segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A dissensão entre oficiais, graduados e praças em eleições



Em todos os pleitos eleitorais envolvendo candidatos da PMERJ, nota-se sempre a dissensão entre oficiais, graduados e praças, com estas evocando a ideia de que não devem votar naqueles. “Praça não vota em oficial! Praça não vota em sargento!”. Não sem achar interessante que candidatos sargentos “se achem praças”, em ambiguidade típica de eleições, eis o mote que se alastra numa espécie de “onda de revolta”: “Praça só vota em praça!”. Devido a isto, claro, muitos oficiais e graduados ampliam seu desgosto em relação às praças, em especial as que estão ao seu lado nos quartéis, e quando tudo torna à rotina, as retaliações veladas ou ostensivas se fazem presentes, deste modo ampliando o abismo entre as categorias militarmente hierarquizadas. Ora, ninguém ganha com isto...

Na verdade, esta dissensão generalizada decorre mais da existência dos muitos grupos psicológicos formados segundo a ideia de que a tendência do ser humano é a de se solidarizar bem mais com seu grupo imediato de atuação do que com outros grupos ou valores como o amor corporativo, o amor à pátria, ou algo que se traduza em laços de aproximação dos indivíduos, porém enfraquecidos diante da realidade maior da força do grupo psicológico. Dentro desta ótica, tanto faz que o grupo seja constituído de sargentos, oficiais, cabos e soldados, não serão a hierarquia e a disciplina ou outros valores que ao fim e ao cabo fortalecerão o sentimento de coesão. E se houver à frente um perigo, a solidariedade aumenta e o grupo reforça o sentimento de coesão independentemente de posto ou graduação.

Bem, na PMERJ as arrumações da tropa são diversificadas e geralmente as praças (cabos e soldados) não estão muito distantes dos oficiais subalternos (tenentes) ou dos graduados (sargentos). Já com relação aos capitães e postos acima a interação cotidiana é mais formal, e o peso da formalidade sobreleva em relação à solidariedade entre os indivíduos. E assim sucessivamente, sendo certo que a interação entre oficiais superiores e a tropa de graduados e praças geralmente é formal, embora se possa imaginar certa informalidade entre o motorista e o oficial para o qual dirige. Mas isto não é grupo psicológico, e é possível supor, nesses casos, uma relação honesta ou hipócrita, que passa ao largo do comportamento de ambos.

Sobre os grupos psicológicos nada é novidade; basta observar os enlatados norte-americanos de guerras para se perceber como debaixo do fogo inimigo a hierarquia e a disciplina se baseiam em valores informais, como lealdade, companheirismo, amizade sincera etc., a ponto de um dar a vida pelo outro. A este respeito nos informam R. K. Merton e P. F. Lazarsfeld in “Continuitles in Social Rescarch: Studies in the Scope and Method of the American Soldier” (“Continuidades na Pesquisa Social: Estudos no Âmbito e Método de Soldado Americano” – Nova Iorque: The Free Press of Glencoe, 1950):

“Estudos extensivos durante a Segunda Guerra Mundial indicaram que a vontade dos soldados em mostrar bravura e fazer sacrifícios era correlata não com a lealdade ao país ou à compreensão dos problemas da guerra, mas com a lealdade ao grupo imediato. Em outras palavras, os homens praticavam atos de heroísmo motivados grandemente pelo desejo de não deixar mal os colegas.

Tendo aprendido essa lição, o exército abandonou o sistema de substituir indivíduos nas unidades de combate e, em vez disso, iniciou a rotação de unidades como um todo.”

A PMERJ vivencia um permanente estado de guerra em muitas regiões, sublinhando-se os grandes centros com suas favelas apinhadas de bandidos fortemente armados. E neste dia a dia a realidade do tenente, do sargento, do cabo e do soldado muitas vezes não difere tanto. Claro que não me refiro a todos os tenentes, ou sargentos, ou cabos, ou soldados. Porque muitos se postam na retaguarda, em setores administrativos, e não comungam entre si a mesma solidariedade daqueles que estão na linha de frente. Ressalvando que ambas as posições são indispensáveis (não há exército sem retaguarda logística), mesmo assim não se formam grupos psicológicos na retaguarda a não ser raramente. E as interações costumam ser formais, malgrado sabermos que amizades individuais se forjam neste contexto mais calmoso. Mas isto não é grupo psicológico, é relacionamento caracterizado, primeiro, pelo formalismo, sendo amizade entre alguns uma situação natural da convivência humana, que tende a ser grupal.

