quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

RIO EM GUERRA IV




 “O mundo está perigoso para se viver! Não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa dos que o veem e fazem de conta de que não viram.” (Albert Einstein)

Aos jovens cadetes e oficiais da PMERJ

Venho tentando nesta sequência de mesmo título enfocar temas vinculados aos antigos óbices que ainda hoje atormentam a cultura operacional da PMERJ e resultam discutíveis ações nas ruas. Preocupa-me tal situação, que não se refere à atual administração, mas a um conjunto de fatores que se reportam à transferência da PMDF para Brasília e à concomitante criação da PMEG (1960); após veio Fusão da PMEG com a PMRJ (1975), emergindo daí a PMERJ.

Mais adiante se inicia o período brizolista, quando então o ilustre exilado, vencendo as eleições no novo RJ (1982), assume o mandato em 1983 e logo inova ao questionar a atuação da polícia nas favelas do Rio de Janeiro. E institui proibições endereçadas a uma polícia que até então cuidava de todos os supostos criminosos como “inimigos internos”, sem muita preocupação de ser seu alvo o cidadão ordeiro ou o bandido, especialmente nas favelas do Grande Rio, onde o tráfico florescia em pujança acompanhando a tendência mundial.

Razões políticas à parte, o somatório dos óbices passa pelos integrantes da corporação desde 1960. E em virtude das impactantes mudanças conjunturais e estruturais do lado de fora, não houve do lado de dentro clima organizacional compatível com a importância da missão constitucional da PMERJ. Na verdade, todos sonhavam com o comando próprio e as acirradas disputas morreram na praia: tão logo Brizola assumiu o governo nomeou para o comando-geral um coronel PM que já militava como Chefe do EM: Coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira. Bingoooô! Disputa encerrada, o mais antigo do QE saíra em vantagem na corrida do ouro representado pelo poder interno.

Nova fase, nada de Exército sentado no trono, que já era todo azul: Canção do PM virando hino da PMERJ, farda azul, aniversário em 13 de maio com direito a “Semana da PM” e muitas comemorações desdobradas em dias seguidos, um festão, com a PMDF lá de Brasília assistindo em espanto a usurpação, aquecendo a disputa pelo empalhado herói Bruto, cão que seguiu com o 31º de Voluntário da Pátria da Guerra do Paraguai, paternidade histórica assumida pela PMDF e pela PMEG em briga de foice, enquanto o eternizado cão pacientemente espera no Museu da PM no Rio, de onde os PMDF não coseguiram retirar absolutamente nada e ninguém vai lá ver nada também. Nem PMERJ, nem PMRJ, nem PMEG e menos ainda a PMDF...

Assim se esqueceram do 12º de Voluntários da Pátria, que recebera a alcunha de “Treme-Terra” em virtude de participação heroica dos seus homens na mesma guerra, e que somava honras de herói na figura histórica do Sargento Pardal, que morreu crivado de balas sem largar a Bandeira Centenária, símbolo maior da participação da PMRJ em muitas batalhas contra o exército paraguaio.

Sim, na PMRJ havia o Hino com “H” maiúsculo e muitas tradições, todas sepultadas pelos “Azulões” desde o primeiro momento da Fusão, que os oficiais “Treme-Terra” (alguns coronéis do Q3 mais antigos que os do QE) assistiram da “Geral do Maracanã” em meio ao povoléu fluminense.

Não sei se o apodo “azulão” é obra de “Treme-Terra”, mas garanto que foram eles, “Azulões”, os inventores do apodo “João-de-barro” em alusão à farda bege logo descartada como uniforme oficial da nova PMERJ, não por decisão direta dos “Azulôes”, mas por influência deles junto aos verde-olivas que permaneciam ainda sentados no “trono azul” do “palácio” situado  na Rua Evaristo da Veiga, 78 – o QG da PMDF, depois da PMEG, e finalmente da PMERJ.

