domingo, 25 de julho de 2010

Sobre a morte de Rafael Mascarenhas

Fonte: O Globo de 25/07/2010
Antes mesmo de comprovada a corrupção em meio à trapalhada já formada, ecoa o clamor governamental no sentido de que o comportamento dos PMs é abominável e que os “bandidos ao quadrado” serão exponencialmente punidos: no contexto administrativo perderão emprego e a família deles não mais terá direito ao sistema de saúde da PMERJ para o qual eles contribuem desde o ingresso na corporação; e podem amargar pesada condenação pela Justiça Criminal. Mais abomináveis ainda foram o homicídio perpetrado por Rafael Bussamra e o intento do pai (Roberto Bussamra) em acobertar o filho atropelador por meio de artifícios ainda não apurados. Mas a nebulosa confissão (?) de Roberto Bussamra em distrital da Polícia Civil, assumida ao pé da letra pelo governante, foi o que a este bastou para execrar publicamente os PMs, omitindo-se, porém, de tecer iguais comentários quanto ao atropelador inconsequente e seu artificioso pai, este que teria espertamente corrompido os PMs ou por eles fora extorquido.
E se supormos que Roberto Bussamra mentiu na DP? E se a sua (dele) declaração posterior ao fato gravíssimo já se integrava a alguma tática de defesa do filho? Tempo para isso houve?... E que prova ele apresentará da tal extorsão? Cá pra nós, o mero saque de seis mil reais (pode?) e o engodo dele mantendo no bolso cinco mil reais e “entregando” aos PMs apenas mil sugere uma frieza tão espetacular que poderia ser traduzida como mentira. E, se o total de nove mil reais seria posteriormente entregue, por que a Polícia Civil não comunicou à PMERJ para montar uma operação e flagrar os dois PMs recebendo a maior parte?... Ora, porque é ajustado demais o cidadão brasileiro Roberto Bussamra “receber telefonema de parentes” no pleno andamento da sua tramóia e abortá-la de caminho. Tudo muito conveniente para a história ter sido como um roteiro de teatro ou cinema...
O flagrante dos PMs recebendo os nove mil reais que faltavam seria a parte mais fácil de fazer para dar veracidade absoluta à história. Em não havendo essa providência, tudo se arroja para o campo da ficção grosseira e da especulação preconceituosa e desfavorável aos PMs. Cá pra nós, prato feito para o governante que detesta PMs sem qualquer pejo de assumir isto publicamente e reiteradas vezes. A vantagem é que nós, PMs, também o detestamos...
Há, na verdade, muito que se apurar para se chegar à verdade substancial dos fatos. Tudo soa estranho em demasia e outras novidades poderão surgir. A fatalidade em si, efeito consciente de quem imprimia alta velocidade ao seu carro num local incompatível para tanto, resultou na morte de um jovem skatista que também se divertia em local inapropriado. É duro admitir, mas aí sim, a fatalidade foi chamada a intervir, tanto como em outras aventuras arriscadas em que os jovens morrem: saltando de asa delta, escalando montanhas, demais de outros esportes radicais, alguns absurdamente perigosos.
O trágico episódio sugere uma sucessão de trapalhadas mal explicadas, incluindo-se a suposta transgressão administrativa (e o suposto crime) dos PMs em vista da voluntária e decerto pensada acusação do pai para livrar o filho de comportamento doloso. É duro constatar, mas onde Deus constrói uma igreja o Diabo levanta uma capela ao lado (insinuação machadiana). E se o pai do atropelador estiver mentindo?... Por que a palavra de um “cidadão” sem temor algum de transgredir a lei penal, na escuridão dos arranjos posteriores ao atropelamento provocado por seu filho, vem à luz como mirabolante tese de extorsão que poderia facilmente ser provada com flagrante no momento do recebimento do elevado complemento pecuniário? Hum... Que a história está mal contada, ah, está mesmo!... Pior é que o suposto delito dos PMs (a ser verdadeira a estrambótica versão de Roberto Bussamra) vem se tornando mais estrondoso que o inegável crime de Rafael Bussamra: o homicídio, seja culposo (?) ou doloso.
Pelo que se vislumbra das notícias, tudo contribuiu para a tragédia, sendo mais grave o fato em si (homicídio) e a abordagem do pai supostamente subornando PMs ou por eles sendo subornado para liberar o carro e o filho. Mas se esses PMs cometeram o crime de corrupção (ativa-passiva) em concerto com o pai do homicida, este tenta transformá-lo em crime de extorsão para embuchar somente os PMs e livrar seu filho do crime doloso. E também ele próprio, claro, tenta se desvencilhar do papel de corruptor ativo para o de incauta vítima. Ora, se os PMs, nessas circunstâncias tão aberrantes, decidiram se vender, deveriam ser punidos também por burrice. Porque, diante de um atropelamento com vítima fatal, receber dinheiro para desfazer o local, bancando um jogo pesado desse, é simplesmente inverossímil.
Com efeito, foge à razão um pai de criminoso oferecer dez mil reais para acobertá-lo e os PMs se contentarem com apenas mil. Ora, ora!... Repito aqui: a ser verdadeira a versão paterna dita em DP, bastaria um contato para entregar o restante e a polícia flagraria a extorsão, crime que ficaria restrito aos PMs, ou aos “bandidos ao quadrado”, como vociferou o atônito e irascível governante em meios às cascatas políticas de sempre.
Não sei se as escandalosas declarações do governante autorizam-no a liderar a PMERJ na luta contra o crime (liderar é uma coisa, chefiar é outra...). Porque mais este premeditado clichê midiático (“bandidos ao quadrado”) pode, enfim, se resumir a mais uma injustiça por ele perpetrada contra uma corporação que vem sustentando sua “política de segurança pública de última hora” denominada “Unidade de Polícia Pacificadora”, precocemente lançada em meia dúzia de favelas e mote de promessas eleitoreiras impraticáveis em se tratando de todas as favelas do Rio de Janeiro, mesmo que ele desgoverne o RJ por mais quatro anos.
Trata-se de promessa tão surrealista que espanta qualquer mente mediana. Parodiando o próprio governante, acreditar em suas estapafúrdias declarações é o mesmo que nos reduzir à condição de “bestas quadradas”. Digo e reitero: “política de segurança pública de última hora”, sim, para lembrar, mais uma vez, que o discurso desse mesmo governante ao assumir o cargo era o do “enfrentamento”, indefectivelmente acompanhado da frase stalinista (sic) saída da boca do seu secretário de Segurança Pública depois de algumas matanças policiais em favelas: “Não se pode fazer um omelete sem quebrar ovos.”
Creio que, ante tanta trapalhada, emerge de modo lapidar a declaração oficial do ilustre presidente da OAB/RJ, diferentemente da de um governante que sempre prefere culpar a polícia para angariar votos, embora a polícia esteja sob suas ordens e comandada por pessoas de sua confiança igualmente afetadas por suas insânias autoritárias disparadas no calor de acontecimentos ainda não apurados no devido processo legal. Ao assumir para si o prejulgamento e a sentença (mandando um recado para baixo), essa totalitária autoridade pública ignora os princípios basilares da ampla defesa e do contraditório, direitos fundamentais de quaisquer cidadãos brasileiros, dentre os quais se inserem os militares estaduais, mesmo que para desgosto desses seus detratores de plantão...
Encerro torcendo para que os PMs não sejam “bandidos ao quadrado”. E, mesmo se o forem, também deveriam ser tachados de “bandidos ao quadrado” pelo governante o atropelador e seu pai, pondo todos os vinhos na mesma pipa societária de onde todas as gotas brotam à luz. Já a vítima, — o jovem Rafael Mascarenhas, cuja mãe tem a sensibilidade restrita aos bons de coração e alma, —, a vítima recebeu a pena capital por se divertir radicalmente em local impróprio à sua integridade física. Porém, para a família dele o preço foi absurdo, alto demais, e nenhum discurso proselitista governamental trará o jovem de volta ao seu mundo musical e à vida. Eis as sábias palavras do presidente da OAB (sic):

