sábado, 8 de janeiro de 2011

Reflexão de fim de semana

Relembrando o passado e a condição humana




Quando me encontro com velhos amigos de farda aflora-me aterradoramente a realidade dos tempos idos e vividos. Percebo a variedade dos gostos e das aparências indicando os bem-sucedidos, e a auto-humildade (ou auto-humilhação) dos que não chegaram ao topo do sucesso. Não digo que os dois tipos estejam aprisionados totalmente aos valores ou desvalores materiais. Entretanto, não posso negar que a ostentação do sucesso aflora em todo o corpo de alguns, assim como o insucesso de outros se reflete na alma que lhes sai pelos olhos tristes ou raivosos. E, desgraçadamente, reconheço que ninguém mudou: o jovem de ontem é o velho de hoje, igualando-se no invólucro desgastado por suores, alegrias, tristezas e vícios. Ah, qualquer que seja o “verniz externo”, todos velhos!... Porém, como se ainda jovens fossem, se arrogam a si vitórias retumbantes, em meio a aturdidos derrotados que semearam a terra de suas vidas com sementes podres. E, decorrido o inexorável tempo, nada mais eles têm para colher ou plantar, o ânimo se lhes esgotou.





Quando falo em semeadura, penso nas sementes físicas e metafísicas. E vejo incontornáveis discrepâncias nos velhos colegas tanto tempo igualados em uniforme roto durante os anos viçosos. Hoje alquebrados, mesmo assim muitos se apresentam como “vinhos” a serem apreciados em cheiro e sabor e, particularmente, pelo preço caro, embora o cheiro e o sabor sejam de vinagre. Já alguns outros não podem nem disfarçar: são vinagres na essência e na existência. Curiosamente, não é difícil constatar que assim eles eram desde a juventude: vinho ruim ou vinagre. Mas vinho que não se fez vinagre no primeiro instante por obra da sorte.
A turma era composta por 25 jovens da periferia. Não havia ninguém de bairro nobre. Os cinco “melhores” do grupo se foram ao além-túmulo, como é da natureza humana elogiar defuntos. Não tenho notícia da morte de colegas pertencentes a corporações de outros Estados Federados. Eram quatro. Deste modo, aquela turma dos anos 60 está atualmente reduzida a 16 almas unidas em amizades ou dispersas em inimizades que remontam aos bancos da Escola de Formação de Oficiais. Não é difícil explicar: é tendência do animal racional, tanto como dos irracionais, competir. A diferença é que os irracionais competem pela sobrevivência, e os racionais, por ganância e vaidade. E nem mesmo a inevitável proximidade do túmulo iguala esses velhos oriundos de um mesmo grupo de jovens da periferia, que, por conta de convivência e trabalho, mantiveram contatos esparsos.
Não sei se a cultura da corporação, − de tradicional subjetividade nas avaliações do mérito ou do demérito, − responde pelas amizades ambíguas, por insinceras relações e inimizades declaradas entre membros de uma só turma − as facções. Também não sei se nas demais turmas o acirramento desses fatores haja sido tão amplo e profundo. Mas noto entre os colegas de outras turmas certa semelhança de atitudes e comportamentos, o que remete ao vinagre o todo das turmas. Ou ao vinho da mesma pipa...
Na verdade, enxergo esse vinho tão-somente para consumo egoístico e ressaca certa. Eu mesmo me assumo estar bem mais para vinagre do que para vinho. Guardo, entretanto, a vantagem de me sentir gratificado pela colheita do meu plantio, mesmo que em alguns casos eu tenha plantado rosas e colhido espinhos ou plantado espinhos e colhido rosas, o que me torna tão ambíguo e merecedor de críticas como os demais.
No fim dessas contas do tempo me vem o desânimo em relação ao outro, bem mais do que em relação a mim. Vejo-me novamente em vantagem, porque me olho no espelho e assumo minhas imperfeições. Não as transfiro para as algibeiras de terceiros. Colho o que plantei, e tento ainda semear boas semente nesse final de vida. Insisto, pois, na busca da minha finalidade em campos físicos e metafísicos, eis que ainda creio na possibilidade de plantar rosas e colhê-las abundantemente.
Sou otimista, não vejo por que desistir de plantar como sempre plantei: sozinho. Porque sei que os que de mim se aproximaram ansiavam por colher minhas rosas gauderiando nos meus jardins. Não lançaram sementes, mas sempre estiveram nos meus canteiros parasitando as rosas. Por conseguinte, e em lamento, reconheço que a vida íntima com esses colegas de três anos de internato me preservou pouquíssimos amigos. De modo que permaneço fiel a eles, sejam vinho ou vinagre. Afinal, sei que a turma foi reunida em tempo e lugar por mera casualidade voltada à doentia competitividade de méritos, deméritos, galões e “cangalhas”. Enfim, mero sucesso em contraposição ao insucesso material e moral. E para relembrar esses tempos idos e vividos (bem ou mal), trago aqui o poeta Laurindo Rabelo e suas Contas do Tempo:



Deus pede estrita conta do meu tempo.
É tão forçoso do tempo já dar conta
Mas como dar sem tempo tanta conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo
Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bom tempo e não fiz conta
Não quis, sobrando tempo, fazer conta
Quero hoje fazer conta e falta tempo
Ó vós que tendes tempo sem ter conta!
Não gasteis esse tempo em passatempo!
Cuidai, enquanto é tempo, em fazer conta!
Mas se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta
Não choravam sem conta o não ter tempo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Issa é serol finíssimo!!!!!

NEIDE disse...

MINHA FALECIDA MÃE MUITO SÁBIA SEMPRE ME DIZIA: DEUS NOS DÁ O TEMPO DE GRAÇA. E ELA TINHA RAZÃO. QUANDO SE QUER, TEMOS TEMPO PARA TUDO E TEMOS A INTELIGÊNCIA DADA TAMBEM POR ELE PARA SABERMOS USÁ-LO DA MELHOR MANEIRA POSSÍVEL E SE NÃO O FAZEMOS, TAMBEM NÃO PODEMOS CULPAR NINGUEM A NÃO SER NÓS MESMOS QUE POR TANTAS E TANTAS VEZES, PRINCIPALMENTE QUANDO MAIS JOVENS, DEDICAMOS, USAMOS, E DESPERDIÇAMOS ESSE ELEMENTO TÃO SIMPLES MAS TÃO PRECIOSO. E ELE É IMPLACÁVEL. JAMAIS VOLTA ATRÁS. SE NÃO O APROVEITAMOS QUANDO ELE SE APRESENTA, NUNCA MAIS VOLTARÁ E TEREMOS DE SUPORTAR O PESO EM NOSSAS CONSCIÊNCIAS DE MAUS EMPREGADORES. E AO FINAL? O QUE TEREMOS REALIZADO DE BOM PARA APRESENTARMOS AO SEU "DONO"? MAS AINDA HÁ TEMPO. ENQUANTO ESTIVERMOS RESPIRANDO, HÁ ESPERANÇA DO SEU MELHOR APROVEITAMENTO EM PROL DA FELICIDADE E DA COLHEITA DE FRUTOS.