terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

RIO EM GUERRA VI


Revista ÉPOCA de 04 de fevereiro de 2015 – pág. 23.

Não é a primeira vez que o fenômeno acima ocorre, e de certo modo tenta pôr abaixo a unanimidade do policiamento ostensivo fardado como inibidor da oportunidade de o delinquente contumaz praticar seus delitos. No caso, a afirmação jornalística é pontual em tempo, modo e lugar. Refere-se à ausência de homicídios em algumas cidades de São Paulo, ignorando o restante da estatística criminal, o que torna a análise nada mais que curioso fragmento, embora importante.

Já se fez nos EUA pesquisa mais direta sobre a validade do patrulhamento ostensivo como precondição para inibição de oportunidade da ocorrência de delitos, ou seja, o meliante contumaz deixa de praticá-los porque nota a presença da polícia e se atemoriza ante a concreta possibilidade de ser aprisionado.

Num condado norte-americano, se não me engano referido por O. W. Wilson em sua obra traduzida e intitulada “Administração da Polícia”, os pesquisadores saturaram a localidade com policiamento ostensivo. Depois foram diminuindo sua intensidade até zerar a presença de viaturas caracterizadas e de policiais fardados no ambiente urbano. A conclusão foi a de que nada se alterou no ambiente delimitado, a incidência de crimes não aumentou nem diminuiu. Segundo se sabe, a pesquisa foi minuciosa, não cabendo discussão quanto aos seus métodos.
Não me espanta a notícia da revista. Em Gramado/RS, onde estive passeando, não vi policiamento nas ruas nem sinais de trânsito nos cruzamentos principais. Nem por isso os carros bateram uns nos outros, nem os pedestres tiveram dificuldade de travessia em ruas movimentadas: os carros paravam dando-lhes preferência. A urbanidade daquela região turística é tão contagiante que educa os turistas a procederem do mesmo modo.

Digamos que a matéria da revista aponta para a exceção, para alguns “oásis”; realmente, porque o deserto é causticante e infinitamente maior, e nele há o caos... Portanto, não há motivo para ufanismo, e basta comparar Gramado ou algumas dessas cidades paulistas com a Zona Norte do Rio para o otimismo esvaziar como efêmeras bolas de soprar aniversárias.

Enfim, a realidade dos “oásis” (exceção) não significa desânimo com o policiamento ostensivo (regra), embora desde muito tempo ele não faça mais que enxugar gelo. Salva-se, porém, a ideia de que o policiamento está mal aplicado no ambiente social por uma série de fatores que o tornam mais ausente que presente. É simples entender: quando uma radiopatrulha está na DP concluindo uma ocorrência, não há outra que a substitua (força reserva) no seu setor de patrulhamento (ambiente de tarefa), que fica totalmente vazio de polícia. Nem vou enumerar quantas vezes o fenômeno se repete, seria cansativo e quiçá impossível, esse tipo de estatística não interessa difundir, se é que é feita.

A verdade é que o aleatorismo impera, e, curiosamente, quanto mais o policiamento atende a ocorrências várias, incluindo o socorro a gestantes em vias públicas, tal como fazem as ambulâncias, e o parto acontece dentro das viaturas, mais ainda o ambiente fica vazio de polícia. Como então saber que frequência seria ideal para inibir a oportunidade de o delinquente contumaz praticar seus indefectíveis delitos a partir da frequência do patrulhamento, se ela é cambiante e muita vez vai ao zero?...

Apresentei Trabalho Técnico-Profissional (TTP) no Curso Superior de Polícia (CSP), em 1988, e apontei aberrantes falhas do Sistema Integrado de Informações Estatísticas (SIIE) da corporação, que, demais de não servir para diagnosticar a realidade das ruas, apenas me levou à conclusão de que a PMERJ, naquele ano, atendia à miséria em detrimento do controle do crime. Depois melhorou um pouco com a criação do SAMU, desobrigando a PMERJ de atender a situações típicas de ambulâncias.

Aí, em hipótese, sobrou tempo para as radiopatrulhas perseguirem outro tipo de ocorrência, sem dúvida policial, mas que produz desgaste de tempo das guarnições em delegacias policiais. Refiro-me ao tráfico de drogas na ponta da linha e seus usuários, sempre alvos preferenciais do policiamento ostensivo porque, além de visíveis, costumam render mídia positivas e dividendos inconfessáveis...

Como se vê, não há como alegar da parte dos PMs desatenção, omissão etc. Afinal, o policiamento ostensivo está atendendo a demandas criminosas visíveis e tipificadas, o que não impede seu afastamento das ruas e logradouros, onde deveriam estar a inibir a criminalidade geral que até parece inexistir. Não significa que não atendam a algumas brigas de vizinhos, desavenças entre marido e mulher, tudo levando a longas pausas em balcões de delegacias policiais civis e novamente as ruas ficam vazias de polícia.

Tudo isto nos obriga a lembrar que a PCERJ não aceita que a PMERJ lavre diretamente registros de ocorrência de menor potencial ofensivo, obrigando-a a conduzir muitas abobrinhas para delegacias e tomando um tempo que poderia ser aproveitado no patrulhamento. Refiro-me à Lei nº 9099 e seus desdobramentos que em muitos Estados Federados são solucionados no local, mantendo-se a PM no ambiente social em vez de empacada em sedes de delegacias policiais, com seus membros (policiais civis) em conveniente inércia, quando deveriam estar em campo investigando crimes e a eles se antecipando. Coisa rara: geralmente a polícia civil chega depois do fato ocorrido e se prende à burocracia dos inquéritos que hoje se acumulam em pilhas montanhosas e sem solução.


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