Temos então dois tipos de ajuntamento de indivíduos que, queiram ou não, se categorizam como grupos ou se isolam em suas individualidades. No caso dos oficiais há o predomínio do individualismo, que pode alcançar as raias do egoísmo, o que difere da individualidade que todos os seres humanos preservam em si em graus diversos. Mas no exercício do papel social, e mais ainda no militarismo, e muito mais no “militarismo PMERJ”, em que a competição por cargos, promoções e outras vantagens de poder, torna os oficiais menos amigos entre si e mais hipócritas. Nem por isso deixam de fingir certo “sentimento grupal” resumido às suas turmas de formação, que se reúnem em almoços e jantares sabendo até recalcar as inimizades.

Bem, diriam alguns, isto é discurso radical! Não é bem assim! Todo mundo é amigo!... Tudo bem, não nego que a academia de formação forja amizades duradouras entre indivíduos. Alguns são compadres e afilhados, isto é verdade. Mas não formam grupos em laços estreitos e diários. Poderíamos designar esse tipo de relacionamento, sem dúvida saudável, como “grupo de amizade”, quase que de parentesco. Admitindo que tal situação igualmente se afigure com soldados, cabos e sargentos, insisto na tese de que esses grupos não são predominantes e não atendem ao princípio do grupo psicológico, como, para ilustrar, o é uma guarnição de PATAMO de determinada Unidade Operacional.

Neste ponto me exponho ainda mais ao defender que o abismo existe bem mais na retaguarda que na linha de frente. Porque, ao mesmo tempo em que os grupos psicológicos inegavelmente se unem, eles dependem também do apoio de seus superiores, desde a supervisão de sargentos e oficiais ao comandante. Se não houver o predomínio da confiança, os grupos psicológicos se fragilizam. Se não houver a certeza absoluta do apoio de retaguarda, os grupos psicológicos não rendem e podem perder a batalha, em especial por omissão. Se não houver esta certeza da solidariedade de cima, os grupos psicológicos, – formados por guarnições de PATAMO, de RP e os demais grupos operacionais permanentes, – entram em colapso e podem inclusive ingressar em inevitável processo degenerativo e se extinguirem (por envolvimento em corrupção e outros crimes, ou por esfacelamento decorrente de prisão ou licenciamento disciplinar e/ou judicial). Daí esses grupos optarem pelo silêncio nos quartéis, este que se amplia durante campanhas políticas, nas quais são assediados, indistintamente, por oficiais, graduados e praças, dentro e fora dos quartéis.

Silêncio... Eis uma das peculiaridades marcantes da tropa da PMERJ: o quartel é silencioso, a tropa ouve muito e fala pouco. O pessoal da retaguarda fala pouco mais, porém não o suficiente para se fazer compreender. Os oficiais cuidam cada qual da sua vida, conversam amenidades, e todos, prudentemente, esperam que o comandante fale algo, o que se pode resumir a apenas emissão de ordens. E mais ressalvo a admitir que há comandantes que se comunicam melhor com a tropa, fazendo-a aceitá-lo como um líder natural e não como um chefe formal. Mas a regra é a da formalidade, com cada um no seu canto e no seu grupo fechado, a hierarquia e a disciplina pairando como peso maior a controlar a maioria. Ah, num clima deste ninguém se entende em eleições! A dissensão é aberrante, o individualismo predomina, o abismo se abre e se desdobra em rupturas mais graves. E ninguém, no fim de contas, vence nenhuma eleição, a não ser como “milagres” que não se costumam repetir, ou vencem-na oficiais e praças com o voto do civil, não guardando qualquer compromisso corporativo.


4 comentários:

Roberto Cel PM RR disse...

