terça-feira, 1 de maio de 2012

Sobre a verdadeira justiça





Faz tempo que tento compreender a verdadeira justiça. Ao buscar esta verdade como garimpeiro atrás de ouro observei Sócrates e sua injustiça perfeita. Não aceitei que seus adeptos (estados e indivíduos) recebessem posteriormente algum efeito funesto, para mim isto é ouropel... Então percorri Trasímaco e compreendi que a justiça é o interesse do mais forte. Pareceu-me lógico, em especial depois de o homem inventar o estado como seu “protetor”, e, sob o singelo pretexto de “protegê-lo” o estado passou a vigiá-lo e puni-lo, eis a tese de Foucault, que vai além ao demonstrar que muitas instituições particulares culminaram exercendo poder sobre o próprio estado; como, por exemplo, a igreja a ungir soberanos (governantes) emprestando-lhes poderes divinos, enquanto julgava e condenava hereges ao fogo terreno e infernal; e, claro, vendia indulgências aos incautos garantindo-lhes o reino dos céus. Todavia, em contraponto ao poder concentrado da igreja vendedora de indulgências e do estado tirano vieram muitas ideologias e revoluções. Enfim, em todas as circunstâncias da convivência coletiva, lá estava o caldo sangrento em nome de uma justiça igualitária e libertadora. Ah, jamais houve no mundo a tal justiça! O príncipe nunca foi bom e justo, apenas aparentava sê-lo...
Ao final desta garimpagem inútil, exausto, descansei na Utopia de Thomas Morus; e percebi que o lugar ideal é efetivamente nenhum, pois em sua dele ilha perfeita haveria de haver escravos para servir aos ilhéus, e seriam contratados mercenários para defender a ilha dos invasores. Atentei ainda para Maquiavel e mais uma vez concluí que justiça é poder exercido por alguns sobre (ou contra) muitos, ou seja, a maldade e a injustiça aparentando bondade e justiça. Resume-se a justiça, portanto, ao interesse do mais forte, ou seja, do governante, tal como sugerido por Trasímaco. E se é a justiça o interesse do governante, ela se representa pela força dos exércitos e por sistemas de vigilância e punição, sobrelevando o poder dos burocratas, capazes de tudo para exercitar seus micropoderes sobre o cidadão supostamente detentor de direitos... Em especial o de ficar calado, sendo certo que o silêncio, para a justiça, é admissão de culpa, sendo então preferível falar demais e pecar pelo excesso, e devido ao pecado involuntariamente assumido, muita vez mediante tortura física e psíquica, culmina o cidadão por receber a imerecida punição.
Falar ou calar-se... Em ambas as situações a justiça, com ares de nobreza e isenção, simplesmente pune. E é sempre o outro (burocrata) a inferir da fala ou do silêncio a verdade a ser ou não ser acolhida pela justiça (To be or not to be: that's the question). Se antes era a tortura física a fazer aflorar a verdade confessa, embora mentirosa na essência e na existência, hoje os métodos de opressão são mais discretos, sem, entretanto, afetar o poder embutido no que chamam de justiça. Sim, trocaram a tortura física pela eloquência do palavreado apavorante a adrede definir o acusado como culpado. E, se a verdade for favorável ao seu mentor, a justiça o liberará da punição, não sem antes o alertar para os riscos futuros, pois a vigilância ser-lhe-á mais atenta em virtude da dúvida (uma vez réu, sempre réu). Porém, se a verdade for tão-somente a mentira travestida, aí a justiça descerá a borduna no quengo do mentiroso e ele jamais se tornará credível.
Eis como nós, pessoas comuns, estamos invariavelmente num lado ou noutro da mesma moeda em se tratando de justiça, esta que por si só não se basta e só se equilibra como moeda posta em pé (posição dificilíssima de manter até quando se tenta pô-la assim meticulosamente). Enfim, ninguém ou nada se basta como verdade neste mundo de dicotomias dissimuladas em portentosos binômios. Ora, não são nada mais que árvores a ocultarem a floresta e seus emaranhados de ramagens espinhentas!... Daí eu me obrigar a reconhecer que o preço da justiça como flor linda e cheirosa é a dor dos seus espinhos ferindo-me antes de alcançá-la. Quando muito, se o vento ajudar, posso lhe sentir o perfume. Pois a justiça é flor distante, protegida por espinhos venenosos, magnânima na essência e inalcançável na existência.
Fosse a essência, porém, oriunda naturalmente da flor, e em sendo a flor imutável e alcançável, e representando ela a justiça, esta seria boa. Mas a realidade é outra: o homem é capaz de enxertar a flor com erva daninha e do enxerto fazer brotar uma teratogenia. E pode continuar transformando teratogenias em teratogenias, de modo que a flor original não seja lembrada por sua essência (perfume) nem por sua existência palpável ou visualizável (a flor em si). Torna-se então a flor um mito humanamente ininteligível. Esta flor – o mito – é a justiça: cega, surda e muda...
A justiça, enfim, é a da estátua que a representa segurando numa das mãos a balança da dicotomia (Bem versus Mal) e noutra a espada, símbolo da força desmedida do estado. A justiça pertence ao estado, e não ao cidadão; o estado pertence ao governante, e não ao cidadão. E, na balança, um prato tenta sempre neutralizar o outro, em paz fingida; resta então a espada ameaçadora da guerra.
Permito-me então concluir que a justiça não existe, ela é tão irreal como a irrealidade do universo quântico. A justiça materializa-se pelo poder do estado e pela força das armas, ambos disponíveis ao governante, que é quem decide e dispara a arma. Fica então a justiça nada mais que ideário, um ente imaterial; e se um dia a justiça se materializar a ponto de produzir a sonhada igualdade (o equilíbrio dos pratos – fiel da balança no zero) anular-se-á o mundo, e as justiças, e as injustiças, e as armas, e as vidas, e todo o resto... Mesmo assim, desaparecido o planeta, haverá ainda o Juízo Final. Ah, quem sabe do outro lado da vida finalmente conheceremos a verdadeira justiça sem balança e espada?...

Um comentário:

Paulo Xavier disse...

Infelizmente fui obrigado a deletar, antes de postar, um comentário que fiz a respeito da nossa Justiça. Apesar de sermos um país "livre e democrático" corro o risco de ficar preso por falar algumas verdades.
Se um órgão sério fizesse uma enquete nas ruas das nossas cidades junto ao povão, garantindo total isenção quanto à retaliação de qualquer espécie, sobre a nossa justiça, qual seria o resultado? Acredito que o resultado seria desastroso e os motivos são vários; muito além dos citados nesse texto.
Quem teria a coragem de fazer uma biópsia do interior dessa flor? Bom, é melhor eu parar por aqui...