sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

RIO EM GUERRA IX


“O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

Clima tenso em Paty do Alferes/RJ

Há quem diga que sou “bruxo” porque costumo antever desastres. Não sei se peguei esta mania da visão prospectiva quando atuei na Defesa Civil do RJ. A verdade é que eu precisava apurar meus sentidos com o escopo de decidir sobre muitas ações preventivas, de modo a evitar ou minimizar futuros desastres naturais e artificiais. Sim, pode ser que sim, porque a ideia de ser proativo para evitar surpresas superava todas as demais iniciativas das equipes com as quais eu interagia.

No fim de contas, tudo no ambiente social é processo. Em se tratando de gentes, há sempre uma história. São sistemas ou subsistemas sociais interagindo entre si e com o ambiente de modo veloz e por vezes inesperado. E tudo gera resultados positivos ou negativos. Ou gera a ausência de resultados... Daí a imperiosa necessidade de acompanhamento dos acontecimentos, e da formulação e reformulação de diagnósticos capazes de antever problemas para se lhes antecipar com medidas concretas.

A PMERJ não funciona assim, pelo menos é o que vejo em Paty do Alferes/RJ...

Paty do Alferes se tornou de repente uma praça de guerra durante o dia, e à noite um lugar fantasmagórico tomado pelo medo. Desde a data de 12 de fevereiro de 2015, o pacato lugar mais parece em “toque de recolher”. E quem circula intensamente é a PM, com suas viaturas em velocidade, de sirenes e giroscópios ligados, lembrando Nova Iorque à noite, por conta de identificar e prender os incendiários que queimaram uma viatura e um carro particular, na calada da madrugada da supracitada data, na porta do DPO, situado perto do centro da cidade. Provavelmente os audaciosos incendiários contaram com as guarnições de serviço descansando, o que sugere até a hipótese de que eles poderiam ter sido assassinados durante o descanso, a não ser que tivessem fechado todas as portas e janelas, como se faz em residências civis amedrontadas.

O episódio extremo e desmoralizante não é novo. Já antes, talvez um ano atrás, uma malfadada blitz efetuada por PMs lotados no DPO de Arcozelo, populoso distrito de Paty do Alferes, também próximo do centro, resultou na morte estúpida e gratuita de uma jovem que “furara” a barreira policial porque estava sem a habilitação atualizada. Ela, porém, fizera exame de motociclista no DETRAN, estava aprovada, e aguardava sua nova CNH, segundo o que se noticiou sem desmentido. Assustada com a blitz, ela a rompeu e foi perseguida por radiopatrulha, até que caiu, bateu com a cabeça no meio-fio e morreu.

Há duas versões para a fatalidade: 1) ela, no afã de se safar, abalroou ou foi abalroada por um ônibus; 2) a radiopatrulha teria abalroado a moto da jovem e produzido o acidente fatal. Mas, a par disso, a população local, irada com a morte da moça, partiu feroz para linchar os PMs. Eles fugiram deixando o DPO desguarnecido e as viaturas estacionadas. A turbamulta derrubou a sede do DPO, incendiou as viaturas e o que sobrara da sede. No dia seguinte, só havia cinzas, enquanto a moça era sepultada em comoção traduzida por estrondoso silêncio comunitário.

Até hoje não há DPO em Arcozelo. Nem a PMERJ se arriscou a reerguê-lo nem a população quer mais saber de PMs por lá. Claro que as radiopatrulhas circulam em Arcozelo, assim como as guarnições de PATAMO, embora mui raramente e com “um olho no padre e outro na missa”... Mas agora a história se repete, e o foco está voltado, por óbvio, para os autores do atentado em local mais representativo do Estado, o seu braço de força: a sede central da PMERJ em Paty do Alferes, evidentemente desguarnecida.

Mas não por acaso, e dois ou três dias antes, os PMs de Paty do Alferes realizaram uma aparatosa blitz em cruzamento próximo do DPO (talvez para não gastar gasolina), decerto sob o pretexto de que a proximidade do Carnaval justificava parar todo mundo, de carro ou de moto, como nos velhos tempos em que a polícia “dava geral” em “suspeitos”, podendo ser “suposto bandido”, pelo “faro policial”, qualquer um que passasse e fosse aleatoriamente parado, inclusive eu, que, por sorte ou azar, não o fui no momento em que passei pelo aparato. Mas poderia ter sido em vista do “critério” da blitz, que me arrisco a afirmar ter sido nenhum.

Não teço estas críticas pensando em destruir nada e ninguém, mas como sou oficial reformado da PMERJ e morador em Paty do Alferes, não posso deixar de alertar as autoridades para o fato de que a postura da corporação neste município, tão desmoralizado que nem delegacia distrital possui, deve ser urgentemente revista, sob pena de tudo um dia se tornar tragédia.