Venho aqui externar, em meu nome e do candidato SGT GURGEL - 3190, pelo quantitativo de aproximadamente nove mil votos depositados nas urnas, conscientes do dever cívico.
Esse quantitativo representa mais que a numérica exposta, mas o comprometimento de alguns Policiais Militares em alterar o tua quadro de desonra e iniquidade em que a Corporação se encontra - Hoje não temos qualquer voz!!!
Por mais comprometido que seja com a Corporação, o CG é um mero "brinquedo" nas mãos do Poder Executivo, um mero número a satisfazer seus interesses, nem sempre claros.
Foram três meses de trabalho intenso, acordando por volta de quatro horas da manhã e visitando Unidade por Unidade, na tentativa de conscientizar os integrantes dessa necessidade de mudança;
Agradeço aos Comandantes, Chefes , Diretores e Coordenadores de todas as Unidades, bem como seus Subs; agradeço aos Oficiais de Dia das Unidades visitadas que nos recebiam pela manhã e entendiam nossa luta e nos forneciam o caminho a ser cumprido para que não houvesse qualquer problema pra nós e pra eles; agradeço a todos os Oficiais e Praças que se predispuseram a nos ouvir, ainda que entrando ou saindo de serviço, fornecendo suas experiências como alicerces para os nossos projetos; agradeço aos familiares e amigos que confiaram desde o início no nosso projeto, nos amparando nos momentos difíceis e traiçoeiros, sempre nos ofertando palavras de conforto e incentivo.
Infelizmente, como verificado nas redes sociais, muitos estavam do nosso lado e queriam uma mudança, mas a grande maioria da Corporação, Oficiais e Praças, querem continuar capachos do sistema que os engole, indignifica e os desonra. Fazer o quê?
Eu fiz e continuo fazendo a minha parte!
Não me coloco em qualquer região de conforto; foi assim no Comando do Sexto BPM, no Comando do Décimo Quinto Batalhão, na Corregedoria da SEAP e na Ajudância Geral, onde a minha dignidade e consciência me mostraram que nada no mundo vale a pena, se seus amigos não estiverem ao seu lado.
Saí de todos eles de cabeça erguida, não me sujeitando aos abusos que foram cometidos pelas "autoridades" de merda que tínhamos.
Serão mais quatro anos de lamúria, de incompreensão, de serviços obrigatórios, de punições ilegais, de aprisionamento em Bangu 1, de transferências geográficas, de larva na comida, de ração fria, de morte de companheiros, de "mão de macaco", de jogo de bicho, de maquininhas de vídeo jogo, de espólio de guerra, de mendigaria, de corrupção e de opressão.
Essa foi a escolha!
Espero que, de agora em diante, os idiotas que não votaram, não chamaram a família pra votar, ou votaram em Wagner Montes, Jair Bolsonaro, Cabo Daciollo, Jean Willis, Iranildo Campos, Marcos Abraão, família Picciani, Marcelo Freixo, Thiago Pampolha, e dentre outros bostas eleitos, os procurem quando forem oprimidos em qualquer dos casos citados anteriormente. Queira Deus que eles estejam de portas abertas à família azul.
Se eles não atenderem, peçam ao Papai Noel ou a fada Sininho pra ver se conseguem sucesso.
Obrigado Gurgel pelo carinho, pela amizade, pelo companheirismo e pela retidão funcional que vc possui.
Obrigado a toda equipe de militares e civis que conhecemos nas andanças. Vcs fizeram e ainda fazem parte desse mar azul que formamos.
Tenhamos todos um excelente fim de ano!
Vem chegando o verão, a piscina me espera pra eu desfrutar de minha Reserva bem Remunerada.
Dia 26 OUT, aos antenados(tudo bem) e aos idiotas de plantão(uma segunda chance) é AÉCIO 45, pra extirpar do Brasil esse comunismo filho da puta que está nos assolando.
Abçs e AÉCIO 45, AÉCIO 45, AÉCIO 45!!!!

Anônimo disse...

Emir disse:

Jamais desanimei os companheiros quanto à legítima pretensão de se candidatarem. Mas abandonei a política por perceber que estamos longe de ser um só "corpo" e um só "coração", embora os vocábulos se integrem na palavra "corporação". Ainda há a palavra "ação", que deveria ser "inação", pois o que se vê é o conformismo e a indiferença, de cabo a rabo, de oficiais e praças. Mas, quem sabe, ainda nos poderemos organizar para eleger alguém?... Para tanto, porém, é necessário deixar de lado as vaidades, e este é o problema, apenas um deles, pois é certo que, conforme tentei demonstrar no texto, há muitos outros problemas que tornam as PPMM (não apenas a PMERJ) coadjuvantes na atual história política, de tal modo que as coirmãs Guardas Civis Municipais serão o futuro, e não as PPMM, que permanecem alinhadas aos governos estaduais com os seus comandantes-gerais fazendo "tudo que o mestre mandar" para se firmarem no efêmero poder antes de irem à inatividade. Que esperar deles? Para que se reúnem anualmente? Sem comentário mais...

Anônimo disse...

Eu ,bola de ferro no cfap. O ano era 1992. Foi quando vi um deputado com nome esquizito dizer numa entrvista que a corrupção na pm deveria ser.combatida de cima para baixo. Era o sr. Talvez o sr nem se lembre disto mas eu lembro. Eu era um moleque de 23 anos. Sou pm integro até hoje com 22anos de serviço. Metade da minha vida vendo isso. O sr tinha razao. Agora foi o comando do 17bpm. O futuro da nossa briosa e viver de briza mesmo. Estamos largados as traças.

Anônimo disse...

Emir disse:

Prezado companheiro da última postagem, você tem razão, eu sempre disse isto, com a vantagem de ter servido como "bola de ferro" no andar de baixo e alcançado por mérito intelectual o andar de cima, porém sempre podendo olhar no olhos dos superiores e subordinados. Claro que falhei muito na linha de frente porque eu, diferentemente de muitos colegas da época, estava lá, ombreando com a tropa. Até hoje tenho o prazer de me encontrar com esses companheiros que, como eu, ainda vivem, para relembrar os bons tempos. Como você, também sinto vergonha dos dias de hoje...