre os locais, tão intensa que até a alma dos
servos mortos continuava propriedade dos senhores feudais; tudo registrado em
cartório como moeda de troca a ser ofertada a quem juntasse fortuna, mas não
possuísse determinada quantidade de corpos ou de almas servis. Daí é que o
interessado percorria as propriedades rurais para comprar corpos vivos ou almas
mortas, até atingir a cifra que lhe daria o título de senhor feudal. É como se
lê no romance do ucraniano Nikolai Vasilievich Gogol: Almas Mortas.
Na Índia, há ainda hoje as
impenetráveis castas, e em muitos países imperadores, reis e príncipes são
cultuados por seus povos e mantêm intactas e igualmente encasteladas as suas
cortes. Devido a este fenômeno, os sobrenomes continuam a pesar como ouro e a abrir
portas de todas as fechaduras, não importando de quantas voltas. E dentre elas,
inclusive, as localizadas no serviço público da mais altíssima estirpe, sendo
desnecessário indicá-las, todos sabem a que fechaduras me refiro e quem ainda não
sabe permanece servo por atavismo crônico...
Apenas aleatoriamente, e para matar a
curiosidade, qualquer um pode observar aqueles que possuem mais de cinco
vocábulos no seu nome, não valendo o duplo nome, pois estes se incorporam num
só. Vejam, por exemplo, Ana Cristina, nome de pia da minha filha por determinação
do seu avô materno, com o qual concordei debaixo de ferrão. Cito-a, todavia,
para demonstrar que há exceções da falta de estirpe em alguns casos. Nada
melhor, portanto, que sublinhar minha querida filha, cujo nome completo, que
deveria ser simples, viu-se incorporado dos nomes de família de seus avós
maternos, não sobrando espaço para que eu inserisse o sobrenome da minha mãe, ficando
eu reduzido ao direito de pôr o sobrenome do meu pai.
Deste modo, o nome completo dela
ficou: Ana Cristina (nome de pia) Fontoura (da avó materna) Seixas
Rangel (do avô materno) Larangeira (meu sobrenome paterno). Mas eu
também conto com o “Campos” no meu sobrenome, vindo de minha mãe. Fosse
obedecida ao pé da letra a regra instituída pelos ascendentes maternos, assim
ficaria o nome de minha filha, coitadinha: Ana Cristina Fontoura Seixas Rangel
Campos Larangeira. Desisti então do “Campos”, ficando o nome completo dela, por
conta dos avós maternos: Ana Cristina Fontoura
Seixas Rangel Larangeira. Enfim, uma
locomotiva (nome de pia) arrastando muitos vagões vazios de tesouro...
Sorte dela, nem eu nem seus parentes
maternos possuem o “de” ou o “dos”, ou seja, não somos, em princípio,
descendentes de servos, mas de famílias portuguesas, embora sem posses. Mas
isto pode também significar que somos descendentes dos proscritos que de
Portugal vieram ao Brasil se integrar à ralé. Bem, não sei, só sei que não há
nenhum rico ou aristocrata de origem nesta roda de sobrenomes...
Coitada da minha filha, que se vê
obrigada a assinar seu nome cheio de pompas quantitativas e nenhum tesouro. Daí
é que, espertamente, ela reduz sua grafia nominal a Ana Cristina FSR
Larangeira, e o faz muitíssimo bem. Mesmo assim, porém, ela corre grave risco
ao casar, caso seus ascendentes maternos ou os descendentes deles (da geração
da mãe dela) não lhe permitam eliminar sobrenomes para acrescentar mais um nome
de família (do marido), que, por sorte ou azar, pode se do tipo “servo de
alguém”...
Mas, por que gasto neurônios, tinta e
papel para falar deste assunto? Que importância há em tentar esclarecer esta
“abobrinha”? Nada. Nenhuma. A não ser aguçar o interesse das pessoas para
observar em que situações emergem esses nomes e sobrenomes extensos. E daí
começar a comparar com seus (deles) antepassados e onde geralmente se enfiam em
se tratando de empresas prósperas ou de serviços públicos aristocráticos,
incluindo o mundo político. E assim observando concluir que há muita areia que
jamais se conterá nos seus (nossos) caminhões, pois o mundo continuará com seus
poucos aquinhoados decidindo o futuro de muitos da arraia-miúda. E esta é a
raiz do problema...
Um comentário:
Bom dia Cel Larangeira.
Logo pela manhã viajo nessa leitura que o senhor chama de abobrinha. Não é abobrinha; é um assunto interessante que no mínimo serve de reflexão, ou para quem deseja ir mais longe, desvendar suas raízes, sua árvore genealógica.
Confesso que já pensei em pesquisar de onde vem o meu Xavier, quem sabe não sou descendente de Tiradentes, mas isso demandaria tempo e dinheiro dos quais disponho muito pouco.
Uma ótima semana para todos nós.
Postar um comentário