A princípio, tudo isto parece insignificante, mas as unilaterais intervenções do QE ainda sob o comando do Exército, logo abraçada pelo pessoal da PMEG (Q2), jogou para escanteio a antiga PMRJ, e juntos foram à cova rasa seus anseios e valores que remontam a 1835. Ora, quem conhece o militarismo sabe que não se enterram tradições históricas como se fossem nada. Mas foi o que fizeram, e por reação dos “Treme-Terra” houve o consolo de eles festejarem a data de criação da PMRJ (14 de abril de 1835) no seu antigo QG, sediado em Niterói, município que perdera o status de capital com a Fusão. A permissão, dada de má vontade, veio do Cel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira depois de muita pressão dos “Treme-Terra”. Na verdade, apenas migalhas, mais velório e enterramento que festejos aniversários...

Este era o clima organizacional quando Brizola assumiu seu primeiro período de governo e nomeou como Secretário de Estado de Polícia Militar o supracitado coronel do QE, que, por óbvio, comungava a mesma aversão implícita aos “Treme-Terra”, situação psicossocial grave, porém jamais assumida por nenhum dos lados em dissensão fortíssima, que somente será sepultada quando não mais existirem no mundo os “Azulões” do QE e do Q2 e os “Joões-de-barro” do Q3. Aí sim, a nova PMERJ pertencerá tão-somente aos oficiais formados a partir sua da criação (1975). Pois é certo que nem a inatividade sepultará o cisma entre “Azulões” e “Treme-Terra”. Só a morte!

Não pretendo aqui afirmar que não existam de parte a parte grandes amizades entre as pessoas dessas conflitantes origens institucionais. Talvez até as amizades forjadas intramuros é que amainaram a aberrante aglutinação de vinagre de álcool (“Azulões”) e vinagre de vinho (“Treme-Terra”), ou vice-versa, o que permitiu à PMERJ seguir em frente, porém do modo como todo mundo sabe: ineficiente e ineficaz ante o crime em vista do seu paquidérmico modelo estrutural, que não evoluiu, as brigas internas não deixaram.

Apenas para que o leitor entenda, o vocábulo “Treme-Terra” não é pejorativo. Funciona como “nome de família”. Diferente de “Azulões”, que se pluraliza por ser mangação da formiga ao elefante, tal como sua contrapartida “Joões-de-barro”. Ponho aqui porque tudo é história. Afinal, como diz o humorista da Praça É Nossa, Paulinho Gogó: “Quem não tem nada pra fazer conta história”.

Num cenário interno e externo tão conturbado, nunca a PMERJ oscilou tanto. Porque sem a decisão serena e isenta das PESSOAS não haveria de haver ações impessoais, eis que contaminadas por rixas profundas em virtude de disputas pelo poder interno. E sem a união das PESSOAS por laços culturais comuns, todas as demais variáveis da organização seguem em processo entrópico, destacando-se entre elas, como manda a boa Teoria da Administração:

1) ESTRUTURA: mantém-se deteriorada, sem norte, e descambando para um perigoso “militarismo” calcado no desrespeito às normas de hierarquia e disciplina, tanto de cima para baixo (predominante) como de baixo para cima (ruptura cada vez mais abissal dos sinais de respeito que deveriam primar uma relação normal entre superiores e subordinados);

2) TAREFAS: encontram-se emperradas e aleatórias, com excesso de rigor disciplinar a tentar superar os improvisos;

3) AMBIENTE: demonstra-se sobremodo incerto e turbulento em virtude do mando que vem de fora bagunçado as normas já estraçalhadas internamente;

4) TECNOLOGIA: espantosamente estagnada nos seus aspectos operacionais mais corriqueiros;

5) COMPETITIVIDADE; poder-se-ia resumir ao fato de que, por conta principalmente da má atuação da PMERJ (o RJ é a mais forte caixa de ressonância nacional), correm no Congresso Nacional muitas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) extinguindo as Polícias Militares pátrias, não se conhecendo qual será o desfecho.

