sábado, 24 de setembro de 2011

Sobre o Termo Circunstanciado


Mais um round...




“Informe do Dia: Mais um capítulo na crise entre as polícias do Rio

POR FERNANDO MOLICA


Rio - Mais um capítulo da crise entre as polícias civil e militar. Corregedor da Civil, Gilson Emiliano Soares determinou aos delegados a abertura de inquérito contra PMs que façam registros de ocorrência em batalhões. Para ele, isto é abuso de autoridade e usurpação de função pública.”

Diante da inegável conspiração da PCERJ contra a PMERJ, que não é de agora, é histórica, reporta-se à Assembleia Nacional Constituinte, é hora de clarear a quem cabe a razão no interminável conflito. A nota publicada no “Informe do Dia” é curiosa, já que delegados de polícia prescindem de ordem desse tipo para discernir sobre fatos delituosos, respeitados os seus limites legais. Na medida em que houve a ordem, o pressuposto é o de que o delegado de polícia que não a cumprir estará incorrendo em crime de prevaricação ou em desobediência disciplinar, portanto apto a perder o cargo de titular de sua DP. Isto no mínimo, mas suficiente para assustar... É uma situação de impasse, realmente, esta que, aliás, se reporta à Resolução Conjunta PGJ/SSP nº 002, de 10 de junho de 1996, ainda em vigor, que transcreve no seu artigo 1º (sic):


O Policial Civil ou Militar que tomar conhecimento da prática da infração penal, deverá comunicá-la, incontinenti, ao delegado de Polícia da Unidade de Polícia Administrativa e Judiciária da respectiva circunscrição.


Enfim, a PCERJ abarcou para si a incumbência constitucional das Polícias Militares, pois é certo que ela não é “polícia administrativa”, mas simplesmente “polícia judiciária”. Quando a referida Resolução Conjunta afirma ser a DP uma “unidade de polícia administrativa” em sua circunscrição, e na mesma circunscrição em que há uma Unidade Operacional de Polícia Administrativa de Manutenção da Ordem Pública, ou seja, uma unidade da PMERJ, esta é solenemente usurpada em sua destinação constitucional e legal. Pior é que com o aval do Ministério Público, pois se trata de “Resolução Conjunta” PGJ/SSP, não me sendo possível, por ora, saber se o comando-geral da PMERJ é também signatário. Presumo que não o seja...
Seria cômico se não fosse trágico para a população, mas a PCERJ corre com “pernas de lebre” enquanto a PMERJ avança a “passo de tartaruga”... Eis, porém, o outro lado da moeda, o argumento da “tartaruga”: o Decreto-Lei nº 88777, de 30 de setembro de 1983, que regulamentou o Decreto-Lei nº 667, de 02 de julho de 1969, ambos atualizados pelo Decreto-Lei nº 2010, de 12 de janeiro de 1983:


Art 10 - Os Comandantes-Gerais das Polícias Militares são os responsáveis, em nível de Administração Direta, perante os Governadores das respectivas Unidades Federativas, pela administração e emprego da Corporação. (...)
§ 3º - Nas missões de manutenção da ordem pública, decorrentes da orientação e do planejamento do órgão responsável pela Segurança Pública nas Unidades Federativas, são autoridades competentes, para efeito do planejamento e execução do emprego das Polícias Militares, os respectivos Comandantes-Gerais e, por delegação destes, os Comandantes de Unidades e suas frações, quando for o caso.


Enfim, as Polícias Militares existem para trabalhar em prol da sociedade, mas seria muita pretensão minha querer ensinar a delegados de polícia, juristas por excelência, algumas noções do Direito Administrativo da Ordem Pública, embora eu o tenha estudado com afinco por se tratar da essência do funcionamento da PMERJ como Polícia Administrativa de Segurança Pública, ou Polícia de Manutenção da Ordem Pública, diferenciada, portanto, da “polícia judiciária”, que é a Polícia Civil. Mais pretensão, talvez, é citar alguns mestres do Direito Administrativo pátrio, como Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Caio Tácito, Hely Lopes Meirelles, Álvaro Lazarinni, José Cretella, Sérgio de Andrea Ferreira, dentre outros não menos renomados, para informar aos delegados de polícia a distinção entre “polícia administrativa” e “polícia judiciária”. Mas o faço, sim, e afirmo sem medo de errar que o artigo 1º da Resolução Conjunta PGJ/SSP, de 10 de junho de 1996 extrapola ao situar delegacias policiais como “unidades de polícia administrativa”, já que a PCERJ, embora pratique alguns atos de polícia administrativa, assim como a Polícia Militar pratica alguns atos de polícia judiciária. Ora, uma polícia não é a outra, e a unidade de polícia administrativa é a Unidade Operacional da Polícia Militar. E não há dúvida, ante o texto constitucional e legal, especialmente em vista do Decreto-Lei nº 667/69, que o policiamento ostensivo é exclusivo da Polícia Militar:

Art. 3º − Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983).


