segunda-feira, 6 de maio de 2013

A MISÉRIA DAS PRISÕES



"Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?" (Michel Foucault, in “Vigiar e Punir”. Vozes, Petrópolis, 1984)




Tudo no mundo é sistema e não há parte que não se reflita no todo...

 
Mãos atravessam grades para os corpos encarcerados por elas respirarem, já que os narizes não podem receber o ar de fora, este que, por sinal, é pouco ou quase nada. E ficam as mãos entre as grades aspirando em desespero um ar impossível... Mas, para não se dizer que nariz não leva nada aos pulmões, é bom saber que levam o fedor reinante no ambiente fechado do cárcere. Engana-se, porém, quem pensa que aqueles corpos fedidos se entregam à derrota... Ah, eles não se entregam! Insistem, sim, na manutenção da vida e na esperança de liberdade! Esperam que um dia a senhora liberdade abra as asas sobre eles, e assim muitos vão à morte esperando a liberdade que não virá, posto que, no fim de contas, a esperança não se materializará, eis que não logrou sair da caixa de Pandora quando dela escaparam os males do mundo.

Sem embargo, as prisões estão apinhadas de gentes ruins e merecedoras das penas da lei; estão, porém, misturadas às gentes boas que lá não deveriam estar. No fim de contas, a malsã justiça sempre garantirá a injustiça de homens e mulheres espremidos feito sardinhas em lata, com o tempo deles escorrendo sem sentido, restando-lhes nada mais que muita vontade de se verem livres. Mas isto é impossível, o sistema é padeiro com a mão na massa e todos permanecerão amassados, no máximo revezando os espaços aéreo e térreo do cubículo, de tal modo que os fortes durmam deitados, e os menos fortes, sentados, enquanto os mais fracos estacam eretos. Ah, tanto faz!... Porque todos estão solidariamente encostados entre si, sentindo a fetidez dos suores e dejetos, enquanto esperam o banho de sol... Se houver o critério do banho de sol (raro) ou se então brilhar o sol sobre aqueles corpos sujos; mas, neste segundo caso, como o preso é mesmo mui desgraçado, o cárcere recebe apenas a sombra de paredes frias, ou então as nuvens plúmbeas ocultam alguns poucos raios solares que deveriam coincidir com o tempo mínimo fora da enxovia, sem se pensar em banho de água, que é privilégio somente de presos abastados, sendo certo que sol passando naturalmente pelas grades nem pensar, as grades dos presídios pátrios não veem o sol...

Mas será que o povo brasileiro é preso por grades só quando é condenado por crimes? Há no Brasil, por acaso, prisões não gradeadas?... Hum... Há sim!... E muitas!... Pois o povoléu é preso à fome, à doença, ao desemprego, ao relento, à desigualdade etc. Resumindo essa desgraça toda: o povoléu é preso à miséria, e dela jamais fugirá, pois a grande prisão que os isola é o torrão pátrio e suas fronteiras, que são muralhas inescapáveis em se tratando de miseráveis. Daí é que as migrações sempre esbarram em muitas grades que prendem o povoléu à miséria nacional, o que o iguala a criminosos trancafiados em espaços menores. Afinal, que liberdade é essa?... Ora, morador de rua goza de alguma liberdade? Não seria máxima hipocrisia defender a liberdade de zumbis viciados em drogas que andam à matroca pelas cidades e se amontoam debaixo de viadutos?... Não seria então a ultrajante prisão pátria destinada a supostos criminosos (muitos não passam disso) uma única saída a superar a fome e o desabrigo?... Quantos ante o dilema escolhem a miséria do crime e a tranca de prisões insalubres para se livrarem da miséria do corpo e da alma? Onde é melhor ficar: nas ruas, sem nada, ou em prisões apertadas, mas com direito a um prato de comida?

A conclusão é a de que as péssimas prisões são ótimas ante a prisão perpétua da vida miserável. E, curiosamente, quanto mais grave o crime, maior conforto prisional: celas individualizadas e outras vantagens, se comparadas aos sufocantes cubículos destinados a ladrões de galinha ou a condenados por não cometerem nenhum crime (“Estou sendo condenado por crer em deuses em vez de crer em deuses.” - Sócrates). Sim, a cadeia está cheia de inocentes solenemente trancafiados por uma casta engravatada a encenar ademanes jurídicos como se o foco do que chamam julgamento fosse um poste inanimado, e não um ser humano socialmente excluído de nascença. E nem sempre o réu é autor ou culpado do que lhe imputam em solenidade típica da sociedade formal. E é este, inocente, ferrado da vida, que fica a pôr as mãos entre as grades pedindo... O quê?... Ah, nem ele sabe o que pede, ou nada pede, apenas tenta respirar pelas mãos até o dia seguinte.

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