sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RIO EM GUERRA XVII

“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)



Publicado no Jornal O GLOBO de 27/02/2015

A argumentação da diretora da ONG Redes da Maré, Eliana Sousa e Silva, acerta em todos os seus aspectos, eis que não há como imaginar a presença de uma “Força de Pacificação” em região urbana pátria sem o reconhecimento oficial de algum confronto bélico. Porque as ações do banditismo, por mais ousadas e graves, não podem ser informalmente cuidadas como situações de guerra com todas as implicações cabíveis, destacando-se a possibilidade de eliminar o inimigo, eis aí o papel preponderante das Forças Armadas.

Portanto, ao analisar a presença do Exército na Favela da Maré, vejo realmente como imperativo observar seu fundamento legal (ou a falta dele) em vista da Carta Magna, que define no seu Art. 142 as funções das FFAA na garantia da lei e da ordem, desde que acionadas pelos poderes da República. Mas é certo que a ordem referida neste artigo não é a pública, mas a ordem interna, esta que, em tese, se afetada por situações de grave perturbação da ordem pública fora de controle pelos meios estaduais, demandaria a decretação do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio, deste modo liberando o uso das FFAA no território nacional, exceção que, em princípio, deve ser evitada.

A verdade é que a presença do Exército numa favela, agindo de modo limitado pelas leis de normalidade como “polícia administrativa” (executando ações preventivas e repressivas na manutenção da ordem pública), não se encaixa tão singelamente nas normas constitucionais e muito menos na Doutrina de Ordem Pública, esta que vai além das fronteiras do Brasil e abrange até antes muitos países ocidentais que nos ensinaram seus conceitos. Em resumo, o Exército é ou deveria ser a última instância de uso da força no âmbito interno do país. Vale a mesma afirmação para a Marinha e a Aeronáutica.

Por outro lado, como o país vivencia uma pujante anomia, a ponto de até existir informalmente uma “Força Nacional de Segurança Pública” (FNSP) sem qualquer referência na CRFB, não se há de estranhar este papel subalterno das FFAA, ou seja, isolado dentro de favela ou apoiando ação policial como a que fingiu conquistar o Complexo do Alemão, mas que hoje, vencida a euforia, sabe-se que tudo não passou de engarrafamento de fumaça...

Mais curioso é que todos sabem a quem compete investigar crimes e singularizar criminosos, sendo certo que não são os militares estaduais (PPMM) ou federais (FFAA) ou “híbridos” (FNSP) os que exercem a atividade de polícia judiciária...

No caso da Favela da Maré, portanto, é realmente incompreensível a presença do Exército por lá em vista do real significado do caput do Art. 142 da CRFB, bastando cotejá-lo com o caput do Art. 144 do mesmo diploma legal. Mas lá está uma força militar federal como “pacificadora”, imitando mui malmente o exemplo de ações militares internacionais em zonas de confronto bélico reconhecidas pela ONU.


Se não bastasse, o governante estadual, sem dinheiro, vem a público dizer que o Exército ficará na Favela da Maré somente até junho ou julho, parecendo que quem manda é ele na força militar federal e que a PMERJ (amargando a já anunciada redução do seu orçamento para 2015) esbanja recursos materiais e humanos para substituir o Exército em tão hercúlea empreitada. Enfim, mais uma aventura destinada ao fracasso, conforme anotou no seu texto com razão a articulista, sublinhando-se sua alusão aos episódios ocorrendo “em espiral”, que, em outras palavras, poderia ser também designado como “em círculo vicioso”...

2 comentários:

Anônimo disse...

