quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Bonde de Santa Teresa













Penso passar um tempo cuidando de amenidades. Tenho-as acumuladas no meu recanto íntimo, e o atropelo dos acontecimentos me fizeram esquecê-las. Agora, porém, decidi aflorá-las ao mundo das hipocrisias e desgraças. Sim, ante a tragédia real, melhor então o mundo falso que se constrói independentemente de o bonde descer ladeira abaixo, tombar e esmagar pessoas, vindo logo um “xerife” para prender o motorneiro, que, no entanto, morreu gritando: “O bonde está sem freio!” Ah, não importa, o “xerife” já vingou sucesso com sua fama de mau e ninguém ousará contestá-lo. Ele lembra a “infalibilidade papal” ou a outra “infalibilidade monárquica” do major de milícias Miguel Nunes Vidigal: “Avistei o Vidigal./Fiquei sem sangue;/Se não sou tão ligeiro/O quati me lambe.”
Sem embargo, uma jogada perfeita de marketing, ou melhor, preciosa finta literária lembrando-me meu espírito tragicômico. Tanto que senti coceira nas mãos na ânsia de aplaudir a chegada do hodierno “major Vidigal” saído da fértil imaginação governamental. Eis como se põe água fria em mais uma efervescente tragicomédia urbana, tendente a superar outras tantas ocorridas antes, cumulativamente, e a ser anotada nos anais dos horrores governamentais como estatística bolorenta. E lá no cemitério poderá surgir nos túmulos uma placa anunciando os autores e culpados do bonde tombado “pelo acaso”: os passageiros, que não rezaram à Santa antes da descida fatal.
Sim! Sim!... Os passageiros!... Quem mandou andar de bonde ladeira abaixo sem rezar? Fosse ladeira acima, não precisaria de reza ou freio algum... Só não poderia faltar luz e emperrar a subida. Mas, se a energia faltasse, a culpa seria do fio, do eletricista, do diabo, do et coetera, exceto da Light. E não se haveria de culpar o motorneiro, a não ser que não houvesse cabeça para a carapuça ser enfiada e desviar o foco da cabeça maior, responsável pela entropia por todos os sistemas férreos, rodoviários, marítimos e aéreos, que, seguramente, não é a maravilhosa Santa...
Já no caso de afundar uma barcaça de travessia Rio-Niterói, a culpa jamais será do motorneiro: recairá naturalmente no comandante da nau, ou na água poluída da baía de Guanabara, ou no vento, ou, enfim, nas ausentes sardinhas... E, sem mais opções, ai dos passageiros!... E a solução?... Ora, claro que literária! Pois lá ressurgiria nosso hodierno “major Vidigal” com tripla função, o que não seria para ele nada além de mais um dedo entre dez que tem nas mãos para obstruir o terceiro buraquinho da grande represa de dejetos públicos prestes a estourar. Sobrar-lhe-iam ainda sete dedos, não sendo ele metalúrgico, que, no caso, lhe faria restar seis... E, por fim, sem mais a quem culpar, excluídos os dedos dos pés, e aquele, isolado entre as pernas, e dependente de estímulo, emergiria então a única culpada de todas as desgraças, pois eles seriam capazes de apontá-la, e... Coitada da Santa!

5 comentários:

Paulo Xavier disse...
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D. Quixote disse...
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Anônimo disse...
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NEIDE disse...
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Emir Larangeira disse...
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