quarta-feira, 24 de março de 2010

UPP da Providência e a “Lei Molon”




1. UPP do Morro da Providência


Acompanhada de anúncio da destinação de mais 4.000 PMs para UPPs (o efetivo global da PMERJ é de mais ou menos 40.000 PMs, e se eu estiver errado não é culpa minha, esta realidade não é divulgada), o jornal estampa mais uma implantação de UPP num local que não traz nenhuma novidade: Morro da Providência. Sem embargo, depois da Zona Sul, não poderia ser outro o lugar a ser escolhido. Afinal, a Favela da Providência é histórico-emblemática e não haveria de ser esquecida pelos políticos que ora ocupam o poder governamental.
Como o efetivo da PMERJ vem defasado desde muitos anos, e reverter essa tendência ao desgaste não é tão simples numa profissão estafante, é possível supor que a ufania de hoje se torne grave tumor institucional amanhã. Nem vou comentar sobre o aumento massificado do efetivo a inviabilizar o pagamento de bons salários. Claro que isto não se integra às preocupações do governante atual e será um tormentoso óbice a ser enfrentado por qualquer governante futuro, desde que se sensibilize com os péssimos salários dos militares estaduais. Prendo-me tão-somente à distribuição do efetivo e de outros meios materiais pelo restante do RJ, que, por sinal, tem direito à segurança pública nos mesmíssimos padrões da capital.
Torno, então, à discussão da “teoria do cobertor curto” e seus mistérios... Porque não são poucos os desvios de efetivo do serviço ativo da PMERJ. Embora PMs não proliferem como os pardais e pombos urbanos, há PM em tudo que é canto ou lugar a serviço de causas desvinculadas da segurança pública e da atividade precípua da corporação na manutenção da ordem pública. Os pretextos são vários e as causas são sempre apresentadas como “justas”, e até talvez o sejam, mas a ordem pública permanece carecendo de meios materiais e humanos, porque, em aumentando o efetivo, os desvios de finalidade também aumentam em proporções desconhecidas; bom tema, aliás, para uma CPI, o que, decerto, não ocorrerá: o governo Sérgio Cabral conta na ALERJ com maioria suficiente para evitar quaisquer escândalos.
Portanto, só nos cabe apontar o problema para que os estudiosos das ciências sociais penetrem o assunto com o necessário rigor técnico, estimulando trabalhos universitários que poderiam pressionar o sistema de modo indireto. Por exemplo, a contagem diária de homens e viaturas nas ruas poderia ser feita, e daí gerar como dado concreto o volume do efetivo atuando no policiamento ostensivo normal. Também é útil a observação de outros organismos públicos e a contagem de quantos militares estaduais (PMs e BMs) se encontram desviados de função no TJRJ, na Secretaria de Saúde, na Secretaria de Administração Penitenciária, nos Municípios, no DETRAN, na Receita Estadual, na ALERJ e quejando. O resultado de pesquisa assim poderá espantar os pesquisadores, e nem me estou referindo aos militares estaduais com restrição do serviço externo ou afastados definitivamente por motivo de doença, ou os que estão de férias e licenças-prêmio, ou ainda dispensados dos serviços, internados em hospitais, empenhados na atividade-meio etc. Demais disso, há os extenuantes e excessivos eventos artísticos e desportivos concentrando tropas em dias de folga do seu serviço normal. É esse o tumor institucional que se poderá romper um dia...
Ganhar tempo é preciso... E as UPPs substituíram como luva o discurso agressivo do governante (teoria do enfrentamento). As UPPs são “pacificadoras”, e de fato são, mas não se sabe por quanto tempo a pressão do efetivo suportará o inchaço do crime em outras áreas não atendidas pela miraculosa operacionalidade das UPPs. Como não existem milagres nesse ambiente violento em que vivemos, é de se supor que um dia a barragem da concentração de efetivos se rompa e a desordem impere por conta da inversão da lógica do policiamento ostensivo (fracionamento e distribuição do efetivo no terreno, com máxima frequência, para inibir a oportunidade do crime). Sim, mobilidade máxima na rotina e concentração apenas em eventos artísticos, carnavalescos e desportivos, muitos dos quais previsíveis, mas muita vez surpreendendo a corporação e obrigando-a a surrupiar a folga do PM, tendo o poder disciplinar como arma. E a tropa... Ah, que tropa?... Será que todos não sabem que soldado é superior ao tempo e a fila dos interessados em ser PM (desempregados e desesperados) anda desenvoltamente neste país da imobilidade social?...

