segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sobre o “General do povo”...


Pode ser que eu esteja cometendo uma imprudência ao tentar discordar do veemente texto do jornalista Elio Gaspari, um dos ícones do jornalismo pátrio, dentre outros que respeito e admiro. Não significa, porém, que eu concorde com suas idéias, e é o caso do artigo supra, que intenta estabelecer uma imagem endemoninhada do General Gonçalves Dias. Sim, pois o texto perpassa a ironia e envereda pela crítica feroz contra o militar numa aluvião de fatos desconexos mui bem articulados pelo autor da escrita: perfeita, eloquente, e tão fortemente convincente que é capaz de influenciar quem a lê distraidamente.
Sem dúvida, trata-se de uma digressão visando a fortalecer a essência da crítica, que pode ser extraída do título pejorativo (“General do povo”). Muito bem, não vou discutir a tática de aproximação do General Gonçalves Dias. Vou me ater ao que me pareceu ser o principal objetivo dele, ou seja, evitar que a cena do soldado verde-oliva, com cara de poucos amigos, atirasse no peito do Sargento PM e Deputado Estadual, que, em vez de enfrentar o soldado em igualdade de condições, também lhe apontando alguma arma, o que seria trágico, apenas apontou seu coração e se ofereceu ao tiro em gesto que nada guardava de irreal ou simbólico e que poderia culminar numa sanguissedenta escaramuça imitando Carandiru.
Prefiro, portanto, entender que o General Gonçalves Dias, diferentemente do que assegura o ilustre jornalista, buscou um meio prático de se comunicar com os soldados em greve e seus comandados, preferindo externar amor em vez de ódio. Talvez o desagrado do jornalista seja uma espécie de frustração por não ter ele assistido a uma cena grotesca, com o General montado num cavalo branco, de espada desembainhada e bradando uma ordem de ataque ao “inimigo” entrincheirado.
Com efeito, teria sido espantoso se fosse assim, e quiçá até desestabilizasse o processo democrático em “efeito borboleta”, para alegria de muitos que esperavam cenas ainda mais agressivas do que as que predominavam naquele específico ambiente como se fora cenário teatral assistido ao vivo no Brasil e mundo afora. Mas ali não era teatro; havia um risco iminente de descontrole emocional de tropa armada contra PMs retratados como “inimigos” pelo governante e boa parte da mídia, a ponto de afetar o comportamento individual do militar verde-oliva diante do militar estadual e deputado que naquele instante representava a categoria dele e o povo baiano, eis que eleito pelo voto democrático.
De tal modo que, se houvesse o tiro letal, o carrancudo soldado verde-oliva decerto não mataria apenas o sargento-deputado, mas atingiria o peito de 500.000 PMs do serviço ativo em todo o Brasil e mais um número expressivo de inativos que permanecem atentos e capazes de se somar aos companheiros em reação tão assustadoramente desastrosa que não merece constar nem como hipótese, embora, no fundo, deva ser uma hipótese, mesmo que remota, posto não interessar que prospere...
Ocorre-me, portanto, se não estou tresvariando mais que o ilustre jornalista, que o General Gonçalves Dias, – longe de representar o jocoso “General do povo” e merecer a desqualificação em vista da cena considerada pelo jornalista como “constrangedora e impertinente”, – o General Gonçalves Dias escolheu, sim, o melhor modo de comunicar à base da pirâmide do militarismo federal e estadual, em linguajar imediatamente identificado pelas partes em iminência de confronto sangrento; e, deste modo franco e simples, garantiu a paz num momento crítico. Enfim, e na contramão do jornalista Elio Gaspari, afirmo ser bem melhor existir um oficial-general amante do povo e dos subordinados, não no sentido depreciativo com que foi situado o militar. Ele preferiu, sim, agir como o poeta que talvez tenha relação com o seu nome de guerra, e o fez mui bem; e, se não há esta relação com o nome de pia do poeta, que por minha conta passe a ter!... E ao General Gonçalves Dias dedico, então, o belo poema, em presente aniversário:



Antônio Gonçalves Dias
Canção do Tamoio
(Natalícia)

I

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III

O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves conselhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V

E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII

E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranquilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.