É que depois do primeiro e desastroso incidente, e contando com o anonimato, passei a discretamente ouvir as pessoas falando dos PMs de Paty do Alferes com incomum hostilidade, assim como percebo que os PMs fazem questão de se isolar da comunidade, formando grupos perto da pracinha central, conversando entre si, como se nada mais houvesse em volta. Também já presenciei ações truculentas por parte de alguns, em especial uma que envolveu o furto da bicicleta dum sargento, sendo este apoiado por uma guarnição nada simpática, que surrou o suposto ladrão na frente de todos para depois jogá-lo como um saco de batatas dentro da caçapa. Eta solidariedade!...

Mas, confesso aqui, como estou na inatividade por mais de vinte anos, e já ouvi de um sargento em roda familiar de Paty que coronel reformado não manda nada, temi não ser compreendido ao denunciar esses fatos ou interpelar mais drasticamente o cabo que comandava a truculenta guarnição. Talvez ele me surrasse e me lançasse dentro da caçapa junto com o ladrão...

Porque hoje é tudo diferente, e eu sou do tempo em que oficial da corporação possuía, mesmo na inatividade, fé de ofício para atuar diante de desmandos da tropa. Naquela nem tão distante época, a hierarquia e a disciplina eram mais que sacerdócio; não como hoje, que é usada como borduna de bugre no quengo de subordinados, por superiores ocupantes de cargos, o que lhes garante a solenidade do posto ou da graduação. Daí serem levados a sério quando apontam erros da tropa com o escopo de salvaguardar a corporação. E a tropa reage assim: se perceber que o interpelante lhe poderá alcançar só com o posto, o interpelado se curva até em exagero. Mas se notar que o detentor do posto não possui cargo ou é inativo...

Paradoxalmente, tudo isto ocorre entre pessoas (civis e militares) que se conhecem do dia a dia. Mas parece que o grave incidente de Arcozelo já saiu da mente dos integrantes da PMERJ lotados em Miguel Pereira e Paty do Alferes (tudo que ocorre num lugar reverbera no outro), sendo certo, todavia, que a hostilidade não abandonou o espírito dos munícipes. Ela é visível e sugere, sim, um clima típico de estereótipo de rotina a alargar o abismo entre polícia e povo.

Nem me refiro à Polícia Civil, que inexiste em Paty do Alferes. Também não me incomoda o que os PMs daqui e d’algures pensarão de mim, é problema deles, reporto-me aos ruins nos quais as carapuças se encaixarão como luvas. E jamais abrirei mão dos princípios da hierarquia e da disciplina. Nos limites delas, afirmo que não temo subordinados nem superiores. Pauto-me pelo respeito mútuo e não endereço nada a pessoas. Critico genericamente. Portanto, nos limites da liberdade de expressão e por dever de juramento, critico construtivamente, sim. Se não gostam, que me retruquem! Eu publico a réplica com direito a rebatê-la, abrindo a discussão à tréplica, e assim por diante. Por conseguinte, se sou respeitado por meu esforço intelectual, eu também respeito; se me desrespeitam, eu reajo. Se me ofendem, ignoro e não publico a ofensa, algo mui raro. E se for caso de apelar, eu apelo para todas as leis e regulamentos, e para todos os anjos e santos, e até para o diabo, certo de que já enfrentei muitos crápulas engalanados, engravatados, togados etc., e aprendi que nem sempre o que aparenta ser santo ou anjo é de fato santo ou anjo. Muitas vezes é o diabo dissimulado...

Mas o que pretendo com o texto é alertar sem atingir pessoas, embora entenda que cada PM desta bucólica região carece de avaliação psicológica em vista desses dois funestos acontecimentos, que não podem ser encerrados pela simples prisão dos responsáveis, se é que efetivamente o são. Pois é difícil crer que PMs que quase foram queimados dentro do próprio DPO sejam tão eficientes em investigar. Mas, se de algum modo acertaram na mosca e aprisionaram o autor certo e sabido, com fama de traficante, por que não o prenderam antes, em flagrante, traficando?...

Ora, não gosto de ver a briosa desmoralizar-se! Creio então que estamos diante de um caso a merecer atenção profunda, porque não se logrará alcançar a paz mantendo-se sem retoques uma hostil mão de obra que atualmente é pivô de desordem pública em vez de garantir a ordem. Isto é um contrassenso, alguma coisa precisa mudar, a começar pela reconstrução da sede do DPO de Arcozelo, marca maior do descrédito da PM junto à população de Paty do Alferes...

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