domingo, 5 de dezembro de 2010

Sobre a extinção das Polícias Militares brasileiras

"Não obstante, com toda a repressão, as drogas proibidas continuam a ser vendidas e existe muita gente que acha que seu barato vale o risco de uma longa prisão ou de execução. Não vem ao caso especular sobre as razões para isso, mas cabe um raciocínio econômico singelo: é fenômeno universal a oferta aparecer assim que aparece a demanda. Havendo nariz para cheirá-lo, haverá pó." (João Ubaldo Ribeiro – A guerra que não vai acabar – OPINIÃO – O Globo de 05/12/2010)




[JORNAL EXTRA-04/12/2010

Enviado por Fernando Rorres e Letícia Sicsu - 4.12.2010 /6h59m

Sérgio Cabral quer unificar polícias Civil e Militar do Rio

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pedirá o apoio da presidente eleita, Dilma Rousseff, para conseguir a unificação das polícias. A ideia de Cabral é que seja criada uma nova instituição, unindo as estruturas e atribuições das atuais polícias Militar e Civil. Como ambos não têm o poder de fazer isso unilateralmente, as diretrizes devem ser enviadas ao Congresso Nacional, para que seja elaborada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Além de receber pedido de Cabral, Dilma assistirá a uma apresentação de dez minutos, feita pelo secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, em que outros nove tópicos serão abordados, com a intenção de discutir mudanças no atual cenário do combate ao crime, no Brasil. O EXTRA teve acesso ao esboço do documento que Beltrame está preparando para levar ao Distrito Federal. Ele é um dos vários convidados de um seminário, ainda sem data marcada, que inclui organizações não-governamentais (ONGs), outros secretários e especialistas em segurança pública.
Beltrame acredita que esta é a hora de adequar a legislação penal à realidade vivida no país, com menos benefícios e cumprimento mais efetivo da pena para criminosos. O secretário falará com a presidente eleita sobre as brechas da Lei de Execuções Penais, que permitem a um preso progedir do regime fechado para o semiaberto após cumprir apenas um sexto da pena. Mariano também pedirá a Dilma que interceda, no Congresso, para agilizar a tipificação, no Código Penal, do crime de milícia.]



