terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Beltrame o que é de Beltrame


A Revista ÉPOCA, edição de 17 de outubro de 2011, apresentando sugestiva capa, reproduz extensa matéria sobre a administração do Dr. José Mariano Beltrame, Delegado de Polícia Federal, como Secretário de Segurança Pública do RJ. Como não canso de dar meu pescoço à forca ao criticar, dou-o agora para elogiar, reconhecendo que a reportagem faz justiça à pessoa e ao profissional, mormente porque deixa evidente a obstinação dele pelo acerto, e como os dados não mentem e são deveras significativos, ele está efetivamente acertando.
Com efeito, de toda a matéria ressaltam-se as estatísticas acima comprovando a queda vertiginosa de alguns crimes graves no RJ. Importante é que os dados se referem a todo território fluminense no período entre 2007 e 2011. Os números demonstram inegável eficiência de gestão a repercutir positivamente na ponta da linha das duas polícias, malgrado os tropeços delas, não por culpa da autoridade homenageada, mas por vícios históricos acumulados pela PMERJ ao longo de sua conturbada existência pós-fusão. Quanto à PCERJ, que ponho em separado porque não é meu foco principal, embora esteja amargando a ineficiência na apuração de delitos, o que a matéria ressalta (“... E aí temos a Polícia Civil, que investiga muito mal”) na página 68, ela é poupada de críticas mais contundentes, aliás, como sempre: a mídia demonstra nítida preferência pela coirmã por razões ideológicas.
Não discuto as razões, justas ou injustas... Atenho-me à PMERJ apenas para consignar um aspecto deveras curioso: foram as UPPs, de responsabilidade total da PMERJ, que iniciaram a mudança de cultura da repressão para a prevenção elevando a popularidade do atual governo, reeleito com abundância de votos. Também outra medida valiosíssima se prende à premiação de policiais civis e militares em regiões que apresentem queda de criminalidade. Antes, a cultura era inversa, quem mais produzia resultados no ambiente criminoso era laureado. Daí o excesso de ocorrências fabricadas, tais como a detenção de “suspeitos”, situação mais grave a constar no rol da “eficiência policial”. Hoje, porém, é a ausência de ocorrência criminosa o paradigma. No entanto, muitos poderiam alegar que a omissão estaria contribuindo para o prêmio. Não creio nisso. Não há lógica na omissão, principalmente porque a vítima saberá de algum modo reagir, tendo à disposição muitos canais para denunciar qualquer desatenção policial. Portanto, o que se deve realçar é o fim da paranóia da “produção de ocorrências”, que na PMERJ atingia o cúmulo de ser reduzida à fórmula: ocorrências atendidas/efetivo pronto.
Vejam o absurdo: o índice resultante devia ser positivo, e, quanto maior, mais “produtividade” (“operacionalidade”), podendo-se imaginar as cobranças feitas à tropa no sentido de aumentar o número de atendimento a qualquer custo e sob ameaça de o PM parar na Guarda do Quartel. E tome detenção de “suspeitos” e outros incômodos direcionados aos cidadãos, sem falar nos famigerados “embuches” a produzir falsas acusações contra indefesos pés de chinelo, com minhas desculpas pelo neologismo. Por outro lado, qualquer artifício interno para reduzir o denominador repercutia positivamente no índice, até mesmo, cá entre nós, a carência de efetivo da Unidade Operacional. Creio que basta para concordar que a não ocorrência é sobremodo importante num contexto de realidade, porque a polícia não precisa entrar em pânico diante de cobranças desse tipo, que antes serviam para derrubar comandos, angariar medalhas por “bravura” e arrepanhar gratificações de “pecúnia”, tudo a privilegiar a truculência policial.
Enfim, a extensa matéria exaltando a gestão do Dr. José Mariano Beltrame lhe faz justiça, até porque ele não pode ser responsável pelos vícios históricos das polícias estaduais nem por suas dissensões infelizmente incontornáveis. Menos ainda lhe cabe culpa pelos insistentes desvios de conduta dos quadros principalmente da PMERJ. Não me agrada reconhecer isto, mas, depois do degradante episódio gonçalense, que dizer?... Como defender uma corporação que acolhe uma doentia promiscuidade entre superiores e subordinados alimentada pela ganância e pela corrupção desbragada?...
Ora bem, neste ponto devo admitir a correção da Revista ÉPOCA ao exaltar o OTIMISMO. Porque, por mais que episódios aberrantes ocorram em demérito da PMERJ, há uma imensa maioria de militares estaduais doando a vida diariamente a defender a sociedade; e muitos não têm casa própria, vivem dificuldades devido aos péssimos salários, pior que sem legitimidade para pleitear melhorias salariais e condições de trabalho mais amenas, tudo porque alguns poucos optam pela prática de crime como precondição para o exercício da atividade policial. Sim, esses ignominiosos facínoras usam a farda, a carteira e o revólver, e, especialmente, o poder institucional, para usufruir vantagens pessoais. E não há como negar essa triste realidade: os fatos comprovam a fúria dessa turma em se tratando de levar vantagem em tudo, desde a extorsão a acordos espúrios com marginais, destacando-se a criminalidade do tráfico e as ações paramilitares cobradoras de ágio na base do mesmo terror imposto por criminosos violentos: as milícias.
Vencer tal aberração institucional tão-somente aplicando o rigor dos regulamentos disciplinares e das leis penais não tem servido de solução definitiva. Essas gentes podres não temem ameaças. Buscar o incentivo ao desempenho é, efetivamente, o único caminho para resgatar os bons em detrimento dos maus. Demais, nada disso é novidade na Teoria da Administração, que prega a mudança organizacional a partir da consideração do ser humano como basicamente bom, a ser premiado, e não como fundamentalmente mau, a ser punido. Daí ser importante o OTIMISMO, essência moral da revista e da matéria enaltecendo o Dr. José Mariano Beltrame, especialmente porque, mesmo não lhe dizendo respeito o passado conturbado das instituições que comanda, ele busca melhorar o presente alterando o eixo de uma cultura operacional nitidamente repressiva e injusta, indo para uma cultura de respeito ao cidadão pauperizado. O tempo, porém, conspirará a favor da prevenção, até porque a repressão já se provou ineficiente e ineficaz na conquista da paz urbana. Portanto, e desta feita, ponho meu pescoço à forca para reconhecer que a homenagem da Revista ÉPOCA ao Dr. José Mariano Beltrame é oportuna, porque faz justiça ao esforço de um abnegado servidor público. Cabe agora à PMERJ dedicar-se com afinco à prestação de excelentes serviços à população até merecer homenagem em matéria idêntica. No fim de contas, não custa ser otimista...

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