Bom, de início, devo admitir que esse canal de informação tem sido útil à descrição da realidade negativa na qual encontra-se mergulhada minha amada terra, Rio de Janeiro.
Porém, em vista de sua opinião contrária à ocupação do complexo da maré pelos militares federais, devo discordar.
Vida é sempre vida, não importa de que lado for; contudo, quisera eu que as baixas em serviço das forças de ocupação estaduais fossem tão mínimas quanto até o presente momento na maré (1 só, e do Exército).
Confesso sentir receio quando da transferência da responsabilidade de ocupar o complexo da maré ser passada aos militares estaduais.
Pois se já não bastasse as mortes ocorridas em outras áreas "pacificadas" de responsabilidade das forças do Estado, temo pelo caldeirão que possa vir se tornar o complexo da maré a exemplo do complexo do alemão.
É notório que somente ocupação militar não basta-como insiste o secretário Beltrame-, há toda uma sinergia necessária a ser desenvolvida em conjunto com outros órgãos.
Por isso, se num futuro próximo a ocupação passar às mãos do Estado, os militares federais vão fazer falta tanto pelo modelo de gestão de segurança daquela área crítica da cidade do Rio quanto pela submissão e temor que ali eles impõe àqueles criminosos escondidos entre a população dali feita refém.
E acrescentando, o artigo da escritora pode ser tendencioso ao grupo razão de ser do ganha-pão dela ali naquela localidade.

Anônimo disse...

Emir disse:
Caro amigo, na verdade o artigo em destaque me permitiu o encaixe de algumas considerações críticas ao comportamento do governante do RJ, que, como diria o Romário, “calado é um poeta”... Porque na mesma semana em que o Secretário Beltrame reclama da ausência dos outros organismos que fazem parte do “conceito de segurança pública” (ele tem razão, segurança pública é sistema composto por vários subsistemas, e não apenas a polícia), sublinhando que a polícia do RJ “está sozinha”, soou estranho o governante vir a público afirmar, praticamente, que não quer o Exército na Maré e que quer ocupá-la com a PMERJ, mesmo depois do inegável fracasso do Complexo do Alemão. Enfim, sugere o governante uma temeridade, pior que desafinado completamente com o discurso do seu secretário e de certo modo desautorizando-o publicamente.
Sobre o Exército na Maré, eu tento provocar uma reflexão com o foco no “conflito bélico”, na verdade uma ironia, pois quem decide se há “conflito bélico” em algum país a ser protegido é a ONU e segundo paradigmas adrede protocolados pelos países integrantes daquele organismo internacional. E nas situações de “conflito bélico” as Forças de Pacificação muitas vezes fazem guerra, como foi o caso do Brasil em São Domingos e em outros locais no exterior onde as Forças Armadas pátrias estavam ou estão em ação. Mas são ações operativas, de guerra, podendo haver reações armadas contra inimigos se houver necessidade.
Não é o caso da Favela da Maré, onde o Exército ocupa, mas não pode atender ao problema como “Força de Pacificação” segundo os conceitos internacionais de conflito bélico. Por isso reclamo: por entender que a gravidade do tráfico armado nas favelas do Rio (não apenas na Maré) está em gravidade muito além do conceito internacional de “conflito bélico”, demandando, portanto, ações operativas, ou seja, de guerra, sem as delimitações do Estado de Direito, porém dentro dos preceitos constitucionais.
Isto seria possível se o governante estadual, em vez de ficar de cascata com coisa séria e sugerir pôr a exaurida PMERJ na Maré, no lugar do Exército, deveria ele admitir a GRAVE PERTURBAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA muito além da capacidade de sua polícia, de modo que a União, seguindo as regras da CRFB, decretasse o Estado de Defesa em algumas localidades mais belicosas, tais como: Complexo do Alemão, Rocinha, Complexo da Maré, Complexo do Jacarezinho e grupo de favelas de Niterói e Baixada, por exemplo. Com esses locais delimitados e sob a égide constitucional do Estado de Defesa, as Forças Armadas poderiam eliminar o problema dos exércitos paramilitares do tráfico por meio de ações operativas militares, aí sim, de Força de Conquista e de Pacificação.
Não sendo assim, entendo que tiram água com a peneira, pois as FFAA estão na Maré sem poder atuar segundo a sua índole, que é a de guerrear e não a de fazer polícia. E na medida em que o Secretário afirma que a polícia está sozinha, ele admite que a ajuda federal é imperativa. Mas não pode ser com “panos quentes”, tem de ser à vera. Portanto, não me importei muito com a intenção política da articulista, que decerto existe. Mas concordei com ela quanto à possibilidade de tudo que é feito por lá não lograr êxito por conta dos limites legais que devem vigorar na normalidade. Só que lá e algures o que há é uma anormalidade aberrante a demandar ações mais eficientes e eficazes, só possíveis na vigência do Estado de Defesa. Por fim, agradeço pela intervenção, porque me permitiu aprofundar esta reflexão.