sábado, 17 de julho de 2010

Sobre a tragédia de Costa Barros





“Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!” (William Blake)


O título de O Globo de hoje não deveria ser “O pesadelo virou realidade”, mas “A realidade virou pesadelo”, ou seja, o inverso, porque é geralmente da realidade que nasce a ficção, no caso o “pesadelo”. O título é praticamente um aforismo, como poderia ser outro: “Se correr o bicho pega, se parar o bicho come”; ou poderia ser dito como “desfecho de uma tragédia anunciada”; ou ainda outro: ”Para os que creem uma explicação basta; para os que não creem, nenhuma explicação é possível”. Ou, ainda, rememorando o Marquês de Maricá: “A ordem pública periga onde não se castiga”. E mais tantas outras vertentes para explicar, ou justificar, ou bombardear a “tragédia anunciada” da morte de mais uma criança durante confrontos entre policiais e bandidos homiziados como “príncipes de cidadelas” nas favelas do RJ.
Aproveitando o mote literário do título global, poderíamos ilustrar com outro bastante sugestivo: “Em confronto entre cidadelas de ‘príncipes’ ungidos pelo Poder Público (9º BPM) e pelo Poder Paralelo (Complexo favelado de Costa Barros), morre o primeiro ‘príncipe’ vitimado pela política”.
Sobre a “tragédia anunciada”, há causas geradoras em ambos os lados. Sobre a morte do menino Wesley Gilbert Rodrigues de Andrade (cena desgraçadamente corriqueira), vou acrescentar uma crônica por mim editada em livro (Bairro de Lata) no ano de 2001 (vide em www.emirlarangeira.com.br); nele, como abertura dos contos, eu invento a história trágica do menino Honório (o Wesley da ficção):






Sobre a morte profissional do Cel Príncipe (que compareceu ao jantar aniversário de Anthony Garotinho oferecido por seus amigos, e eu também, e orgulhosamente, lá estava), sem qualquer conotação “pessoal” (não sou amigo dele, sou apenas admirador do seu estilo guerreiro), prefiro substituir parte das minhas palavras pelo poema do mestre Salgado Maranhão, poeta brasileiro de renome internacional. O poema (sic) foi a mim dedicado por eu ser PM, o que me autoriza o seu uso:


FARDA
p/ Emir Larangeira


Melhor se se chamasse fardo,
em vez de farda, – esse travel
cheque para o sacrifício –
a defender o indefensável.


Melhor se se chamasse alvo:
mural da ira acusadora
contra os próprios personagens
que lhe julgam protetora.

São, normalmente, pretos, pardos,
Pobres, sobras de etnias:
gente fabricada em série,
que ao perder, tira se outra via.

E prossegue o ritual
desse espetáculo de horrores,
de Caim matando Abel
numa guerra sem vencedores.

E prossegue essa torrente
do sangue que não socorre,
o drama de ser ver morrer,
do lado de onde sempre morre.


SALGADO MARANHÃO



Mas... Curioso... Fosse o Cel Príncipe amigo do atual governante, é bem possível que o Dr. Beltrame novamente viesse a público com a máxima stalinista (sic): “Não se pode fazer um omelete sem quebrar ovos.” Assim defenderia o seu pupilo, fosse ele ungido pelo atual sistema político. Para quem não lembra, no episódio da Tijuca (morte do assaltante por atirador de elite do 6º BPM, comandado pelo Cel Príncipe, que se arriscava a negociar uma rendição impossível ante uma granada apta a matá-lo, bastando ao bandido largá-la ao chão quando retirava o pino, o que o fez por mais de uma vez, recolocando-o no lugar, hora do tiro preciso, necessário e fatal ao bandido), não houve um elogio sequer do governante à espetacular ação da PM. Não houve nenhum regozijo governamental em favor do Cel Príncipe. Tivesse ele morrido ali, seria, aí sim, sepultado com honras de Chefe de Estado. Ora!...
Mas bastou ser maldosamente anunciada a presença dele num jantar de natureza “pessoal” para ele se ver agrilhoado à retaliação por seu menor azar (ter comparecido ao jantar), tudo em função do seu maior azar (ser amigo de Anthony Garotinho). Gozado, eu também me considero amigo e liderado de Anthony Garotinho e me orgulho disso. Mas nem por isso sou contrário aos dirigentes da PMERJ nem costumo criticar o Dr. Beltrame; geralmente me reporto ao que ele diz... Quando muito, questiono sistemas operacionais construtivamente, torcendo para que deem certo.
Aliás, bom momento para comparar a morte do menor em Costa Barros com o ferimento de outro “inocente” por “bala perdida” numa UPP, com diversos PMs (da “elite” formada pelos “300 de Beltrame” – vide a Revista Veja Rio, de 25 de novembro de 2009*) afastados para apuração de autoria e culpa pelos disparos (segundo os PMs acusados, eles teriam reagido a uma injusta agressão a tiros promovida por traficantes ainda instalados na comunidade “protegida”).


“CASO DE POLÍCIA - EXTRA

Enviado por Guilherme Amado -
15.07.2010
11h51m

INVESTIGAÇÃO

PMs suspeitos de disparo em UPP do Cantagalo são afastados

Os quatro policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho acusados por um morador de tê-lo baleado, durante um incidente no último dia 4 de julho, foram afastados da unidade. Eles estão respondendo a um procedimento interno da Corregedoria da Polícia Militar, que, em última instância, poderá levá-los à expulsão da corporação.

— Os policiais foram retirados da UPP para que haja um procedimento apuratório interno. Se entendermos que o aspecto criminal prevalece, aí será instaurado um Inquérito Policial Militar e, ao final de todo esse processo, caso seja comprovado suas responsabilidades, eles poderão ser expulsos — explicou o coronel Robson Rodrigues da Silva, responsável pelo Comando de Polícia Pacificadora.

Na versão do morador atingido, André Luiz Gonçalves de Araújo, de 34 anos, não houve tiroteio na comunidade. Embora não tenha visto o autor do disparo que o feriu, ele acredita que tenha partido de um dos quatro policiais. Já os PMs afirmam que houve troca de tiros, quando foram checar uma denúncia de que traficantes agiam na favela.”


Desta vez, como se pode depreender do noticiado, a corda estourou apenas "do lado de onde sempre morre”, ficando o Cel comandante das UPPs blindado e dono do discurso oficial. Mas, em compensação, não se pode afirmar que instalar UPPs no Complexo de Costa Barros evitaria a morte do menor dentro de sala de aula por bala perdida. Daí, portanto, não haver “nada pessoal” na exoneração do Cel Príncipe. Realmente, como assegurou o comandante-geral em entrevista a O Globo: “A nossa medida não tem caráter pessoal...” É tudo em função de política eleitoral e de ordem superior, claro!
Curioso é que muitas vezes eu vi o atual governante, com a sua (dele) teatral cara de mau, afirmar que a sua (dele) política de segurança pública era a do “enfrentamento, mesmo”. Tal discurso geralmente vinha antes ou depois de ações sangrentas promovidas pelas duas polícias a mando do Secretário de Segurança, este que disparava a sua máxima stalinista como discurso-padrão, o que me obriga a repeti-lo: “Não se pode fazer um omelete sem quebrar ovos.”
Depois vieram as badaladas UPPs, euforia que ainda perdura, ora firme, ora claudicante, porque nem ao Sistema Globo é possível “tapar o sol com a peneira” em vista do cada vez mais elevado número de ocorrências violentas em diversas localidades “pacificadas”. No fim de contas, o “enfrentamento” é inevitável...
É, estamos em ano eleitoral... A luta pelo poder será insana. Que os "300 de Beltrame" não terminem como os 300 de Esparta!... Ah, a eterna luta pelo poder!... Na realidade (ou na ficção, tanto faz, não sabemos se existe alguma realidade no Universo), estaremos a assistir mais uma vez a reedição de cenários shakespearianos (“embora a autoridade seja um urso teimoso, muitas vezes, à vista de ouro, deixa-se conduzir pelo nariz”) que nos remetem à máxima de Cecília Meireles resumida na poesia: “Vede os pequenos tiranos/ que mandam mais do que o Rei/ Onde a fonte de ouro corre/ apodrece a flor da lei!”
E o poder que se disputa é o tão almejado “ouro” das máximas eternizadas pelos dois inegáveis mestres universais da arte literária em todas as suas vertentes.
Pensem, ó companheiros! Pensem, ó leitores e eleitores! Não sejam tolos, ó eleitores! Sejam sábios e vejam a árvore, ó eleitores!... Ó Cecília Meireles, ó William Shakespeare, façam o eleitor acordar a tempo! Porque até 03 de outubro vindouro o que veremos como realidade é a ficção trágica encenada no palco dos horrores do narcotráfico vencedor também de eleições. E se for necessário aos traficantes matar mais crianças para inibir o Poder Público desde muito tempo a eles submetido, eles o farão sem pejo. É, enfim, a ditadura dos bandidos, eis a “árvore” da máxima de William Blake a ser iluminada pela sabedoria popular na hora do voto: “O tolo não vê a árvore que o sábio vê!”





4 comentários:

Wanderby disse...

Não sei se o Sr escreve como poucos ou se poucos escrevem como o Sr.
Minha continência.

Anônimo disse...

É muita sabedoria para uma única mente

Anônimo disse...

A VIOLENCIA EM COSTA BARROS NASCEU MESMO NA EPOCA DO GOVERNADOR BRIZOLA,DEPOIS ALIMENTADO POR OUTROS GOVERNADORES COMO GAROTINHO,ROSINHA E ATE BENEDITA DA SILVA,TIVE QUE SAIR DE COSTA BARROS DEVIDO A VIOLENCIA QUE NOS DIAS DE HOJE ESTÃO NO TOPO MAXIMO,SO MESMO HUMA UPP PRA SALVAR O POVO SOFRIDO DESSA HERANÇA DEIXADA POR ESSES GOVERNADORES!

Anônimo disse...

Pois e' ja se passaram seis meses,sairam comandantes, entraram comandantes,O Comandante Principe permanece, como ele mesmo dizia, "No passadisso da ala norte" So' que desta vez, da Geladeira da DGP. E isso nao e nada pessoal !!!!