terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Nem tudo está perdido...






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Sento-me diante do computador em curioso espanto. De um lado, impregnado por discursos midiáticos que induzem a população brasileira à falsa ideia de que os militares estaduais são hoje, neste Universo imenso criado por Deus, os verdadeiros e únicos representantes de Satã, eis que endemoninhados em suas ações e trancafiados em presídios destinados a marginais perigosos à revelia da Carta Magna e leis referentes aos direitos e deveres dos militares. É certo, porém, que a quebra dos deveres, até importando algum crime grave, não altera o exercício dos direitos, que, numa democracia, devem ser preservados mesmo a contragosto dos mal-humorados dirigentes políticos e burocratas de plantão. Porque o que implica direito para alguns resulta dever para outros; e quando esses outros não cuidam de cumprir seus deveres, tornam-se igualmente irresponsáveis e devem pagar pelos abusos que praticarem – comissivos ou omissivos. Enfim, igualam-se aos que antes quebraram regras, pois optam pela vingança em vez da punição restrita aos seus limites pelas mesmas leis que irracionalmente ignoram. Retornam, na verdade, aos tempos do Código de Hamurabi e às vindictas do “olho por olho, dente por dente” da lex talionis.
Por outro lado, vejo pessoas não menos importantes avaliando a questão dos militares estaduais com isenção, mesmo discordando dos métodos usados para reivindicar, que têm extrapolado os limites da Lei Maior e outras referentes. Mas, independentemente disso, concordam que a categoria nacional dos militares estaduais vem sendo vitimada em descarados ludíbrios por anfibológicos e detestáveis políticos. Sem delongas, destaco neste ponto o artigo do imortal Merval Pereira, publicado no O GLOBO de hoje sob o título “Questão de Estado”, que vai no frontispício (o máximo que pude fazer, sugerindo aos leitores a leitura completa do longo artigo no jornal), e grafo o não menos excelente artigo do filósofo, escritor, ensaísta e professor da PUC/SP Luiz Felipe Pondé, sob o título “A POLÍCIA INDEFESA”, publicado em 13 de fevereiro de 2012 no Jornal A Folha de São Paulo, que recebi de companheiros via internet:

A POLÍCIA é uma das classes que sofrem maior injustiça por parte da sociedade. Lançamos sobre ela a suspeita de ser um parente próximo dos bandidos. Isso é tão errado quanto julgar negros inferiores pela cor ou gays doentes pela sua orientação sexual. Não, não estou negando todo tipo de mazela que afeta a polícia nem fazendo apologia da repressão como pensará o caro inteligentinho de plantão. Aliás, proponho que hoje ele vá brincar no parque, leve preferivelmente um livro do fanático Foucault para a caixa de areia. Partilho do mal-estar típico quando na presença de policiais devido ao monopólio legítimo da violência que eles possuem. Um sentimento de opressão marca nossa relação com a polícia. Mas aqui devemos ir além do senso comum.
Acompanhamos a agonia da Bahia e sua greve da Polícia Militar, que corre o risco de se alastrar por outros Estados. Sem dúvida, o governador da Bahia tem razão ao dizer que a liderança do movimento se excedeu. A polícia não pode agir dessa forma (fazer reféns, fechar o centro administrativo). A lei diz que a PM é serviço público militar e, por isso, não pode fazer greve. O que está corretíssimo. Mas não vejo ninguém da "inteligência" ou dos setores organizados da sociedade civil se perguntar por que se reclama tanto dos maus salários dos professores (o que também é verdade) e não se reclama da mesma forma veemente dos maus salários da polícia. É como se tacitamente considerássemos a polícia menos "cidadã" do que nós outros. Quando tem algum problema como esse da greve na Bahia, fala-se "mas o problema é que a polícia ganha mal", mas não vejo nenhum movimento de "repúdio" ao descaso com o qual se trata a classe policial entre nós. Sempre tem alguém para defender drogados, bandidos e invasores da terra alheia, mas não aparece ninguém (nem os artistas da Bahia tampouco) para defender a polícia dos maus-tratos que recebe da sociedade.
A polícia é uma função tão nobre quanto médico e professor. Policial tem mulher, marido, filho, adoece como você e eu. Não há sociedade civilizada sem a polícia. Ela guarda o sono, mantém a liberdade, assegura a Justiça dentro da lei, sustenta a democracia. Ignorante é todo aquele que pensa que a polícia seja inimiga da democracia. Na realidade, ela pode ser mais amiga da democracia do que muita gente que diz amar a democracia, mas adora uma quebradeira e uma violência demagógica.
Sei bem que os inteligentinhos que não foram brincar no parque (são uns desobedientes) vão dizer que estou fazendo uma imagem idealizada da polícia. Não estou. Estou apenas dando uma explicação da função social da polícia na manutenção da democracia e da civilização. Pena que as ciências humanas não se ocupem da polícia como objeto do "bem". Pelo contrário, reafirmam a ignorância e o preconceito que temos contra os policiais relacionando-a apenas com "aparelhos repressivos" e não com "aparelhos constitutivos" do convívio civilizado socialmente sustentável. Há sim corrupção, mas a corrupção, além de ser um dado da natureza humana, é também fruto dos maus salários e do descaso social com relação à polícia, além da proximidade física e psicológica com o crime. Se a polícia se corrompe (privatiza sua função de manutenção da ordem via "caixinhas") e professores, não, não é porque professores são incorruptíveis, mas simplesmente porque o "produto" que a polícia entrega para a sociedade é mais concretamente e imediatamente urgente do que a educação.
Com isso não estou dizendo que a educação, minha área primeira de atuação, não seja urgente, mas a falta dela demora mais a ser sentida do que a da polícia, daí "paga-se caixinha para o policial", do contrário roubam sua padaria, sua loja, sua casa, sua escola, seu filho, sua mulher, sua vida. Qual o "produto" da polícia? De novo: liberdade dentro da lei, segurança, a possibilidade de você andar na rua, trabalhar, ir ao cinema, jantar fora, dormir, não ser morto, viver em democracia, enfim, a civilização. Defendem-se drogado, bandido, criminoso. É hora de cuidarmos da nossa polícia.


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