OAB-RJ defende mais capacitação da PM e repudia a corrupção
Para presidente do órgão, corrupção tem que ser combatida com seriedade.
Segundo ele, 'lógica da guerra ainda prevalece no combate à criminalidade'.

Do G1 RJ

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Wadih Damous, defendeu neste sábado (24) mais capacitação da Polícia Militar e repudiou a corrupção na corporação nos casos recentes envolvendo a atuação de policiais militares. “Que a corrupção policial seja combatida e repudiada com seriedade, pouco importando a condição social das vítimas e dos favorecidos”, disse Damous em nota divulgada à imprensa.
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Na sexta-feira (23), Roberto Bussamra, pai do jovem que admitiu ter atropelado Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, disse em depoimento que os policiais que liberaram seu filho pediram R$ 10 mil em propina. O depoimento durou seis horas.

O presidente da OAB-RJ também questionou a atuação do pai do jovem que admitiu ter atropelado o músico Rafael Mascarenhas. "A propina, a "cervejinha" e outros expedientes afins são de todos conhecidos, mas nunca se pergunta, quem corrompe? A sociedade, de fato, quer uma polícia republicana e incorruptível? O pai dos atropeladores de Rafael foi o primeiro a tentar corromper policiais para livrar o filho?”.
Segundo o presidente da OAB-RJ, a corrupção é uma prática frequente. “Podemos presumir que fatos como esse ocorram diariamente. Para combatê-los se faz necessária a morte de um jovem filho de pais famosos? O que esperamos é que todos os crimes, que envolvam famosos ou não, sejam elucidados com a mesma velocidade com que se apurou a trágica morte de Rafael. Que as lágrimas das mães de filhos mortos sejam lamentadas e respeitadas da Zona Sul à Zona Norte”, declarou Damous.

Para Damous, a morte do menino Wesley Andrade, que foi atingido dentro de sala de aula quando a polícia fazia uma operação perto do Ciep onde ele estudava, mostra que o investimento nas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) pouco adiantará se não houver capacitação entre os policiais. “Tiro, formas adequadas de abordagem, etc. Mostram que a lógica de guerra ainda prevalece no combate à criminalidade”.

Por enquanto, é o que basta!!!!

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