Cuida a PCERJ, portanto, de gratuita retaliação, já se podendo prever consequências imprevisíveis para a população. Sim, a PCERJ adota uma postura de rivalidade altamente prejudicial ao interesse público ao mandar delegados de polícia autuar quem cumpre a missão e registra o que faz em obediência aos princípios da Lei 9099/95, que primam no sentido de que a informalidade vença a lentidão do rito processual inscrito no CPP. A Lei 9099/95 é, com efeito, um engasgo aos interesses da PCERJ, que, ao que parece, atendem à ideia predominante entre delegados de polícia no sentido de extinguir pela força do muque as Polícias Militares brasileiras, sem antes verificar sem lhes sobra tutano.
Apostam eles na atual “democracia” e no fato de as Polícias Militares serem identificadas pela farda, esta que se teria tornado “mácula” em virtude da ditadura. Esquecem os delegados de polícia que o DOPS, polícia política que cometia disparates desde o Estado Novo, atuou com vigor ao lado dos “ditadores fardados”. Mas a sociedade, constantemente envolvida por discursos acalorados dos “de esquerda” que atualmente mandam no país, culmina confundida e aplaude as artimanhas daqueles que pior fizeram durante a ditadura, eis que não tinham nenhuma visibilidade pela farda, a que agora buscam em blitze aparatosas (típicas de policiamento ostensivo) com o intuito de mostrar serviço ou ocultar o que não fazem em termos de sua função primordial gravada na Carta Magna: a apuração de infrações penais.
Bem, creio que algumas vozes se levantarão em defesa da PMERJ neste momento de ataque frontal que recebe da SSP e seus organismos policiais civis. Ponho, sim, a SSP na roda, pois lembra Pilatos lavando as mãos diante da sentença assassina de Jesus Cristo. Nem mesmo se preocupou em solicitar opiniões isentas. Assiste de camarote a luta entre os leões da PCERJ e os cristãos da PMERJ, esperando apontar o polegar para baixo ao fim e ao cabo. Na verdade, quando a SSP deixou de existir no RJ, não fez nenhuma falta. Maldita hora em que foi recriada, pois o ideal é que o conflito entre a PCERJ e a PMERJ fosse administrado pelo governante e, por fim, abafado por decisão judicial. Afinal, quando se fala em usurpação de poder e quejandos, não há como não lembrar as blitze aparatosas de delegacias policiais reunidas em oba-oba para efeito midiático. Só indago o seguinte: enquanto eles fazem blitze, quem investiga?... Ora, a PCERJ esconde a floresta ao mostrar a árvore (“a árvore impede de ver a floresta” – provérbio alemão). Aliás, sou também contrário às blitze efetuadas pela PMERJ e por outros órgãos municipais e estaduais que atravancam o direito de ir e vir dos cidadãos em vista de aleatórias suspeições...
De todo esse constrangimento, que decerto redundará em providências do chefe do Poder Executivo ou decisão do Poder Judiciário, como inadiável contraponto à inflexibilidade do Corregedor Interno da PCERJ, com todo respeito imagino as seguintes situações em desdobramento do conflito:


1ª Os delegados de Polícia questionando o Corregedor Interno da PCERJ por cercear, em tese, a liberdade de discernimento inerente ao exercício pleno da atividade de polícia judiciária. Afinal, cabe-lhes com independência indiciar ou não, em Inq Pol, supostos autores e culpados de delitos segundo inferências que lhes são exclusivas e somente contestáveis pelo Ministério Público;


2ª A PMERJ poderá encerrar no próprio local as ocorrências que se revelem delitos de menor potencial ofensivo, lavrando TC ou RPM segundo a Lei 9099/95, sem qualquer necessidade de levar os envolvidos a quartéis;


3ª Na hipótese anterior, se o fato ocorrer durante o expediente dos Juizados Especiais Criminais, nada impede que alguma guarnição, ao concluir ser o fato infração penal de menor potencial ofensivo, conduza as partes diretamente à Secretaria do JECRIM e lá proceda ao registro como manda a Lei 9099/95;


4ª Ou poderá a PMERJ determinar que todas as ocorrências envolvendo delitos de menor potencial ofensivo, até mesmo discussão momentânea de biriteiros, só como exemplo, sejam encaminhadas às Delegacias Policiais. E nestas sedes, até para se livrar de autuações nos termos da ordem do Corregedor Interno da PCERJ, os policiais-militares exigirão da autoridade policial, incontinenti, a lavratura do respectivo RO (Registro de Ocorrência). Deste modo, porém, e em havendo em todo o RJ simultâneas ocorrências de menor potencial ofensivo, as viaturas caracterizadas sumirão das ruas e logradouros, criando um ambiente perfeito para o bandido contumaz perpetrar crimes de maior gravidade; ou


5ª Por fim, a PMERJ poderá insistir na lavratura de RPM, como vem fazendo em vista da Lei 9099/95, que admite até “juiz leigo” julgando delitos de menor potencial ofensivo, e PCERJ que incrimine a tropa toda, de cabo a rabo, em todo o território fluminense. Curiosamente, o delito proposto pelo Corregedor Interno da PCERJ é de menor potencial ofensivo. Deste modo, competirá ao Ministério Público opinar e ao Juiz de Direito decidir quem está cometendo, afinal, crime de abuso de autoridade. Creio que vale experimentar...

Nenhum comentário: