quinta-feira, 7 de abril de 2011

Sobre a democracia, a liberdade e a intolerância



Máxima intolerância









“Nosso apego à liberdade e à democracia e nosso entendimento sobre o que significam liberdade e democracia são duramente postos à prova quando nos deparamos com a intolerância. Nossa capacidade de tolerar os intolerantes é que dá a medida do nosso comprometimento para valer com a liberdade e a democracia.” (Ricardo Noblat – O GLOBO – 04/04/2011)



A História das Sociedades registra muitos extermínios individuais e coletivos tendo como causa a intolerância, especialmente a religiosa, um paradoxo se atentarmos para os seus indiscutíveis dogmas, dentre os quais o gravado no 5º Mandamento da Lei de Deus: “Não matarás”. Num segundo plano não menos importante da convivência humana situa-se a intolerância política, esta, geralmente reduzida a quem detém o poder, sendo o sectarismo ideológico o paradigma de sua incontestabilidade. Enfim, o ser humano costuma fazer uso da seletividade restrita ao mínimo maniqueísta, ao sim e ao não em relação a pessoas e coisas que lhe são contrárias, extremos que funcionam como becos sem saída dos quais somente escapam os que reagem como suicidas. Ou não escapam...


Em todas as nuanças deste mundo cambiante, flamenguistas e vascaínos não se misturam e renegam quaisquer terceiras vias em benefício da convivência harmoniosa. É um contra o outro, e as guerras entre as torcidas às vezes lembram as cruzadas católicas e o sangrento fundamentalismo islâmico. No campo político, igualmente, predomina a intolerância dos detentores do poder com seus contrários. O poder é a verdade infalível de quem o detém, este que não se avexa usá-lo como borduna de bugre contra aqueles que o questionam. Num sistema de manutenção do poder a intolerância, portanto, é sua principal característica, mas sempre direcionada aos “não alinhados”. Não há respeito pelas diferenças de pensamento, e as ações dos poderosos predominam como se nenhuma lei houvesse além da vontade deles. Em vez de respeito pelas diferenças, convivemos com a intolerância; em vez de respeito à liberdade alheia, que se deve submeter tão-somente às leis numa verdadeira democracia, há o atropelamento delas e o desprezo pelo bem maior de um regime democrático: a liberdade de pensamento e expressão.


Enfim, a democracia é um sistema de renúncia individual em benefício do bem-estar coletivo, o que demanda a necessidade de desprendimento incomum neste mundo de competições desiguais e de cobiças várias. Por isso a legalidade se ressalta como fundamento possível da legitimidade, ou seja, do consenso finalmente consagrado por uma escrita compreensível e acessível a todos os administrados. Vê-se logo a impossibilidade de se consagrar a democracia num país de ignaros em sua maioria, como é o caso do Brasil e de suas leis enviesadas e dependentes, quase sempre, de interpretações por operadores do Direito que não convergem à unanimidade. No Brasil, não basta existir a lei clara, concisa e precisa; há de haver a sua interpretação (versão), o que torna o povo marionete do poder. Como antigamente, só o poder detém o conhecimento. Nada mudou, “tudo está como dantes no quartel de Abrantes”: o poder da Igreja e da Coroa conquistado e mantido em combates sangrentos.


Com efeito, a História não é feita de fatos, mas de suas versões gravadas a sangue pelos vencedores e propaladas aos aldeões desinformados e desarmados − animais piqueteados e submetidos ao capricho dos poderes eclesiástico e monárquico, o primeiro garantindo a divindade do segundo, e este impondo pelas armas a vontade do primeiro. Assim a dicotomia opressor-oprimido venceu o tempo, mudou de roupagem, dissimulou-se em floreios eloquentes e os poderosos de antes, herdeiros diretos do capital acumulado e da divindade, fingem proporcionar liberdade ao povo enquanto desfrutam das delícias do poder totalitário, seja de esquerda, seja de direita, seja em nome de muitos deuses e dogmas.


O limite da tolerância é a lei malandra a cercear a liberdade individual por conta de direitos coletivos ininteligíveis. E chamam esta opressão de democracia em caradura de dar gosto, como se o estado fosse serviçal da sociedade, embora aquele puna esta de todas as maneiras que a imaginação dos déspotas (muitos deles eleitos pelo povo) possa intentar e praticar. E o povo massificado, ignaro e esfomeado segue se reproduzindo para garantir a mais-valia que jamais lhe retorna a não ser em migalhas de paternalismo totalitário de esquerda ou de direita, de modo que não haja força coletiva de reação em busca da verdadeira liberdade, esta que, nas circunstâncias atuais, somente se consegue com a morte do corpo. Resta ao povo, então, agarrar-se a dogmas e ideologias, não sem contribuir com suas parcas economias para a manutenção da divindade que lhes salvará as almas penalizadas em vida. Ora, sem liberdade não há democracia, sem democracia não há liberdade; e sem tolerância não há nem uma nem outra...

Um comentário:

NEIDE disse...

NUM PAÍS ONDE O GOVERNO IMPÕE AO POVO SUAS DECISÕES SEM DIREITO A CONCORDÂNCIA OU NÃO, ONDE SUSPENDE UM TRIBUTO E DEPOIS VOLTA COM O MESMO SÓ MUDANDO O NOME, ONDE O POVO NÃO TEM A TRANQUILIDADE E SEGURANÇA DO IR E VIR , O QUE É SEU POR DIREITO, AH! ESSE PAÍS ESTÁ MUITO LONGE DE SER CHAMADO DE DEMOCRATA. REALMENTE OU OS VALORES FORAM ALTERADOS OU A MENTE DO POVO SOFREU UMA LOBOTOMIA IRREVERSSÍVEL. É HIPOCRESIA DIZERMOS QUE NESTE PAÍS EXISTE DEMOCRACIA.