'Vamos
reconstruir a Polícia Militar', garante Pinheiro Neto
Foto:
Alexandre Brum / Agência O Dia
Já no centro
das atenções, as entrevistas do novo comandante-geral à imprensa estão claras,
concisas e precisas, sem floreios, e com um norte bem definido. Contenta-me
deveras, como impertinente avaliador das coisas que ocorrem na corporação, este
primeiro momento de intenções institucionais. Sim, o novo comandante não se
esqueceu de nada, de nenhum ponto. Talvez devesse aprofundar um pouco a questão
da formação, mas ao relevar a reciclagem já demonstra que a formação é
subsistema deste outro, ou seja, é um só sistema (formação-reciclagem).
Egresso do
BOPE, tropa de operações especiais que conta com a minha máxima admiração
porque tive a honra de na antiga PMRJ ter sido instrutor de Comando na Escola
de Formação de Oficiais (EsFO) e de ter integrado, como tenente, junto com
outros tenentes, o primeiro Pelotão de Operações Especiais treme-terra, comandado
pelo saudoso Major PM Homero Barreto. Mas foi como instrutor da EsFO por anos
seguidos, e por servir na Companhia Escola de Recrutas (hoje é CEFAP), é que pude
formar um grupo de oficiais, graduados e praças (Diabos Verdes) que muito
orgulho deu à antiga PMRJ. Antes desta fase, somente o instrutor da EsFO
cuidava de ensinar o Emprego Tático de Unidades Especiais, e depois os mais
destacados nas turmas eram escolhidos como novos instrutores desta específica cadeira.
Eis como ingressei nesta especial “cadeia alimentar” feita de “mamíferos
especiais” extraídos de turmas seguintes, até formar um grupo coeso e treinado,
que passou a disseminar conhecimentos e práticas de “Comando, Busca, Resgate e
Sobrevivência na Selva”: Os “Diabos Verdes”.
Foram muitos
cursos, muitas horas em treinamento de tiro instintivo noturno e diurno (revólver
38, metralhadora INA cal. 45, fuzis FO da PM e FAL emprestado pelo Exército);
também aulas de artes marciais, de operações anfíbias, de alpinismo
(transposição de obstáculos), de armadilhas para caça de animais e pessoas, de ofidismo,
de explosivos (alguns treinamentos feitos na ESIE do EB) etc. E muitas pistas
de aplicação que preparavam o homem para ser um autêntico combatente. Mas o
grupo foi além e estendeu suas atividades aos cursos de cabos e sargentos, além
dos cadetes. E teria chegado aonde o atual BOPE chegou, com certeza, pois
tínhamos legitimidade para criar o nosso brevê dos “Diabos Verdes”, em alusão
ao uniforme camuflado que usávamos nos treinamentos.
Por conta de
muito sacrifício do grupo, aqui me obrigo a nominar parte dele que está ainda
viva na minha memória: Ten Wilton Soares Ribeiro, Ten João de Souza Barreto
Filho, Ten Lucídio Motta Leal, Ten Ricardo da Silveira Furtado, Ten Orimar
Saraiva Lirio, Ten Humberto Mauro de Oliveira, Ten Paulo José, Ten Adailton,
Ten Guilherme, Ten Sérgio Santos Lopes, Sgt Icaro Leal Silva, Sgt Tenório, Sgt
Wanderlei, Sgt João Carlos, cabo Ventapane, e muitos outros que se esforçaram conosco
nas instruções de quartéis e de selva, e também nas atividades em zonas
urbanas. E, por conta disso, posso acrescentar que fui honrado em comandar um
pelotão da PMRJ incorporado em solenidade a uma Companhia de Infantaria do
antigo 3º Regimento de Infantaria do Exército Brasileiro, em ação real contra
guerrilha urbana e rural na região de Itaboraí e adjacências, num contexto que
envolveu o antigo Primeiro Exército. Explica-se assim o porquê de eu ter no
BOPE um espelho que atravesso e me leva ao passado de muitas lutas e muitas
glórias.
Sou fã
incondicional do BOPE, sim, mas também sei do valor da numerosa tropa normal, também
especial, que cuida do cotidiano da prevenção e da repressão ao crime na
manutenção da ordem pública, enfrentando desde partos em viatura a tiroteios
que muito ferem e matam os integrantes desta abnegada tropa. E está certo o
novo comandante quando afirma que a tropa normal receberá treinamento intensivo.
Porque é imperativo o resgate urgente duma cultura operacional que anda
esquecida. Mas esta reciclagem há de ser profunda, porque não basta ao policial
atirar bem, ele precisa retomar a confiança na arma curta para permitir que
fuzis não continuem tão banalizados. Ora, é esdrúxulo um PM portar fuzil sem
ter jamais atirado com ele durante toda a sua carreira. Afirmo-o convicto,
assim como presumo que a maioria da tropa não sabe atirar com arma curta nos
moldes exigidos.
Treinamento
de tiro custa caro, munição é onerosa, mas a PMERJ pode montar uma estrutura de
recarga e equipes técnicas a atenderem maximamente ao treinamento da tropa em
todo o RJ, assim como já passou a hora de reavivar os manuais de instrução, em
tal quantidade que permita ao PM, individualmente, possuir sua biblioteca
funcional em casa. Ah, hoje ela não existe nem nos quartéis, a gráfica foi
fechada, mas garanto existir na briosa gente capaz de atualizar os manuais e
criar outros em reprodução de literatura estrangeira adaptada à nossa realidade.
O que não se pode é continuar ignorando o desconhecimento total do PM quanto ao
que seja um fuzil, embora ele o ostente nas ruas com o garbo de quem sabe tudo,
mas não sabe nada. E o fuzil nas mãos o faz esquecer de que porta uma pistola
na cinta...
Coisa
simples, aparentemente simples, mas só o será se o novo comandante for além do
exercício de chefe militar e se tornar um líder. Condições de legitimidade ele
possui de sobra. No fim de contas, ele é “Caveira” que demonstra possuir
intelectualidade administrativa para exercitar um comando conceitual e
estratégico, de modo que os âmbitos tático e operacional reflitam no intermédio
e na ponta de linha as suas ideias. E as primeiras externadas em entrevistas
estão a demonstrar que ele chegou sabendo como rearrumar as peças do complexo
tabuleiro chamado PMERJ. Espero que ele cumpra fielmente o que promete e não
faça como outros que prometeram e não cumpriram, levando a corporação ao caos
que ele, o novo comandante-geral, admite existir e se propõe a enfrentar. A nós
só nos cabe torcer pelo sucesso dele, sem, porém, deixar de criticar
construtivamente os desvios de rota. Pois um comentário crítico, em sendo
construtivo, deve sempre ser bem-vindo.
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