Entendo assim:

Qualquer que seja o comandante-geral, ele deve em humildade admitir os óbices para tentar sensibilizar seus pares e subordinados e os dirigentes políticos no sentido de interromper a entropia em curso. E se não houver a possibilidade de contar com a turma de fora, eis que contaminada por ideias progressistas de natureza crítica, a PMERJ deverá se unir ainda mais para pressioná-la de dentro para fora, o que ela pode fazer em vista da realidade de que o paquiderme é lento e desengonçado, mas se emperrar não haverá quem o mova.

Aqui devo lembrar que não se conhece o tamanho do efetivo que está fora de quartéis servido de “Bombril” em tudo que é canto possível, no Estado e nos Municípios. Diagnosticar tal situação é fundamental, não para retaliar, mas para servir de barganha, o que a corporação não costuma fazer por ser assumidamente servil aos de fora.

Como eu disse, mas repiso por ser cruciante a situação, todas as rupturas e fusões, se ocorreram dentro da legalidade, não foram legitimadas pelas populações da antiga GB e do antigo RJ nem pelos integrantes das antigas instituições (civis e militares), que tiveram de empurrar goela abaixo as ordens de cima, que, no caso da PMERJ, sempre funcionam, mesmo que mal, em virtude do rigor disciplinar a produzir conformismo.

Supor que desta celeuma resulte boa coisa é insistir no erro. Porque até agora não resultou mais que profundo divisionismo gerador de hostilidades visíveis e invisíveis, todas com forte impacto no novo RJ, que nasceu alquebrado pela ilegitimidade e permanece ante um futuro incógnito. Sim, é impossível esperar resultados atraentes depois dessas pesadas turbulências ambientais envolvendo inclusive a mudança de eixo do poder político.

Só como exemplo, a Câmara dos Deputados da antiga capital – Niterói – tornou-se Câmara dos Vereadores, e muitas instituições do RJ foram extintas. Cá entre nós, o baque foi forte demais! E sua absorção levará mais tempo que o já escorrido. As duplicadas estruturas englobadas à força do muque não se aceitaram em natural encaixe, que se resumiria em igualar a legitimidade que não houve à questionável legalidade. Ora, a Fusão jamais ocorreu além da matéria e jamais alcançará positivamente os espíritos maltratados pelo ditatorial ato administrativo e político!

Baque maior, todavia, se deu no exercício da função-síntese do Estado, que, doutrinariamente, é a de prestar segurança para que o desenvolvimento se faça presente. Isto não ocorreu, os recursos financeiros para sustentar a Fusão não atravessaram a Ponte Rio-Niterói, nem para um lado nem para o outro. Mas diriam alguns otimistas que a ponte em questão cumpriu sua finalidade de levar e trazer progresso, e nesta principal carruagem econômica estariam os volumosos empreendimentos estatais prometidos pela União. Não estavam nem estão em carruagem alguma, cada lado teve de se ajustar à realidade da carência de recursos, cruel situação que empobreceu o novo RJ.

Muitos anos já se passaram, mas o divisionismo permanece vivo. Nenhum dos povos cariocas e fluminenses engoliu a Fusão. As pessoas antigas, misturadas em carcomidas estruturas estaduais, somente esperaram o tempo passar. E saíram do cenário dando lugar aos novos em todos os setores de funcionamento do RJ. Mas o cabo de força continua puxado por fortes braços dos dois lados, para ver quem cairá primeiro na baía de Guanabara e se afogará.

Sim, exagero na retórica para que essas pessoas de lá e de cá se situem e me desmintam dizendo que não existe mais contendas. Não valem opiniões de gentes comprometidas com o poder reinante e com interesses inconfessáveis. Vale somente a opinião isenta dos cidadãos que continuam cariocas num dos lados da baía, enquanto do outro lado todos são fluminenses. Enfim, cada qual mantém no espírito o culto às suas verdadeiras origens, aos seus reais anseios e valores, porém atropelados por uma decisão ditatorial sem sentido.

