quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A tragédia da serra e a hipocrisia societária*

Para não encerrar o assunto...


“As tragédias alheias são sempre de uma banalidade desesperante.”

(Oscar Wilde)


O desastre que vitimou quase mil pessoas e desabrigou milhares de famílias em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo não foi natural. Tudo, na verdade, resultou de inconsequente obra humana a desmatar montanhas e a assorear rios e riachos anos após anos. Posso afirmar com a autoridade de quem vivenciou igual fenômeno, no mesmo lugar, na década de setenta. Naquela época, eu labutava na Defesa Civil do RJ, que era ainda levada a sério, e não como hoje: o referido sistema se encontra absurdamente desfigurado...
Naqueles tempos nem tão distantes ocorreram deslizamentos de barreira com soterramento de casas e morte de 54 pessoas em Nova Friburgo, 44 pessoas em Petrópolis e 29 pessoas em Teresópolis. Demais de outras mortes isoladas, o desabrigo ampliou-se devido a inundações que atingiram seriamente o centro e a periferia de Nova Friburgo (rio Bengala) e se estenderam a Paraíba do Sul e Três Rios, com os rios Paraíba do Sul, Paraibuna e Piabanha afogando casas e gentes e asfixiando a economia de toda aquela região. Estradas vicinais desbarrancaram, pontes ruíram, rodovias permaneceram obstruídas por dias seguidos, terrível calamidade que não deveria ser jamais esquecida...
Mas esqueceram!... O exemplo atual nada mais é que repetição do cenário trágico de outrora, e pelos mesmos motivos, ressalvando-se o descaso do poder público com a Defesa Civil nos seus três níveis de responsabilidade (União, Estados-membros e Municípios): não dragaram os rios principais, não executaram obras preventivas em encostas, não instalaram sistemas de alarme, e a natureza sofreu destruições sucessivas ante os olhares indiferentes da maquinaria governamental e da sociedade organizada. Organizada?... Não! Não há na tessitura social senão o desprezo dos aquinhoados pelos miseráveis que, sem opção de moradia, se instalam em encostas perigosas e nas calhas assoreadas de rios e riachos aguardando a próxima torrente e a morte certa. Há ainda de se somar a tamanho absurdo o sentimento de repulsa da sociedade pelo miserável, a ponto de os societários culparem os favelados pela existência de favelas.
E os miseráveis, − ignaros e desorientados, e jamais fiscalizados no sentido de não ocuparem áreas de risco, − vão vivendo ignorados por todos (sociedade e estado). Jamais são deslocados preventivamente para áreas seguras, e por isso morrem, ou perdem tudo, e assim permanecem no mundo: chorando e esperando sua hora fatídica chegar de igual modo, no mesmo lugar, alterando apenas o momento da comoriência avassaladora.
Ora, de nada adiantam os pomposos anúncios de verbas e de donativos na fase pós-calamidade! Nem se justifica o exagero da solidariedade nesta fase aguda: indesculpável mea culpa de uma sociedade hipócrita e ansiosa por surgir como “heroína de catástrofes” (espécie de carpideira) recolhendo, organizando e distribuindo donativos, até eclodirem conflitos entre societários hipócritas e desidiosos agentes públicos querendo também se tornar “heróis”. Ah, todos na maior caradura em busca dos holofotes de uma imprensa sequiosa de novidades só para desviar a atenção do principal, ou seja, da consequência funesta do desastre em si. Aliás, a mídia estimula o falso heroísmo a ponto de glorificar uma senhora por adotar um cão em vez de acolher no seu regaço uma criança órfã. É, com efeito, muita sem-vergonhice! E assim seguiremos a aplaudir o engodo societário e estatal até a próxima tragédia...



*Publicado no Jornal Maricá em Foco em 10/02/2011

2 comentários:

Paulo Xavier disse...

Além de tudo o que foi dito no texto com referência à desídia governamental, digo mais.
Tenho viajado a passeio pelo Estado do Rio, conhecendo cidades do litoral, da serra, além de outras e como sou observador e crítico das coisas a meu redor, percebo que muita coisa ainda precisa ser feita.
Estradas mal conservadas, mal sinalizadas, aliás, tem muita sinalização informando que existe um radar eletrônico um pouco à frente, na espreita, ávido para fotografar a placa do seu carro; talvez seja esta a única tecnologia de primeiro mundo que dispomos nas nossas estradas. Para se ter uma idéia, entre Macaé e Saquarema,são 115 km, existem por volta de 30 radares eletrônicos e qualquer descuido, prepare o bolso. Acho um exagero e com certeza a finalidade principal é arrecadar. Fosse a verba arrecadada aplicada na manutenção das estradas e na prevenção de acidentes, seria ótimo, porém não é isso o que se vê. Pra onde vai tanta grana, juro que não sei!

NEIDE disse...

REALMENTE O NOSSO GOVERNO NADA MAIS SERVE DE PIADA E O POVO SE DEIXA LEVAR PELA FALTA DE VERGONHA. PARA AS ESCOLAS DE SAMBA QUE TIVERAM SUAS ALEGORIAS E FANTASIAS DESTRUÍDAS PELO FOGO, LOGO O SENHOR PREFEIRO VEIO A PÚBLICO LIBERANDO VERBA E GENTE PARA AJUDAR A REFAZER O QUE RESTOU, RESSALTANDO QUE FAZIA PARTE DA ESCOLA PORTELA E QUE FARIA DE TUDO PARA REERGUÊ-LA, ASSIM COMO AS OUTRAS ESCOLAS. MAS, A TRAGÉDIA OCORRIDA NA REGIÃO SERRANA LOGO FOI ESQUECIDA E A POPULAÇÃO TERÁ DE ESPERAR ATÉ O TÉRMINO DO CARNAVAL OU ATÉ MAIS SE ASSIM NINGUEM RECLAMAR E IR ÀS RUAS GRITAR PELOS SEUS DIREITOS. REALMENTE OS PRIVILÉGIOS SÃO GRITANTES, ONDE O POVO NÃO TEM LUGAR E SIM A FOLIA QUE TRÁS MUITOS EUROS PARA O RIO DE JANEIRO.
E ABRAM ALAS QUE O GOVERNO QUER PASSAR.....