2 comentários:

Luiz Monnerat disse...

Larangeira,

A respeito do artigo 'General do Povo', na coluna do Elio Gaspari, tive necessidade de enviar um e-mail para a redação, em desagravo pela aleivosia gratuita do jornalista contra o nobre General, ao qual o teu texto também presta tributo e a ele igualmente me associo:


"Niterói, 13 de fevereiro de 2012.

Senhor Redator de O Globo,

A respeito da coluna de Elio Gaspari, no útimo domingo, sobre a atuação do General Gonçalves Dias no comando das forças federais nos distúrbios provocados pelos grevistas da Polícia Militar da Bahia, não poderia haver apreciação mais medíocre, além de outro maldoso e irresponsável texto, colocado logo abaixo do primeiro, insinuando providências à chefe do executivo caso não quisesse ser surpreendida ou malsucedida , como se a atuação do general tivesse relação com o que os e-mails revelavam. Ora, não estamos na Síria, onde o exército está disparando à vontade sobre a população, na concepção deles em atitude corretíssima. Parece que o colunista desejava isso. Fazendo coro com ele estamparam a reportagem de Chico Otávio, mas que, de tão fraca, não merece comentário. O troféu da maldade pertence a Elio Gaspari.

Ao contrário do que julgou o jornalista, o General Gonçalves Dias agiu como um experimentado militar brasileiro, militar das Forças Armadas que tem consciência que não pode utilizar a tropa do Exército contra brasileiros, mesmo sabendo ele da ilegitimidade do movimento dos grevistas. A simples presença da tropa federal naquelas circunstâncias já significava intervenção federal, e o General tinha consciência da situação que enfrentava, apesar de ninguém admitir a gravidade. Além disso, sabia que os grevistas PMs a paisana estavam armados. E, se por acaso tivesse ele determinado coisa diferente do que determinou, teríamos assistido um banho de sangue em terras baianas. Seria um absurdo e a coluna do jornalista Elio Gaspari discorreria sobre ele. Mas, ao invés de alcunhar o General de impertinente, o adjetivo já seria outro: imprevidente, irresponsável, louco ou despreparado!

Para o jornalista é bom lembrar que a suprema glória de um comandante é sair vitorioso sem mesmo a sua tropa precisar entrar em combate. Foi o que se conseguiu com a operação comandada pelo General Gonçalves Dias.

Quanto ao bolo de aniversário, recebido em razão do aniversário dele, episódio que, longe de poder ser considerado constrangedor e impertinente, como afirmou o colunista, serviu para revelar a coragem e o domínio da situação que emanava da presença do General Gonçalves Dias. Ora, minutos antes um Soldado do Exército, portando um fuzil, já ia mirando o peito de um tresloucado Sargento PM Deputado Estadual baiano, provando assim a necessidade do Comandante estar à frente de suas forças. Como tal posição ficava a centímetros das duas frentes, grevistas e Exército, outra não poderia ter sido a atitude do general com relação ao presente que recebeu. Aliás, as lágrimas que ele evitou escorrerem mereciam uma reflexão mais humanitarista do jornalista que se julga tão espirituoso e faz disso virtude, pois pareceu-nos que todos nós estávamos tão comovidos quanto ele. Não era uma confraternização, era, pelo contrário, um momento muito triste e confuso da nossa história. Faltou visão ao jornalista.

Luiz Estanislau Erthal Monnerat"

Paulo Fontes disse...

Caro Larangeira,
Também lí o artigo do Elio Gaspari e fiquei tão indignado que parei de ler o livro que o mesmo escreveu chamado " A DITADURA ENVERGONHADA".
Esse jornalista deveris se envergonhar do que disse, incompatível com o prestígio e a competência que indiscutivelmente possui.
Agora só falta ele pedir a volta do castigo da chibata, o garrote vil e a condenação a morte dos Policiais, sem direito a julgamento, contraditório e habeas corpus.
Um abraço
Paulo Fontes