A insegurança pública que grassa no Brasil como calamidade social é decorrente de muitas variáveis que carecem ainda de profundos diagnósticos. Muitas dessas variáveis, aliás, nem são conhecidas ou reconhecidas como íntimas da insegurança pública. Digo mais: há muitos conspiradores que nem sabem distinguir o que seja insegurança pública como fator psicossocial relevante; pior ainda, evitam conhecer o Direito Administrativo da Ordem Pública e sua Doutrina acordada por estudiosos nacionais e pelas principais autoridades no assunto de diversos países ocidentais.
Aproximam-se do reducionismo os que conspiram contra as Polícias Militares, forjando insidiosamente a falsa ideia de que a segurança pública é a contrapartida única e exclusiva do crime; reduzem-na à ação policial e não a veem como um sistema complexo a ser tratado como tal numa nova conjuntura afastada da idiossincrática conspiração nacional das Polícias Civis estaduais no sentido de extinguir as Polícias Militares, o que me parece piada, e de muito mau gosto...
Enfim, a conspiração, – de muitas formas gravadas em Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), – extingue as Polícias Militares e transforma o sistema policial civil num outro “sistema policial civil” (idêntico na forma e gêmeo na função). Nada mais. E até parece que o atual sistema venha sendo eficiente e eficaz na elucidação de crimes e competente na atividade de polícia judiciária... Tudo fundado apenas na mundana teoria de que o cidadão formado em Direito é o único apto a ser Delegado de Polícia, pior que restringindo a investigação criminal (nada mais que técnica) a uma competência exclusiva. Afinal, investigação criminal é exercício de lógica, e para preparar um inquérito policial, seja civil, seja militar, não se precisa mais que treinar e seguir o rito formal. Cabe ao Ministério Público a denúncia do fato investigado (cercado de provas técnicas produzidas ou referendadas por peritos) e tipificado à luz do Direito. Enfim, para ser Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Defensor Público é necessário ser Bacharel em Direito. Afora isso, é pura balela corporativista.
Ora, que urge a necessidade de revisão dos conceitos e práticas da segurança pública no Brasil, não se há de pôr dúvida. Mas não serão essas PECs conspiradoras a solução de nada, disso eu também tenho certeza. Para alterar o atual Sistema de Segurança Pública, a primeira providência é diagnosticar a própria Carta Magna, ouvir os diversos setores da sociedade, estudar uma nova conjuntura sistêmica, e, aí sim, depois de muitos seminários, conferências, pesquisas etc., o poder político deve partir para uma reestruturação de consenso, nele inserindo o Ministério Público, o carcomido Sistema Carcerário, a Justiça Criminal e de Execuções Penais etc.
Como se vê, não é tarefa a ser resumida na extinção pura e simples das Polícias Militares, única polícia, aliás, que garante a ordem pública com a cara de fora e recebe cobranças como nenhuma outra instituição policial. Ninguém cobra da Polícia Civil a elucidação de delitos, mas pressiona a Polícia Militar para diminuir o crime nas ruas apenas inibindo pela presença ostensiva a oportunidade de sua prática impune por contumazes delinquentes. Ora bolas! Eles circulam livremente porque não são investigados pela polícia judiciária, não são denunciados pelo Ministério Público nem processados criminalmente e presos. Ora, ora bolas! A Polícia Militar, como polícia administrativa, não inibe vontade, isso é labor da polícia judiciária (Polícia Civil), que, por sinal, se satisfaz com a instauração de Inquéritos Policiais acumulados sem solução exatamente porque não se aprofundam as investigações. Também o inalcançável Ministério Público, na falta de provas substanciais contra criminosos, muitas vezes abraçam as ilações inquisitoriais e denunciam sem provas concretas muitos acusados, que, ao fim e ao cabo, ainda se obrigam a provar a própria inocência. Enfim, uma sucessão de erros conjunturais e estruturais históricos e ideologizados que os conspiradores intentam transformar num Cilindro para enfiar no fiofó das Polícias Militares. Nem mesmo um Cone para quebrar o galho... Pior é que o fazem empolgados com a possibilidade de as Polícias Militares apenas rebolarem para facilitar a penetração sem vaselina. Que venham! E verão que não será bem assim!...
Unificar a atividade policial, ou melhor, garantir o ciclo completo de polícia no Brasil, tudo isso até já passou da hora. Liberar as Polícias Militares da subordinação ao Exército Brasileiro como força auxiliar reserva, já que a força militar federal não assume como antes esse mando a não ser para atrapalhar a evolução das corporações militares estaduais como instituições policiais por excelência, é uma necessidade; também o controle de armas e munições deveria ser tarefa de polícia a ser fiscalizada pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
Não significa dizer que as Forças Armadas devam permanecer em inércia ante a desordem pública e aos problemas internos como catástrofes e outros tipicamente de Defesa Interna. Muito pelo contrário, a sociedade brasileira pagadora de impostos não se pode dar ao luxo de sustentar uma estrutura a esperar guerras externas e a ignorar as sublevações de grupos sectários que ponham em risco a democracia. Mas o Brasil vivencia um Estado Democrático de Direito e a sociedade não mais deve ser alvo de desconfianças aliadas aos tempos de chumbo, como se nota no Título V: “Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas”. A meu ver, deveria ser “Da Defesa do Cidadão e da Sociedade Brasileira”.
Há também de ser revisto o Inciso XXI e caput do Artigo 22 da CRFB: “Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;” Não basta, portanto, a vontade política do Governador Sérgio Cabral para que as polícias estaduais sejam unificadas no RJ. Na verdade, as polícias estaduais são subsistemas de um só sistema e assim coordenadas em suas ações sem necessidade de subordinações a não ser às leis vigentes. O problema é que nenhuma das polícias estaduais exercita o ciclo completo de polícia, situação, esta sim, simples de se vencer conjuntural e estruturalmente. Portanto, o governante não tem como emplacar uma ideia, que, isolada, e sob a ótica constitucional, passa a ser mirabolante. Não que a ideia seja ruim; nem que seja boa, não se sabe... Mas uma coisa é certa: desta vez ele não está lidando com CBMERJ, que aceitou passivamente seu deslocamento inconstitucional para a área de saúde. Creio que com a PMERJ será muito diferente. Muito! Muito mesmo!...
Com todo o respeito, a ideia de extinguir as Polícias Militares representa uma absurda visão reducionista, e tão simplória, e de certo modo sectária, que será impossível pôr em prática sem uma baita confusão. E, mesmo que se parta para uma mudança global a atender a conspiração contra as Polícias Militares, nem mesmo a Presidência da República aliada ao Congresso Nacional conquistará objetivo deste modo que vem sendo pragmaticamente ideologizado. Mas que o sistema de segurança pública necessita de ser totalmente revisado, como eu já afirmei, não há dúvida! Que as Polícias Militares são paquidérmicas nesses novos tempos, também concordo! O que não significa, entretanto, aceitar que a coirmã Polícia Civil seja solução para essa massa falida da qual ela é igualmente parte. Portanto, é preciso um pontapé inicial! E o pontapé, mais para canelada dentro da área, foi dado! O RJ sugeriu mudanças na dianteira dos demais Estados Federados. Isto é bom! Essa discussão já passou da hora! Mas que, pelo menos, o tema seja posto com isenção e ética, e não como sugerem algumas dessas PECs conspiradoras que tramitam sorrateiramente no Congresso Nacional!... Posteriormente comentarei sobre algumas delas, que, decerto, não vingarão!...
Sobre o “crime de milícia”, e sem mais comentários a respeito do mau emprego do vocábulo “milícia”, reporto-me ao lapidar artigo do economista Rodrigo Constantino, publicado no Jornal O Globo em 16/11/2010 (OPINIÃO), e que vai abaixo postado, sugerindo ainda a leitura do artigo de João Ubaldo Ribeiro no O Globo de hoje, 05/12/2010 (OPINIÃO):


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