segunda-feira, 2 de março de 2015

O MITO DA IGUALDADE NO BRASIL

“A igreja do Diabo imita a de Deus.” (Santo Agostinho)

Toda e qualquer sociedade é feita pessoas morais e imorais. Mas nas sociedades ditas democráticas é possível separar o joio do trigo pelo menos relativamente, porque de modo absoluto é pura utopia, a persona não deixa, o poder de dissimulação do ser humano é deveras espantoso.

Delimitando o foco na sociedade brasileira, embora ela vista uma roupagem democrática e alardeie que “todos são iguais perante a lei”, na prática isto não passa de falsidade. Pois os privilégios de berço e função são mui aberrantes, a ponto de algumas categorias estatais detentoras do poder de vigiar e punir cidadãos não serem vigiadas nem punidas a não ser por si mesmas. Mas o acusado, por seu natural prestígio funcional, sempre gozará dum elástico direito de defesa no âmbito administrativo, com boas chances de a punição se reduzir a uma régia aposentadoria.

Tais privilégios, quase que de deuses, deixam no cidadão uma banalizada certeza de que os ilustres integrantes dessas categorias estatais são dotados somente de virtudes. Mas à sombra desta intocabilidade residem também homens indecorosos e mulheres desvirtuadas, porém livres de avaliações mais severas e, sobretudo, transparentes. Na realidade, não são iguais, são servidores públicos diferenciados por serem demasiadamente poderosos – uma incrível contradição. Afinal, aquele que detém maior poder de retaliar em nome do Estado deveria pagar mais caro por seus deslizes administrativos ou judiciais.

Vejamos um exemplo recente, extraído da Revista ÉPOCA desta semana:

“O juiz estava sedento. No domingo passado, em uma entrevista ao jornal Extra, destilou: “Se condenado, ele (Eike) vai ficar sem nada”. Questionado se considerava uma “afronta” o fato de Eike continuar dirigindo veículos que ele já havia determinado que fossem apreendidos, Souza foi profético. “Ele vai voltar para casa a pé. É só uma questão de tempo. Cedo ou tarde, os carros serão encontrados”, respondeu. Por fim, ao descrever seu temperamento manso e sua fé budista, o juiz fez uma ameaça a Eike. “Vou esmiuçar a alma dele. Pedaço por pedaço.”

Que almas ele terá esmiuçado a partir do seu incerto caráter? Quantas ele ainda esmiuçará como se nada houvesse com ele acontecido? E, se aconteceu, não passou de comportamento “normal”, segundo ele próprio declarou... Cá entre nós, quantos serão como ele nos bastidores do seu impenetrável mundo? Ó Meu Deus, livre-me desses sacripantas! Acode-me Santo Agostinho!

Ora bem, o servidor de altíssimo talante foi afastado do rumoroso processo depois de flagrado pela imprensa desfrutando dos bens do processado como se fora dono, sugerindo que o seria por longo tempo se não fosse apanhado com a mão presa à cumbuca... Sim, ele foi surpreendido quando externava suas delícias íntimas de todo-poderoso, um autêntico soberano em sua decisão de tomar para si bem alheio em nome do Estado.

Por outro lado, tudo isto não foi nada demais, são apenas cacoetes vindos dos primórdios em que o trono e o poder eram transferidos geneticamente, bastando aqui lembrar o “Rei Sol”: “L’État c’est moi” (O Estado sou eu). Acontece, porém, que essas pessoas intocáveis são as que julgam e punem os cidadãos simples que formam a massa de manobra do “Estado-protetor”, este que se finge igualitário, mas só faz “Vigiar e Punir” nos termos de Michel Foucault. E como a memória do povo é curta, é certo que ele mesmo, o flagrado, dará a volta por cima e continuará a desfrutar de vantagens indevidas. Só que será mais “prudente”, como orientou a ministra que o afastou (leia a íntegra da matéria publicada no G1 de 28/02/2015 16h35 – atualizada em 28/02/2015 18h43). Afinal, ele agora é “macaco velho”, e “macaco velho não mete a mão em cumbuca”...

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