sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Em porta arrombada não se põe fechadura



A tragédia na Região Serrana do RJ não pode ser resolvida com dinheiro, primeira “solução” anunciada pelas atônitas autoridades públicas (atônitas?) ante o espantoso desastre que de natural não tem nada. O descaso do poder público é a causa, − antes, agora, e o será depois, − e não se pode reclamar da falta de tempo. Houve em demasia para os municípios atingidos, em vista de idênticos desastres por eles enfrentados no passado. Nada os impediu, portanto, de adotar medidas preventivas de Defesa Civil: diagnóstico de risco de deslizamento de encostas, desassoreamento de rios e riachos, limpeza da rede de escoamento d’água, repressão às construções irregulares e ao desmatamento, plano de evacuação de ares de risco etc.
Se não houvesse uma doutrina de Defesa Civil ensinando detalhadamente tudo isso para evitar acidentes em virtude de fenômenos esperados, ainda se poderia defender a fatalidade como causa do desastre. Mas agora não! O desastre não foi natural! A tempestade, sim, foi natural, e mesmo violenta não produziria os estragos e as mortes se houvesse um mínimo de prevenção e de ação pré-calamidade.
Na verdade, e por motivações inconfessas de poder, durante a Constituinte de 1988 reduziram a Defesa Civil a uma atividade subsidiária de Corpos de Bombeiros Militares, uma aberração doutrinária, gritante menoscabo a essa universal função iniciada na Inglaterra como meio de proteger os londrinos dos bombardeios alemães. Naquela época, Sir Winston Churchil dizia: “A Defesa Civil é uma obrigação para com a humanidade que não pode ser abdicada por nenhuma Nação, Comunidade ou Indivíduo.”
A ampla utilidade da Defesa Civil, que chegou a se desenvolver sobremodo no Brasil a partir da II Grande Guerra, retrocedeu em premeditada entropia e hoje sobrevive de retórica e das fisionomias graves de políticos mui treinados na arte do palco. O resultado dessa encenação shakespeariana não pode ser outro senão assistirmos a sucessivos desastres aparentemente naturais, mas, se olhados pela ótica da prevenção ignorada, são artificiosos. Principalmente em vista do dinheiro gasto sem se saber quanto e como...
Aqui no RJ a situação se agrava em vista da absurda transferência do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil (já prejudicada na Carta Magna) para a Secretaria de Estado da Saúde, inovação estrutural que responde indiretamente por mais de mil mortes em soterramento de lares em muitos municípios fluminenses. Afinal, a máxima arquitetural de Louis Sullivan (“a forma segue a função”) foi deliberadamente relegada ao valor ínfimo. Talvez, em vista da morte de alguns famosos, essas autoridades públicas despertem para o fato de que, ao estruturarem erradamente a Defesa Civil, − tornando-a desidiosa, − deveriam se sentar no banco dos réus por contribuírem para a morte de centenas de pessoas em comoriência desastrosa.
Entre os anos 1975-1979 eu trabalhei na Defesa Civil. Tenho vivência acumulada durante esse período em que também houve muitas desgraças pelos mesmos motivos de hoje, com a diferença de que eu e todos mais que atuavam no referido órgão estadual deixamos a Defesa Civil estruturada e atuante na prevenção. Foi nesse período que iniciamos a conscientização dos municípios no sentido de criar organismos de Defesa Civil diretamente ligados ao gabinete dos prefeitos. Visitávamos os municípios, proferíamos palestras orientadoras e distribuíamos manuais contendo até mesmo um modelo de Decreto Municipal de criação da Defesa Civil Municipal. Não funcionou...
Enfim, todo um esforço de ensinamento perdido ao longo dos últimos anos, acrescido ainda da desvalorização da Defesa Civil no contexto estadual. Portanto, esperar o quê? Ora, a repetição dos desastres, com a perda de parentes e amigos, confirmando quão desvalorizada é a vida humana por essas autoridades enfeitadas de jalecos, com fisionomias “preocupadas” e oferecendo dinheiro como se vidas perdidas pudessem ser compensadas pela distribuição do vil metal.
Paradoxal é constatarmos que os gastos para grandes eventos festivos não enfrentam burocracias. Muitos são pagos até antecipadamente. Por que então não transformam em previsão de festa as previsões meteorológicas e liberam antes o dinheiro para minimizar seus funestos efeitos? Por que, tais como as festas (réveillon, por exemplo), as calamidades não possam ser previstas e medidas reais de prevenção possam ser executadas?
Da mesma forma que se tem de montar um palco para acolher celebridades em encantadoras fantasias, nada impede de desassorear um rio com a mesma facilidade burocrática. Assim se fez com o rio Bengala, de Nova Friburgo, na década de 70, que inundou a cidade em ocorrência na qual um deslizamento de terra matou 54 pessoas. Naquela época, até carcaças de veículos represavam as águas sujas do rio. É bem possível que de lá para cá o desassoreamento não se tenha repetido, o que, como sugere Marcos Sá Correa, não é culpa da natureza, mas de políticos desidiosos. Só discordo dele quanto ao crime contra a vida humana, que para mim talvez seja doloso, se visto pela ótica da facilidade dos gastos com festas em contraposição à dificuldade dos gastos para preservar a vida.

Um comentário:

NEIDE disse...

MAS É SEMPRE O QUE ACONTECE. SE HOUVESSE UM PLANEJAMENTO CORRETO TUDO ISSI SERIA RESOLVIDO. EXISTE A DEFESA CIVIL DE CADA ESTADO PARA QUE? É SABIDO QUE ONDE EXISTE RIO CORTANDO UMA CIDADE, ESSE RIO DEVEW TER UMA ATEÇÃO VIRADA PARA ELE. AO MESMO TEMPO QUE ELE ESTÁ LÁ FAZENDO PARTE DA VISTA PANORÂMICA, TEM DE SER CUIDADO, DRAGADO, REALIZADO EVENTOS SIM MAS PARA A CONSCIENTIZAÇÃO DE HIGIENE E LIMPEZA DO MESMO PARA QUE ELE NÃO SE TRANSFORME NUM MONSTRO A ENGOLIR O LOCAL POR ONDE PASSA. COSTUMO DIZER QUE UM RIO SE IGUALA AO ESTÔMAGO HUMANO, QUE UMA VEZ CHEIO DEMAIS SEM O USO DE UM ANTIÁCIDO, ELE EXPULSARÁ O QUE ESTÁ DEMAIS. TOMAR PROVIDÊNCIAS DEPOIS QUE ACONTECE NÃO ADIANTA. O QUE TEM DE SER FEITO É MUITO SIMPLES: O RESPONSÁVEL PELA CIDADE, PELO MUNICÍPIO, SEJA PELA QUE FOR, TEM DE TOMAR MEDIDAS PREVENTIVAS PARA QUE SE EVITE MAIS UM ENTERRO COMUNITÁRIO E DOLOROSO E O SOFRIMENTO PARA OS QUE FICAM QUE SÃO OS QUE NAIS SOFREM NÃO SE SABE ATÉ QUANDO.