No caso específico da PMERJ, reitero em insistência, também não houve Fusão! Não existe PMERJ a não ser para quem nela ingressou a partir de 1975! Porque os remanescentes da PMDF e da PMEG jamais formaram um só corpo de tropa. Menos ainda aceitaram como parte de seu inexistente corpo os “Treme-Terra”, cujo corpo perene é a PMRJ. Daí continuar vivo o imbróglio, porque o poder reinante insiste na unidade de uma estrutura que jamais será unida. Caberia então ao atual Q1 desvelar os caminhos para constituir um novo corpo de tropa representativo da atual PMERJ. Para tanto, porém, os atuais gestores do Q1 teriam de assumir como dado histórico relevante a Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro (1975). Cá entre nós, decisão difícil, senão impossível, não houve história, a data não é alvissareira...

Que fazer então?...

Não sei. Só sei que o Q1 começou muito mal, retaliando seus próprios pares em incrível autofagia e reestimulando fricções nascidas na Academia Dom João VI. Deste modo desagradável o Q1 iniciou sua gestão da PMERJ. Mas os primeiros comandantes romperam marcha em passo trocado, e continuam tropeçando em erros não apenas consequentes dos óbices passados, muitos dos quais intransponíveis, mas inaugurando seus próprios óbices. Quanto ao caos passado, vencê-los é bobagem. Porém com a nova fornada do Q1 ainda não houve vitória.

Talvez porque incidam no erro de abraçar história alheia, que viajou para Brasília e deixou o Estado da Guanabara sem história. Porque a PMDF, esta sim, é a original, e apenas mudou de lugar, tal como um corpo de tropa que vai à guerra e permanece ocupando o território conquistado, porém sem abandonar suas origens. A origem nunca festejada pela extinta PMEG é a data de 21 de abril de 1960. Bela data, por sinal, Dia de Tiradentes, mas não interessou à corporação parida a ferros assumi-la. E também a atual PMERJ não tem história nem hino, não tem nada a cultuar, o que no militarismo, sempre forjado em lutas e heroísmo, é péssimo.

Pode parecer bobagem, mas a história inicial do Q1 se resume à aposta na retaliação dos seus companheiros mais antigos, só por serem mais antigos ou por rixas trazidas dos bancos da Academia Dom João VI. Apostam também nas oscilantes UPPs, porém tudo envolto em escândalos recentes e desmoralizadores em todos os sentidos.

Ora, não será o ufanismo fanfarrão de alguns novos, – agarrados aos seus brevês por terem comido comida jogada ao chão, tais como se alimentam os animais, sem espaço para o intelecto, – não será este ufanismo fanfarrão capaz de construir uma nova história ou reconstruí-la a partir dos escombros que aqui tento descortinar.

Para construir ou reconstruir, terão, sim, de assumir seus escombros decorrentes do fracasso de comandos anteriores exercitados pelo próprio Q1. Melhor então reconstruir tudo a partir do nada, do presente, instituindo um modelo estrutural vencedor.

Isto é possível, nem tudo está perdido, há muitas gentes competentes no Q1. Mas para vencerem os óbices eles devem resgatar a impessoalidade estatutária, reestabelecer a hierarquia e a disciplina a partir da elementar continência do subordinado ao seu superior, ativo ou inativo, e sobretudo descartar emoções externadas a partir de histórias alheias.

Sim, renovar é preciso, sim!

E talvez a palavra mágica seja a renovação: dos conceitos, da doutrina, da cultura, pondo no museu todo o lixo institucional que hoje forma um monturo espantosamente fedorento, momento em que faço a minha mea culpa porque também sou parte dele.

Sim, é preciso zerar tudo, e deste simbólico zero renovar a cultura a partir da Academia Dom João VI, ou seja, por meio dos jovens que lá estão e que não mais devem ser contaminados, via instrutores e professores,  pelos males acumulados, em especial os creditados na conta do Q1.

Sim, sim, deve ser assim! Pois nem todos do Q1 ainda em atividade contribuíram para o crescimento desordenado do monturo. Muitos estão em condições de retomar as rédeas da união corporativa, respeitando principalmente os ensinamentos estatutários, hierárquicos e disciplinares, pondo as leis acima das desavenças pessoais, o que é imperativo a todo militar estadual.

Com efeito, devem plantar lírios sobre o monturo. Porque se mantiverem o fígado na dianteira da razão o caos é certo!

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