domingo, 4 de julho de 2010

Sobre as UPPs: “Uma no cravo, outra na ferradura”... (*)

Em destaque: “Cel Mário Sérgio, Cmt Geral da PM do RJ, sobre o aumento exclusivo dos delegados: ‘Temos círculos hierárquicos, mas aqui na Polícia Militar o coronel e o soldado têm a mesma importância.’" (Extra on line, 28/06/2010). Fonte: www.wanderbymedeiros.blogspot.com




Abro o Jornal O Globo de hoje, domingo, dia 04 de julho, e deparo com meia página tecendo elogios às UPPs, ou melhor, forçando uma barra danada para fazê-lo, em especial porque as matérias foram grafadas por Vera Araújo, renomada jornalista, mas nem por isso livre das “pressões globais” em favor do projeto de UPPs, pelo menos até 2014... Ocorre que a aberrante venda de drogas na Cidade de Deus poderia ser “furo” de algum concorrente, o que nenhum jornalista aceita: é a pior coisa que pode acontecer na competição entre profissionais de imprensa aqui e mundo afora.
Justiça, porém, seja feita: o “sapo” não foi facilmente “engolido” pelas jornalistas Érika dos Anjos e Vera Araújo. Pois, ao mesmo tempo em que editam a afirmação do ilustre, digno e incansável Coronel PM Robson Rodrigues da Silva, designado na nota como “coordenador das UPPs”, garantindo ele que a “comunidade está segura”, referindo-se à Cidade de Deus, elas afirmam, em contraposição, que “uma equipe do Globo” fora “desaconselhada” pelos PMs a ingressar na comunidade. Saia justa no coronel, que se obrigou a contestar os PMs (não identificados) garantindo que “os policiais deram uma informação equivocada e a comunidade está segura”.
Claro que o ilustre colega sabe que não existe no mundo nenhuma segurança absoluta, e a afirmação dele não deve ser elevada à máxima literalidade. Abrindo o raciocínio dele para o ambiente geral, a polícia (seja militar ou civil) sempre dirá que “a comunidade está segura”, deste modo afastando uma desnecessária síndrome de insegurança produzida por quem tem a obrigação de prestar segurança. Sim, seria total estupidez um dirigente policial afirmar que seu trabalho não gera segurança e, sim, insegurança, embora seja a segunda que ele administra, por ser impossível evitar a desordem pública de modo absoluto. Na verdade, a segurança é tão relativa quanto a insegurança, e a população deve ser influenciada, sempre, no sentido de que a segurança é maior que a insegurança.
Neste aspecto, louve-se a matéria das jornalistas Laura Antunes e Vera Araújo, na mesma página, pois não há nada pior para a polícia do que ver seu esforço hercúleo e seu risco de morte no exercício da profissão tornado inútil pela mídia, e, por via de consequência, pela sociedade leitora de jornais e também influenciadora de outras pessoas por deduções do que lê.
Outro ponto a merecer reflexão é a referência ao Programa Educacional de Resistência às Drogas – Proerd), com o qual inteiramente concordo, assim como acho que a descriminalização do uso de drogas deva ser corajosamente discutido pela sociedade.
Aproveito para reiterar que não sou contrário às UPPs nem aos programas sociais que deveriam emergir imediatamente à ocupação pela PMERJ dos territórios antes dominados por traficantes em terror de armas e falso assistencialismo. Mas também não nos devemos iludir com tudo isso, como se estivéssemos “descobrindo a pólvora”. Desde os meus velhos tempos de PM com a cabeça doutrinada para conquistar territórios e garantir o apoio da população contra guerrilheiros urbanos e/ou rurais, sempre se praticou a “Operação ACISO” (Ação Cívico-Social). Ela consistia exatamente na prestação de serviços públicos não militares efetuada pelos próprios militares (especialistas), para reforçar o prestígio da tropa de ocupação e aumentar a oferta de informações contra o “inimigo interno” (entenda-se hoje o narcoguerrilheiro urbano).
A tática de garantia do apoio da população em território ocupado militarmente é mais antiga que o bíblico homem da terra de Uz chamado Jó... Ou seja, nada além do velho pano remendado com retalho novo, daí ser natural haver contradições, talvez impertinentes, porém interessantes à dialética. Do mesmo modo, ouso afirmar que os oficiais da PMERJ sabem tudo da estratégia de “choque e intimidação”, restrita à ideia de desarmar o inimigo antes da batalha (demonstração prévia de força superior ao oponente, para desestabilizá-lo e induzi-lo à fuga ou à rendição). Esse conhecimento vem desde Sun Tzu, passando por Karl Von Clausewitz (“névoa, fricção e força”) convencendo o inimigo a não resistir. O anúncio prévio da ocupação, sempre com uma pitada de dúvida quanto aos detalhes, não objetiva outra coisa senão evitar mortes desnecessárias. A questão crucial, no entanto, e insisto neste ponto, é saber por informações oficiais que a meta das UPPs é de atender a apenas 165 favelas até 2014, num universo de mais de mil comunidades carentes dominadas pelo tráfico ou por milícias em todo o RJ. Acrescem ao problema as ações do tráfico e das milícias também no asfalto, realidade que não mais se pode ignorar.
Bem, aqui encerro a reflexão prestando, também, minha respeitosa continência ao ilustre, competente e digno comandante-geral da PMERJ, com a mesma motivação alinhavada pelo TCel de Polícia Militar Wanderby B. de Medeiros em seu blog www.wanderbymedeiros.blogspot.com (Gol de Placa). Não deixem de ler o excelente artigo...

(*) “Fixa-se a ferradura no casco com cravos enterrados a marteladas. A expressão traz a palavra pancada oculta pela figura de linguagem chamada elipse: uma (pancada) no cravo, outra na ferradura. Ou seja, para não assustar o animal, jamais bater só no cravo. Aplicamos a expressão a quem ora se diz favorável a uma facção, ora a outra. Em A Guerra dos Mascates (1873), José de Alencar (1829-1877) definiu assim a política de Pedro II." (Fonte: BRASIL: Almanaque de Cultura Popular)


2 comentários:

Celso Luiz Drummond disse...

Fala Emir,blz?

Excelente texto. O mais louco é que essa matéria do globo de hoje contradiz o JB de 23 de junho...
Afinal quem é que está falando a verdade.
JB 23/06/10
O MEDO TOMA CONTA DO ASFALTO
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2010/06/23/e23068064.asp
o GLOBO 03/07/10
UPP'S LEVAM SENSAÇÃO DE SEGURANÇA AO ASFALTO.

AFINAL QUEM TEM RAZÃO? O GLOBO OU O JB?
TEM ALGUMA CONTRADIÇÃO AÍ?

Emir disse...

Oi, Celso

Claro que tem!
Machado de Assis costumava insinuar que de contrastes vive o homem.
Sua observação será útil aos leitores, que poderão comparar e deduzir quem está com a razão: O Globo ou o JB?
Como disse Maquiavel, "os homens em geral julgam pelo que veem, e não pelo que experienciam..."

Infelizmente, a maioria lê um só jornal, e acredita imediatamente na versão publicada. É mais fácil e barato. Não é preciso pensar... É o modelo "Cidadão Kane" de fazer jornalismo no Brasil.
Obrigado pela observação!

Abs