2. A “Lei Molon”



O caráter político da escolha dos locais de instalação de UPP, como não poderia deixar de acontecer, chega ao Poder Legislativo com furor de campanha eleitoral. Nada de mais, proselitismo gera proselitismo e a inovação promete um vasto campo de polêmica em ano eleitoral. Nada poderia ser mais inusitado que a iniciativa parlamentar. Todavia, legislar sobre a distribuição do policiamento ostensivo no ambiente social parece-me tentativa de ocultar a sombra de algum objeto ante a luz; de uma árvore, por exemplo: presa ao chão, enquanto o tempo lhe permitir durabilidade sua sombra lá estará, variando apenas minimamente no contraste com o sol ao girar o orbe em torno dele e de si.
Projeto absurdo, sim, mas compatível com o absurdo da politicagem que se faz com as UPPs, em especial a promovida por quem almeja a reeleição e por quem está ávido de lucros com a Copa do Mundo e com as Olimpíadas. A proteção do povo no seu todo... Ah, que espere!... O tempo urge, a bola vai rolar!... E esses anos seguintes precisam ser iluminados pelo sol mundial jorrado na Zona Sul e demais “comunidades-emblemas” como a do Morro da Providência.
Não faz muito tempo, um ministro de Estado pediu (exigiu, ministro de Estado não pede!) UPPs em Santa Tereza. Agora um deputado intenta a permanência por 25 anos das UPPs já implantadas. Sugere o ato a certeza parlamentar de que a pauperizada favela e sua sombra (sombria) violenta lá estarão nos próximos 25 anos e dependendo de UPP. Genial! O deputado esfregou a sua “lâmpada de Aladim” e espera o milagre (ou o truque) da aprovação de sua inusitada lei. E não será de estranhar se o projeto de lei for aprovado na ALERJ e posteriormente sancionado pelo governante. O deputado é do PT e ninguém será capaz de questionar o prestígio desta agremiação política junto ao governante, que antevê seu principal projeto político sob o aplauso do polêmico petista.
Parodiando o adágio alemão, quanto mais se aplaude a iluminada árvore (meia dúzia de UPPs, sob holofotes, no picadeiro), mais se oculta a floresta impenetrável aos raios solares e produzindo uma só sombra que se perde na invisibilidade de si mesma (milhares de comunidades carentes, idênticas às privilegiadas com UPPs, a chupar os dedos na plateia escura). Já a árvore tem a sua sombra garantida enquanto a natureza lhe permitir a iluminada existência, ou enquanto um deputado acender sobre ela um holofote a durar 25 anos...

3 comentários:

Luiz Drummond disse...

Olá Emir,tudo bem?

Bom, desde que surgiram as UPP's, o comentarista do RJTV, ex. capitão Rodrigo Pimentel,agora tem por hábito fazer crítica a qualquer operação policial,que não tenha o intuito de instalação de uma UPP, para ele não é válida. Parece até que ele só quer que a polícia trabalhe com o intuito de instalar UPP. A imprensa transformou a UPP na solução mágica e o governo do Rio transformou favela em ponto turístico. Exploração da miséria alheia e do nosso terceiro-mundismo.
Porém aos poucos a máscara dos governantes está caindo. Primeiro o Beltrame disse que só colocava nas UPP's gente digamos de "coração puro," que não se corrompia. Semana passada vimos que não é bem assim.
Outra coisa que acho revoltante que li no blog de segurança do Jornal O Dia é que um aspirante da UPP,ganha R$500 à mais do que um membro da velha guarda da PMERJ.
Qual a experiência dos porteiros de comunidade, que não tem nenhuma experiencia em combate, nem nunca colocaram sua vida em risco,pra ganhar R$500 a mais que um policial militar experiente da velha guarda que todo dia arrisca a sua vida.
O governo do Rio devia reconhecer o trabalho de batalhoes que atuam em áreas de risco e pagar um soldo melhor a estes profissionais. A TV record, fez uma série especial
no ínicio desse ano, intitulada um batalhão contra o crime, mostrando a realidade enfrentada pelo 22º BPMERJ.
Garanto que se os aspirantes da UPP's enfrentassem a mesma realidade do 22º BPMERJ, metade deles iria pendurar a farda. Afinal ser porteiro de favela é fácil, díficil é ter a criminalide em seu quintal, como tem o 22ºBPMERJ, no qual os muros do quartel são colados dentro da favela, lá o caveirão quando passa é metralhado. Será que os 300 do Beltrame dariam conta de lidar com uma realidade como essa?

Luiz Drummond disse...

Olá Emir, blz?

Dá uma olhada no seu e-mail. Lhe mandei duas reportagens escaneadas bem interessantes que saíram no extra de hoje.

grande abraço

Neide disse...

Acho que o nosso Rio de Janeiro vai demorar muito para ficar lindo como nos tempos da música de Gilberto Gil, pois, essa dupla de Prefeito e Governador está denegrindo a letra que nos faz recordar um Rio totalmente diferente onde existiam homens de verdade e de coragem para combater o errado e coroar o certo no que tange ao direito e a segurança do povo brasileiro. É muito fácil contratar profissionais com remuneração em dobro do que reverenciar o mais antigo e experiente que já estão na luta a mais tempo e por conseguinte já sabem onde se concentrarem para extinguir de vez o problema e não protelar cada vez mais em benefício dos seus cofres particulares. Na área da saúde tambem está acontecendo o mesmo que aos nossos policiais. Não digo velhos porque o que envelhece é o tempo vivido e certificado por um pedaço de papel o qual chamamos de certidão de nascimento, mas o espírito guerreiro, a dignidade e a coragem de enfrentar o bom combate de cabeça erguida nunca se acaba nem se deteriora. Esses homens não querem um Rio realmente lindo no verdadeiro sentido da palavra. Eles querem um Rio "cartão postal" o qual possam exibir os seus pontos estratégicos para olhos internacionais.